domingo, 31 de janeiro de 2016

365 dias com poesia, 31 de janeiro de 2016 -- O POETA E OS CRÍTICOS

O POETA E OS CRÍTICOS -- Lêdo Ivo


Poeta da noite e do sonho
que ousa interrogar Deus
sem nem mesmo conhecê-lo
direito por linhas tortas,
assim foi estampilhado
por um crítico sagaz.
Mas um outro proclamou:
És poeta da claridade
e o sol que trazes perturba
os meus olhos fatigados.
Um terceiro o definiu
como o poeta do amor
e do corpo feminino
que freme na escuridão
como rosa atravessada.
Um resenhista apressado
o limitou aos navios
que ele viu quando menino
no azulverde mar azul
da península natal.
À luz do estruturalismo
um professor garantiu:
sei ler a tua linguagem.
Teus peixes e caranguejos
são metáforas falazes.
Não me engana o teu império
de maceiós e alagoas
nem a luz do teu farol.
Não me ilude o goiamum
que sorrateiro atravessa
a água negra dos teus mangues.
Digo, mesmo que te zangues,
que a morte é tua matéria.
Um poema de tua lavra
É chave de cemitério.
E aquele crítico atento
às suas portas fechadas
e às suas folhas caídas
chamou-lhe poeta do tempo
e das ilusões perdidas
e invocava como prova
a fria cinza nascida
de uma fogueira no bosque.
Um crítico o festejava
pelos seus versos lacônicos
enquanto outro o censurava
pelo seu ritmo oceânico.
Pela noite rodeado
ou sob o sol caminhando
o ledo poeta aturdido
por tantas doutas versões
perguntava aos seus botões
ou indagava às estrelas
que brilham mesmo ao céu claro
só para quem sabe vê-las:
O que digo quando digo?
Por quem falo quando falo?
Já que os críticos divergem
no tamanho do meu metro
sou parco ou sou excessivo
quando entôo minha canção?
Onde começo e termino?
Quem sou? Quem fui? Quem serei?
Porque sou um e sou vários,
ora vivo dividido,
ora morto esquartejado?
Eu sou eu ou sou o outro,
esse guerreiro ardiloso
que, oculto em mim, me combate
na batalha desigual?
Tantas perguntas, e o dia
como uma nuvem passava!
Só o vento lhe respondia
No silêncio do céu mudo:
--- És como eu sou. Nada sei.

Sopro noite e dia. E é tudo.

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