sábado, 30 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 30 de novembro de 2013 -- Fim do Mundo



Fim do Mundo

de uma batida de carro meu filho Vinícius renasceu dos dezenove anos passou a um e o bebê terá seu primeiro novo aniversário comemorado no dia trinta de novembro de 2013, HOJE, quantos de nós temos ou teremos uma chance de renascer?
nos treinamos a esperar e crer parar e temer olhar e não ver não ver é mais fácil? será que realmente não vemos? ou fingimos não ver? ao vermos temos que escolher parar andar ou opinar sendo mais fácil dar notícia aos outros daquilo que não sabemos escolhemos falar e lógico temos opinião sobre tudo sobretudo daquilo que não conhecemos ao tentar querer explicar o que muitas vezes não tem explicação escolhemos olhar o outro quando poderíamos tentar uma solução própria que nos levaria ao reconhecimento (cimento) necessário de quem somos e como nos adequamos ou não à nossa realidade normalmente escolhemos a ilusão essa uma verdade bebemos fumamos surfamos ouvimos música lemos viajamos cantamos tentando aplacar a solidão que sentimos dentro de nós por termos nos deixado esquecer daquela voz interna que pedia uma Ave Maria ou um presente ao Papai Noel, que existia, voz que nos definia e nos fazia sorrir quando ainda não temíamos os outros e ainda acreditávamos que uma simples oração traria alguma explicação essa reflexão é por conta do tão anunciado fim do mundo que poderia ter ocorrido no acidente do Vinícius e que ocorreu a todos os que morreram a pergunta que não quer calar é: e se o mundo não acabar? como seguiremos com nossas vidas vazias por não pensar? 

Niterói, em 30/11/2012.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 29 de novembro de 2013 -- cremes e lágrimas



cremes e lágrimas

Quando sujo um quadro de branco
Sujo o quadro de branco do medo
Do medo que sinto sobre tudo
Sobretudo da falta de argumentos
Palavras ao vento que ouço e vejo
De quem quer comprar
Apenas comprar
Um lugar no céu no sol no mar
Esquecendo da água fria de nossas lágrimas das perdas que já temos e ainda teremos esquecendo de tudo de tudo do nada de nada enquanto fecha fecho os olhos para enxergar o defeito alheio que é nosso...

Ah! se soubéssemos respirar... 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 28 de novembro de 2013 -- Pura fuga



Pura fuga

A Du Fu

O vento frio
No rosto
Frio tempo
Sol Praia Areia
Pulos Pique Tatuís
Castelos Sorrisos
Árvores Sombras
Infância Pura
Fuga
Fujas

do asfalto não há nada que se observar
quem aprenderá com o barulho que vem de fora
dum corpo que não quer parar?

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 27 de novembro de 2013 -- deserto



Sim sei certo
nunca estarei
estuário de águas salgadas
que chamo lágrimas
que chamam dengo
gosto do gosto do doce de leite de meus desejos
e choro sempre por aquilo que acredito
sempre me irrito pois da raiva vêm versos
certos na sua imprecisão
abri mão da razão pela emoção
de ser do jeito que sou sei
certo
nunca estarei

deserto

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

céu que chamamos mar

quando
no silencio surdo da solidão
leio um livro
ou
faço
um poema
escolho olhar os astros
ou o seu reflexo no mar
fico
vendo estrelas
do sistema solar
sozinho como elas
como elas brilho
indo navegar
no espelho
de céu que chamamos mar

simples

um ser humano
que já viveu
metade da vida
e
ainda respira...
esse sou eu
um ser
sendo somas:
sofrimentos
saúde
suficiente
sanidade
sofrido
sumo de vida
simples assim

domingo, 17 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 26 de novembro de 2013 -- marinheiro



marinheiro

 

pelo cheiro pelo som pelas sombras

costumo andar observando a possibilidade das coisas

enfrento o medo com olhos fechados de desejo

365 dias com poesia, 25 de novembro de 2013 -- Pint’adores



Pint’adores

Ouvindo Coltrane
Não há como não pensar:
As notas nasceram para harmonizar-se
Com os ouvidos de sofredores
Todos os cantores sofrem e ao invés de engolir o choro
Soltam o sopro de ar que normalmente acaba por matar
No nascedouro uma carreira de ouro
De quem quer que seja
Pintores em pingos imprimem a indiferença
Enquanto os poetas sabemos rimar
Lágrimas com palavras que não queremos nem podemos calar

365 dias com poesia, 24 de novembro de 2013 -- fatiga



fatiga

Cansado de me cansar com o cansaço de suportar o sol o sal o mar
De lágrimas alheias que também são minhas
Sereias
Que podem me jogar nas pedras
Perdas que estava quase conseguindo fingir não lembrar

(E essa lembrança acaba com a esperança de rimar sem remar)

365 dias com poesia, 23 de novembro de 2013 -- viventes



viventes

 

A Angélica Plácido


vivo nos teus olhos, quando me reconheces

sinto o gosto de sódio, na lambida de tua alma

adormeço melhor na tua respiração

acalmo o arrepio sentindo tua mão

respiro no teu ritmo
e por isso vivo

365 dias com poesia, 23 de novembro de 2013 -- Anjo



Anjo

A Angélica Plácido

É da angustia do tempo
Que retiro alguns sentimentos do peito
E tento rimá-los
Amá-los é mais difícil
Primeiro ensinamento
Respirar
Devagar
Soltar o ar
E soletrar
A palavra:
a-m-o-r
que é tão pequena
e diz tanto
tonto
de tanto tentar
respiro
o símbolo
flor:
anjo
que me leva a voar
sem asas

365 dias com poesia, 22 de novembro de 2013 -- me-ninar



me-ninar

Todos os dias
Logo depois de abrir os olhos
Agradeço
A chance de um novo dia
Uma nova possibilidade de poesia
Me traz uma aceno de sorriso
Um siso a menos é bom motivo de arriscar
Errar
Criar uma nova melodia
Que torne o dia mais rápido
Para à noite respirar
Rimas
Lembranças
De mãos e canelas finas
Que dos carinhos e sorrisos
Maternais
Prepararam os olhos do poeta
Para me-ninar

365 dias com poesia, 21 de novembro de 2013 -- QUI(n)ETOS



QUI(n)ETOS

QUASE TODOS NÃO VEEM a poesia existe em cada pedaço de ar
Que TAMBÉM É INVISÍVEL
Como o amor como a saudade como seus olhos que ardem
ESCONDIDOS FICAMOS FAZENDO CARA DE INFINITO quando gostaríamos de pedir um cafuné à avó se ela ainda existisse E PUDESSE NOS contar uma história de amor

365 dias com poesia, 20 de novembro de 2013 -- pescador



pescador

 

A Ernest Hemingway

mais interessado na dor do pescador
do que na dos poetas

...as linhas brutas de um rosto de sol

as mãos calejadas pelos anzóis

a dor de um barco voltando vazio

365 dias com poesia, 19 de novembro de 2013 -- enCANTOS



enCANTOS

Suporte físico do canto
O pássaro
Espanta o espanto com seu pranto
Suas penas são cor
Que lembram a flor que passou
Deixando um tanto de felicidade
Nos olhos com ranço de criança
Que não me canso de carregar...
E sempre assobio sua melodia
Que me faz suportar o dia
Pincelando a tarde
Que me entrega a noite
Belo momento de te encantar

365 dias com poesia, 18 de novembro de 2013 -- Café de los maestros



Café de los maestros

Aos músicos argentinos de tango

Não
Nós não envelhecemos
Apenas o tempo nos cansa os olhos e o corpo
Ficamos pesados de silêncios
Das perdas que acumulamos
Das lembranças que são dívidas
Continuamos tocando nossos instrumentos como sempre
Até melhor
Porque sabemos que não devemos desperdiçar notas
Vamos seguindo a melodia como as marolas seguem as ondas do mar
Como as coxas das dançarinas seguem o coração do bandoneon
E sentimentais sentimos a força da canção
Que é a nossa esperança de continuar por mais uma música

365 dias com poesia, 17 de novembro de 2013 -- cadeira de balanço



cadeira de balanço

A diferença de antes d’eu escrever era qu’eu sentia
Mas não sabia descrever o sabor da dor a secura na boca o mar nos olhos
Não sabia que sabia sofrer sofria mas não sabia colocar para fora nos dedos Depois que passei a encarar no espelho o vácuo da solidão coloquei tudo para fora e me livrei da parte estragada dos sonhos pisados que deixei pisarem
No princípio descobri alguns culpados mas tudo não passou de uma facilidade na medida em que logo percebi qu’eu é que tinha deixado e agora já na calma da consciência cansada tiro uns poucos dias para descansar
de mim

sábado, 16 de novembro de 2013

Pensamentos e Muitos Movimentos (facebook) -- nadador



nadador

de branco de sonhos
sonhamos
rindo chorando dormindo e dançando
parados com os pés juntos
futuro
num lugar que desconhecemos
desceremos?
subiremos?
seremos semente de uma planta com graça?
crianças com trança?
adultos que dançam?
ou apenas o nada num nado espacial?

Pensamentos e Muitos Movimentos (facebook) -- primeiros passos



primeiros passos

Todo começo é no medo
Na necessidade
Todo começo é no susto
Um mundo de olhos esperando nosso erro
Todo começo é assim mas poderia ser de outro modo
Mas deve ser de algum modo
Se esperarmos o momento mais correto o coreto nunca tocará com a fanfarra
De músicos iniciantes que não se sentem prontos mas sabem que devem perder o primeiro passo para poderem continuar

Pensamentos e Muitos Movimentos (facebook) -- ODE AOS MESTRES-POETAS



ODE AOS MESTRES-POETAS

Mestres
Saibam que se pudesse
Dominaria o tempo
para me fazer de pedra
em vosso caminho
Me faria passarinho
Para com Quintanna
poder voar
E apreciar poemas
sujos ou não
me faria de touro
para encarar de frente
com vontade animal
o mestre
de Mello e Neto
do meu avô
meu professor
como foram tantos outros
Bandeiras
Levantadas
À todos aqueles
Que escreveram
Se investigando
e nos ajudando
a melhor entender a vida
Único tempo
em que teremos
para chorar de amor
Molhando o cobertor
de nossa
Por vezes
indigna vida
Quando esquecemos
de ajudar o próximo
Que de tão próximo
Ao chorar
molha
Nosso jardim
Quando poderia
apenas com um pisão
com ele acabar
Mestres
Não abro mão
de reverenciá-los
Pois um bebê
não nasce da solidão
Deve ser gerado
Por ter sido pretendido
Como pretendo
Alcançar seus pés
Como me vejo
Voando
Entre letras e pincéis
Sabedor de ter que pagar imposto
Aos que iniciaram
Com louvor
Esse suposto
Seguidor
Mestres
Me sinto devedor
De suas sábias
Lições
Se alguma aprendi
Foi não temer nada que está por vir
Foi não dever me curvar ao já estabelecido
Mesmo que querido e profundo
Pego o peixe do mesmo lago fecundo
Letras pátrias
Querendo respirar
E eu não conseguindo
soltá-las do meu anzol
Vejo-os como sol
Que me aquece e me nutre
Mas não me queima
me mantendo atento
À responsabilidade
Ao cuidado
Acordado ao relento
Até produzir algo
Que possa ser considerado
Magistral...

 (Niterói, em 06.02.2009).

Pensamentos e Muitos Movimentos (facebook) -- mão de rimas



mão de rimas

Quero me ver livre
Quero me ver livro
Ter a significância da criança
Que brinca enquanto dança
Que se livra de problemas
Por desconhecê-los e não inventá-los
Quero o hálito forte dos cortes de navalhas
Que daremos nos atalhos das feridas
(VIDA VIVIDA!)
Todo o caminho tem vários princípios e vários fins possíveis
Só quero um deles
Da qualidade farei arte
Parte de uma história de vida que ainda está pela metade
E inteira cabe aqui dentro da mão de rimas que reconheço

Pensamentos e Muitos Movimentos (facebook) -- Túnel de tinta



Túnel de tinta

 

depois de um tempo
três são as emoções para continuar trilhando o caminho
cair de joelhos e tentar (se) perdoar
se isolar e adoecer
descobrir as tintas e pintar uma saída

Pensamentos e Muitos Movimentos (facebook) -- Facebook 2



Facebook 2

livro de face
pequeno mas verdadeiro
remédio caseiro
veneno se ministrado em doses alopáticas
cachaça de alambique
pique entre adultos nus
sustos crus de fantasmas de ópera
operam milagres no tédio das grandes cidades

(meus poemas)

365 dias com poesia, 16 de novembro de 2013 -- Mármore de Carrara



Mármore de Carrara

A Auguste Rodin

Esculpir
É deixar na pedra
Só o que há
A figura do grito do aflito ritmo singular
Mármore de Carrara da carne das mãos
Do homem que se propôs a fixar
A imagem atávica de seu sofrimento
Enfático exato errático
Nas andanças por essa existência comprometida

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 15 de novembro de 2013 -- pingos signos



pingos signos

Talvez
Seja menos difícil
Para um poeta pintar
Misturar à dor tintas
Das cores que fugimos
Pavores que sentimos
E portanto ao não escrevê-los
Inventar signos em imagens
Que comecem sendo pingos
E acabem sendo rimas

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- O ETERNO RETORNO

O ETERNO RETORNO

Quando o tempo cessar de ser o tempo
tudo será começo e nascimento.
Novas estrelas surgirão no céu
e será vento novo o vento antigo.


Levado pelo eterno movimento
que pulsa no silêncio das galáxias
hei de tornar a ser o que já fui
e viverei a vida que perdi.


Para quem ama, é a morte uma mentira
estampada no rosto de quem morre.
O céu desmesurado está aberto
a todos os regressos e metamorfoses.


Ó eterno retorno prometido
ao nada e ao pó, aceito que me enganes
para poder voltar ao meu amor vivido.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- A ÚLTIMA LIÇÃO

A ÚLTIMA LIÇÃO

Algo sempre fica:
um frêmito de pássaro,
um fulgor de rio,
e os teus lábios frios
no dia escurecido.


Algo não se extingue:
a sombra postada
junto à porta entreaberta,
uma lua branca
entre os negros cedros.


Do lado da vida
permanece a mão
que busca a outra mão
perdida para sempre
na escuridão.

365 dias com poesia, 14 de novembro de 2013 -- sanhaço



sanhaço

(vendo um caminho)

caminhas?
caminho?
olhando agora de longe o ninho
tentando não esquecer das pegadas
que me trouxeram até aqui
o cheiro da macarronada
desperta em mim uma lágrima de recordação
um amigo me olha de um jeito estranho
como se eu fosse seu pai irmão
como se eu falasse sermão
sei não
nem quero nesse momento saber
mas aquele olhar desconfiado
fincou uma desconfiança
uma esperança de mudar
ser mudo
ser muda
semear em mim um silêncio de versos
palavras sem rimas mas com peso
desejos sem bateria de escola de samba
sem pele de manga
sem asas sem aço sem marcas
sanhaço tentando cantar uma nova melodia
Silenciosa...
(como uma cobra? sobra?)

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- O NAUFRÁGIO

O NAUFRÁGIO

Ninguém achará
as ilhas perdidas
nem além do vento
nem além da vida.


Ninguém recupera
o tempo perdido
que fica escondido
no fundo do mar.


Quem parte não chega
ao fim da viagem.
O porto final
é sempre miragem.


Sob os céus perplexos
as paisagens mentem.
Ilhas, ilhas, ilhas
vistas da escotilha?


Saiba quem viaja:
para quem naufraga
não há terra à vista.
Só água e mais água.


Saiba o viajante:
não há salvamento
nem além da vida
nem além do vento.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- FIM DO PASSEIO

FIM DO PASSEIO

Vou perdido entre a gente. Não me guia
nenhum braço ou lanterna no caminho
onde a noite pousou ao sol do dia.


Para tamanha dor, ando sozinho.
Nenhuma claridade me alumia.
Nenhuma medicina cura a dor


que me punge e me fere, negro espinho
cravado para sempre no que resta
da vida em que vivi tamanho amor.


Uma luz se apagou após a festa
e neste escuro nem a morte assombra
o defunto que está desenterrado.


De mim mesmo me sinto despojado,
sombra errante que esconde a sua sombra
entre as sombras do chão desamparado.


Este é o fim do caminho. Nada resta.
E o próprio nada se dissolve como
a folha que apodrece na floresta.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- SONETO DE OTTAWA

SONETO DE OTTAWA

E o tempo...o tempo o belo escarnecido,
por mais longo que seja sempre breve,
uma brancura plácida de neve
desgarrada do céu escurecido,


o tempo, que não cumpre o prometido
e jamais paga o soldo que nos deve
e finge estar parado quando a leve
folha estremece no jardum florido,


o tempo que dá voz às águas mudas
e o dia fugitivo torna em pura
noite de um vivo tempo não vivido,


e veste ao sol as árvores desnudas,
crava em nós sua flecha, e uma brancura
de neve cai do céu escurecido.

365 dias com poesia, 13 de novembro de 2013 -- mansidão



mansidão

excelente notícia:
viemos ao mundo para observar a vida vizinha!
não teremos que sentir nossos dramas apenas deveremos vivenciar a lágrima outra
que de vermelha passará a ruga e que nunca será nossa companheira porque estrangeira
alheia areia nos olhos vizinhos estranhos num ninho também estranho
não teremos nem que saber desses dramas urbanos podendo ficar curtindo nosso umbigo quentinho e ainda ligado à nossa imensidão

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- BALADA DO DESESPERO

BALADA DO DESESPERO

Quem quiser ledo viver
saiba-se desesperar.
d. João de Menezes


Se eu desespero é que ledo
quero viver na alegria
seja tarde ou seja cedo
seja de noite ou de dia.
Desespero mais houvera
eu não desesperaria.
Desesperar é querer
pois quem desespera espera
antes que se ponha o dia
de duas águas de beber.
São águas da mesma fonte
paridas no mesmo monte:
a água clara da alegria
e a água salobra da mágoa
que, de amarga, sabe a lágrima.
Desespero mais houvera
e nele me encontraria
pois somente no desespero
é que está minha alegria
como na fonte dormida
dorme uma água emudecida
à espera de ser bebida.
Desespero mais houvera
minha sede mataria
no poço do desespero
que guarda a minha alegria.
Quem espera, desespera.
E mais desespero houvera
mais esperança haveria
de alcançar desesperado
a esperança e a alegria.
Quanto mais noite anoitece
mais claro se torna o dia.
Quanto mais rosa fenece
e mais floresce o jardim.
Que haja desespero em mim
em todo o meu esperar
para que eu possa ser ledo
e viver sem dor ou medo
de saber desesperar.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- CONSELHO A UM VELHO POETA

CONSELHO A UM VELHO POETA

Foto, carta, nota
de jornal, diploma,
a sombra do pássaro
no chão do terraço,
mecha de cabelo?
Não guarde mais nada
que tudo é bagulho,
entulho de aterro.
Também se desfaça
do pronome incômodo,
da chave da porta,
do sol do farol,
do rato eletrônico.
Livre-se ainda
da borra do sonho
que suja o lençol.
Jogue tudo fora.
Tudo é nada e pó,
naufrágio e derrota,
no jogo da vida,
baralçho, baraljo!
comédia de erros,
e vai dissolver-se
após o enterro
qual pedra de gelo
ou gota de orvalho.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- A ILUMINAÇÃO DA TARDE

A ILUMINAÇÃO DA TARDE

A fogueira na tarde.
Silêncio do sol
sobre as madeiras
amontoadas no paiol.
Aura sem alarde.


Brinque com o fogo.
Desrespeite sempre
a regra do jogo.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- O CORAÇÃO PRESUNÇOSO

O CORAÇÃO PRESUNÇOSO

De nada adianta
negar a verdade.
Não temos passagem
para a eternidade.


O mormaço avança
e envolve a cidade.
Tudo é provisório.
Naa é realidade.


Estamos no escuro
como no cinema.
Coração impuro,
qual o teu problema?


Queres ser eterno.
Como és presunçoso!
Além das estrelas
não há nenhum pouso.

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- O DIA INACABADO

O DIA INACABADO

Como todos os homens, sou inacabado
Jamais termino de ser.
Após anoite breve um longo amanhecer
me detém no umbral do dia.
Perco o que ganho no sonho e no desejo
quando a mim mesmo me acrescento.
Toda vez que me somo, subtraio-me,
uma porção levada pelo vento.
Incompleto no dia inacabado,
livre de ser ainda como e quando,
sigo a marcha das plantas e das estrelas.
E o que me falta e sobra é o meu contentamento.

365 dias com poesia, 12 de novembro de 2013 -- tubarões



tubarões

Ergo histórias do nada
Da banana no pé
Empurro a saudade goela abaixo dos desprevenidos leitores
Que riem sem graça da pouca graça pirraça do poeta que como eles é humano e não está fazendo vestibular para santo muitos confundem poesia com orações mas não são! Poemas são válvulas de escape do poeta biscate que se vê numa ilha deserta de solidão e apenas escreve um bilhete e o joga n’água que são páginas sem se importar se será lido ou não apenas toca para frente a esperança de continuar livre dos tubarões

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 11 de novembro de 2013 -- Difícil...



Difícil continuar menino
Num mundo repleto de tanques verdades
Os outros que acreditaram na mentira
De ter de se embrutecer
Suam odores crípticos
Tentando esconder a vergonha que sentem de não sentir
E se afastam sempre do tamanho da brincadeira que inventei para me fazer ouvir

(canções do Milton)

domingo, 10 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 10 de novembro de 2013 -- blue



blue

Preciso da ilusão do azul
Som de um sopro blue
Que é meu por empréstimo
Sério cético fétido
Um azul sendo só eu
Animal
Sou seu senso sonoro
Preciso de tudo que me engane que estou certo
Preciso ver que restou ao menos um inseto voando sobre minha solidão
Sonora e azul Um blues daqueles de chorar
Como lágrimas enchendo um mar de banheira
Algumas besteiras para me distraírem
E irem embora já e trazerem sua sombra azulada já

sábado, 9 de novembro de 2013

365 dias com poesia, 09 de novembro de 2013 -- Pixinguinha e Raul



Pixinguinha e Raul

A Raul de Souza

Onde está o bonde da santa
que me criou para menino passarinho
e que ainda não soube que eu cresci e perdi e reaprendi
a capacidade de criar um barulho chamado música

Onde está o trombone do seu Raul
que planta sons na palma da mão
nos ouvidos então
de uma criança de pança entupida de sonhos
de valsa da valsa mais linda de Pixinguinha
coberta de notas coloridas pelo amor à melodia

Onde está aquela poesia que fiz quando estava feliz
e que dizia que todo dia devo tentar sorrir
apesar de saber a quantidade de mentiras sem ritmo que atiram perto de mim sorrindo