quinta-feira, 31 de maio de 2012

remédio

não é o barulho de fora que atrapalha escrever
é o de dentro
que atrapalha o sofrimento necessário para
escrever
com todas as letras
todas as palavras necessárias
um poema não deve ter aparas
deve dizer tudo o que se propôe a dizer com o mínimo de letras
e o máximo de certezas
imagens exatas de uma mente que falha sempre na transposição do pensamento à ação

rosário

nascida a flor
do remorso
florescerá
com o choro
de seu criador
jardineiro
relapso
que não se importou
em plantar dor

gadges

...não é que não queira mais falar
estou mais quieto
porque cansa querer se comunicar
normalmente culpamos o tempo por não podermos conversar
mas
o tempo é apenas um subterfúgio
para fugir das verdadeiras razões
que tentamos esconder como orelhões de esquina
são azuis e grandes
todos vêem
não queremos conversar porque não temos o quê dizer
preocupados todos com a correria de ganhar dinheiro para viagens, carros,  paragens afrodisíacas e gadges eletrônicos da última geração para quê se não temos com quem falar, olhar, amar...
outro dia perguntei a um amigo para que tanto celular se ele só poderia contar com dois ou três seres humanos se estivesse em perigo?!

Ele me olhou aflito e respondeu: "Por que é bom para...".

terça-feira, 29 de maio de 2012

(H) eras

a poesia caminha todo o dia com as próprias pernas
não precisa dos poetas
dos admiradores ou de quem quer que seja
precisa isso sim
das borboletas do céu do mar
precisa do ar que irá domesticar os odores que a vida exala
e são esses odores a matéria de que trata
(por isso sempre insisto nos cheiros que são extensões de nossos desejos)
a natureza
deseja continuar viva e verde
deseja olhos de ternura sobre suas sedes
precisa da compreensão humana mais do que de livros sobre a compreensão humana
por isso disse que a poesia prescinde dos poetas
porque a poesia é a natureza
que existe dentro e fora de nós
existe por si só
sendo possível ser assassinada
pelas mãos do homem que poderia estar
desejando-a
alimentando-a de esperança
quando escolhesse apenas respeitá-la
inclusive com poesia
ou qualquer outra manifestação artística
que nunca
nunca prescindirá do homem, animal natural,
que soma humanidade e divindade
o que nos preenche de possibilidades
por alguns chamada religiosidade
e nos dá o caminho das pedras, das heras...das eras

segunda-feira, 28 de maio de 2012

sábios

quantas pessoas ousariam tentar?
na raia do absurdo, ouvir o grito úmido do que temos por dentro,
sensação súbita de pertencimento?
e parar de pensar e escrever
escrever escrever
até quase sem limite
(imite)
com apetite dos corajosos ou dos sem padrão
sábios da ocasião?

domingo, 27 de maio de 2012

é poesia

sabem os poetas ao contrário dos astecas
que o ouro não é o princípio da obra de arte
o início se dá com a ideia original

normalmente erros não são em vão e em tudo há uma possibilidade de se fazer arte
especialistas que somos em inventar histórias temos a obrigação social de zelar por elas e pelo idioma pátrio gozo fácil quando a verdade está presente sempre devemos tratá-la com respeito e satisfação sempre esquecendo os nãos e nos prendendo aos sins que são afirmações de nosso pensamento infantil pintura rupreste é um fim (isso já escrevi)

isso tudo é com outras palavras o encantamento que gera o argumento que crescendo acaba em bolo de pensamentos rimados cujo outro nome é poesia

família

sons saltam de poemas
imagens sobram de jardins
coelhos em ponteiros assustam as horas
de crianças levadas
minhocas florescem cardumes
peixes pulam em piscinas
pintos piam
pulgas miam
cães animam um fim de tarde em família

vida simples e fantástica pela vontade de ser feliz

Elvio Romero, ÁGUA FORTE

Preso a madeiros em cruz,
um homem quieto,
sobre os dois paus de uma cruz
e cordas entre os ossos.

E, abaixo, o vento.
Minha terra acaso atada
como um tambor de couro
sobre os dois paus de uma cruz.

Em frente, o vento.

A pátria inteira no chão
sobre os dois paus de uma cruz.

E, em cima, o vento.


Tradução: Thiago de Mello.

Hector Collado, AGORA

Agora,
cansado da idade
e do trajeto;
do dia, cheirando a
derrota,
que se alimenta de
espectros
e negações;
cansado do adeus
dessangrando
mão de mulher
em algum porto
cansado de desviver,
de malversar os dias
outorgados para acumular
filhos
e avós mortos;
aferrado à minha sede de
eternidade,
torno a começar.


Tradução: Thiago de Mello.

quantas

as palavars não têm força
a força está na verdade que exalam
o cheiro da dor da luta com espada
diária
exata
na constância do amor
de todo dia acordar com alguma cor
mesmo que seja dos sonhos
que são vontades inibidas
que são tintas num quadro ainda branco
que são santos
como somos todos quando lutamos
mesmo com as palavras

quantas

sábado, 26 de maio de 2012

calos

duas pétalas de flor caídas no chão
não é amor
amor
é a flor completa
com caule
folhas e espinhos
numa mão
calejada de intenções

o meu peso

meus pés doem
de carregar o peso da vida
melhor dizendo
meu peso e o peso da vida
ou ainda
o peso dos meus sentimentos sobre o peso das perdas adquiridas

de mais

hoje
falar demais
jaz
ninguém quer tempo
(temem o tempo)
tem tempo
caem
de joelhos
sem pensar
cais
com ondas gigantes de incompreensão
(sãos?)
são sem tempero
sem argumentos
são apenas opinião
demais
amam
demais
amar demais
a solidão

holofotes

ouço:
(sem escutar as palavras)
o poeta se acha melhor do que nós...

(nada disso)

sentimos a mesma fome de vida

a poesia é apenas o grito da criança que nos habita
assustada por não entender daonde vem tanta luz
que machuca os olhos acostumados com as sombras das despedidas

Ievguêni Ievtuchenko, A MEU CÃO

Pacientemente, focinho contra a janela,
meu cão espera por alguém.
Acaricio o seu pelo
e também fico à espreita.
Você se lembra ainda, meu cão, desse tempo
em que ao nosso lado viveu, passageira, uma mulher?
Era uma irmã para mim?
Uma esposa para mim?
Por que às vezes me olhava tão inquieta?
Tinha nessas horas o ar de uma menina pedindo socorro.
Ela agora está longe...Você se aquieta.
Nenhuma outra mulher jamais passará por esta porta.
Por mim, tudo está perfeito assim, você e eu juntos.
Só é uma pena que você não beba.


Tradução: Mariana Rawet.

fruto proibido

uso o obscuro como um fruto
seu suco
é essência de vida para as letras que se juntam desprevenidas
seu cheiro
é armadilha certeira para os olhares nada ávidos que são pegos no atalho
seu gosto
descrito para realçar a carícia com as palavras que talvez abra o apetite de mais um desavisado

Poesia, matéria de jornal

(...)

Fazer poesia em tempos tão iluminados, remexer nas sombras quando todos se afogam nas luzes de um presente perpétuo e embriagante, parece ainda mais estranho. Pois a poesia é uma lâmpada que age ao contrário: em vez de lançar luz sobre o obscuro, risca traços de sombra sobre a luz insuportável.



(José Castello, n'O Globo de 26/05/2012).

bares ímpares

o silêncio sóbrio assusta
mentiras etílicas sorriem para mim
o álcool é a oração possível em um coração vazio
o barulho dos bares daqui de baixo confirmam a tese
todos se divertem temendo as horas de voltarem à realidade
da vida em silêncio

(onde escutam o barulho do que têm por dentro)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

perigos

assaltado por uma melodia
pensei em palavras que pudessem adicionar emoção àquela sensação
algumas rimas de nada valem se não tiverem motivação
sempre sopeso o valor do que digo
(principalmente do que escrevo)
para que não gaste emoção
desgaste de razão
de experiências que não adicionam sabor à canção pretendida
é desperdicio de horas, árvores e perigos

cupido?

o amor é uma palavra vista pelo espelho em Roma?
romã, fruta amarga que desata a rima?
corruptela de sentimento em desuso?
paixão disfarçada de uma sensação politicamente correta?
onde está a seta para acertar esse alvo?

POESIA

...onde eu estava?

...enquanto você estava
eu esperava e...

ouvia o tempo e o seu nome
escrevia letras tentando fazer a vida rimar

(onde eu estava?

pensava, cantava, amava esperar...)

enquanto ouvia suas cantigas
coloria carnavais
chovia em hortaliças
sentia o tempo passar cheirando o mar

e as estrelas sempre
para mim brilhavam me ensinando esse dia

(dia de encontrar)

Homero Icaza Sanches, SERENATA

Não disfarces com luzes de tragédia
esses acordes de ternura clara
que em teus gestos fulgura sempre que amas
sem nem pensar nas coisas desta terra.

Não reconhece amor esses valores
que apregoam o número e o pêndulo
e há mais poesia numa flor noturna
que num verso de dom Luís de Góngora.

Vem sem medo. Vivamos como crianças.
Um e um podem ser cinco e por teus olhos
corre um rio coberto de amapolas

Deixa eu te beijar sem nostalgia.
E deixa que eu te queira até que o pranto
brote de tanto amor enamorado.


Tradução: Thiago de Mello.

suspiro

"o silêncio que precede os incêndios"

é o silêncio maturado em desesperos

de momentos intensos, esperados


sincero paladar acre

súbito

único

súdito

fúnebre suspiro de enlace

quinta-feira, 24 de maio de 2012

rouquidão

uma dor de garganta na voz rouca indica uma saudade
a falta de um nariz arrebitado de bondade arde
dentro, fora, em todos os poros
não há palavras para definir um amor
de cinquenta anos de brigas e pequenas discussões
a ausência é uma poeira sem poesia que entope as retinas e impede os olhos negros de chorar um choro fresco com vontade de cantar a dor de amar uma rotina uma neblina hoje me lembrou os anos de Friburgo que ainda não tinha tido vontade de lembrar...
(só lembro para esquecer um pouco o motivo da rouquidão)

calado

urgência
violência do silêncio
que é mágoa
atordoa e mata
aquele que se faz de estátua
aquele que engole
se entope
de palavras
que gostaria de vomitar
mas entuba
se anula
se violenta
para calar
o suspiro que gostaria de rimar

Antonio Cisneros, OS CONQUISTADORES MORTOS

I.

Pela água apareceram
os homens de carne azul,
que arrastavam sua barba
e não dormiam
para conservar o couro.
Negociantes de cruzes
e aguardente
começaram as cidades
com um templo.

II.

Durante este verão de 1526,
derrubou-se a chuva
sobre seus diários deveres e cabeças,
quando nenhum havia remendado
as velhas armaduras oxidadas.
Cresceram, também, negras figueiras
entre bancos e altares.
Nos telhados
uns beija-flores fechavam o bico
das campanas.
Depois, no Peru, ninguém foi dono
de mover seus sapatos pela casa
sem pisar nos mortos
nem deitar-se junto às cadeiras brancas
ou pântanos,
sem compartir o leito com alguns
parentes cancerosos.
Cagados pelas aranhas e escorpiões
poucos sobreviveram a seus cavalos.


Tradução: Thiago de Mello.

Cesar Calvo, PARA ELSA, POUCO ANTES DE PARTIR

(Fragmentos)

Porque escrevo estas linhas não somente com minha
vida
mas com o respiro de todos os fantasmas
que me amaram,
de todos os fantasmas que morreram e renasceram
com o rosto voltado para uma feroz desolação
culpando-me

Porque com culpa escrevo, com o lento rumor
de tuas roupas
caindo na penumbra de Genebra, quando ainda era
tempo
e os relógios ignoravam o perigo, suas agulhas
como o abraço de um náufrago na feliz profundidade,
minha boca perseguindo teu ventre no silêncio
que precede os incêncios
e as almofadas úmidas e os olhos que não verei nunca
mais
girando nos espelhos na noite infinita.

(...)
Já me esquecera de algo tão simples e verdadeiro
como beber um vaso de água, levantar-se na sombra,
dos quartos emprestados, deixar correr o tempo
ainda entre sonhos e logo acordar com a sede de
teu pescoço

Eu me esquecera que a vida também está feita de
todos esses ínfimos, esses heroicos acontecimentos
que se cumprem mal sabendo
entre um corpo desnudo e outro corpo desnudo,
entre o leito do rio e o vaso da boca.
(...)
Me esquecera de escrever simplesmente,
como quem bebe
ou ama, sem que o Olimpo me suba à cabeça.

Me esquecera de que um poema se prepara
com minuciosa alegria
como um presente que já ninguém espera,
e se modela com urgência
e violência, com irrpetível, com irremediável
ternura,
como fazer o amor com uma mulher
que vai morrer amanhã.


Tradução: Thiago de Mello.

Arturo Corcuera, BALADA DA ÚLTIMA OFERENDA

Me nego a que apodreçam estas veias
pelas quais meus pais e outros meus
navegam vindo de tão longe;
não quero um final assim para estes olhos
com os quais vejo e choro;
para estes pés
que bebem fatigados sobre a terra
a sede dos caminhos;
não se volverão carniça nem merenda
de vermes deste cérebro
nem este coração quando fiquem sem irrigação
imóveis;
nasceram meus braços para abraçar. Chegará o dia
de se abraçar; incinerai o que reste
deste corpo.
Não sabe fazer outra coisa senão arder,
Este é o seu destino,
Este será o incenso que oferecerei aos deuses


Tradução: Thiago de Mello.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Carlos Germán Belli, CEPO DE LIMA

Como crista de galo apunhalado
uma vasta, pelanca granulada
excessiva lhe pende da garganta

e na sola das minhas duas plantas
cascões, que não de gesso, mas de carne
como murchos escombros de uma casa.

Mas por que estes cascões, ásperos montes
e tão feia pelanca, mal meu grado
se magro nem curvado velho sou?

E por teu cepo, ai Lima, muito sei
que tanto berço quanto tumba é sempre
para quem nasce, vive e morre aqui.


Tradução: Thiago de Mello.

Cesar Vallejo, CONSIDERANDO A FRIO, IMPARCIALMENTE

Considerando a frio, imparcialmente,
que o homem é triste, tosse e, sem embargo,
se compraz em seu peito avermelhado;
que ele nada mais é do que composto
de dias;
que é lúgubre mamífero e se penteia.

Considerando
que o homem procede suavemente ao trabalho
e repercute se é chefe, sua se subordinado,
que o diagrama do tempo --
é constante diorama em suas medalhas
e, mal se abriram, seus olhos estudaram
desde tempos remotos, sua forma famélica de massa.

Compreendo sem esforço
que o homem de repente fica pensativo,
como querendo chorar,
e, sujeito a se estender como objeto,
se faz bom carpinteiro, sua , mata
e logo canta, almoça e se abotoa...

Considerando também
que o homem na verdade é um animal
e, não obstante, quando se vira, me dá com sua
tristeza em pleno rosto...

Examinando, enfim,
suas peças que se encontram, sua latrina,
sua desesperação, ao fim do dia atroz, apagando-o...

Compreendo
que ele sabe que o amo,
que o odeio com afeto e que é, em suma, um
semelhante...

Considerando seus documentos gerais
e olhando com lente aquele certificado
que prova, que nasceu bem pequenino...
faço-lhe um sinal,
ele vem,
e lhe dou um abraço emocionado.
Que importa! Emocionado...Emocionado...


Tradução: Thiago de Mello.

os frutos

numa natureza-morta
os frutos
carregam a impressão de terem
deixado para trás
a chuva, que os alimentou
a aurora, que os despertou
as cores, que esmaeceram
os odores dos sabores, que se perderam

casa poética

na casa de um poeta
tudo tem vida
a maçaneta
traz impressa o reflexo da despedida
a porta
uma árvore morta
na janela
um retrato da paisagem preferida

hit

eu já sou saudade
como me livrar de mim assim tão fácil?
quem não quer me ver sofrer feche os olhos e conte até três
prometo desaparecer
desculpe a sinceridade
não estou aqui para escrever sobre o novo hit do verão
sou saudade e sofro o valor das recordações, vivendo

peso-pedra

saudade
palavra
com o peso da pedra
das perdas
que são só
nossas
ninguém sentirá igual
apesar de todos sabermos como dói
dói mói corrói
por dentro somos um fiapo de gente
o tempo parece nos espremer contra uma parede que sempre está por perto
mesmo no lugar mais deserto
estamos sufocados pelo medo de não voltar a lembrar
(pelo medo de esquecermos quem fomos)

dor-de-cotovelo

na criança
a espontaneidade é característica
tudo pode ser dito sem o temor da vingança alheia
na juventude
a ingenuidade arde
podemos tudo porque o mundo é nosso
na experiência
aprendemos a calar e a desconfiar dos tapinhas nas costas
que podem indicar uma baita dor-de-cotovelo
mais conhecida como inveja

terça-feira, 22 de maio de 2012

o véu

onde há erros
há histórias de vida
não se trata de pinceladas cinzas
são alegrias coloridas
de uma estrada florida mas com pedras e limo
histórias de um rico destino menino
com o sorriso de quem tentou o tempo inteiro entender a sofrida lágrima escorrida
de olhos outros que não os seus e por isso descobriu o véu da hipocrisia

pés chatos

minhas pegadas
são as marcas que pretendo deixar
os pés são chatos e não podem gravar curvas
são marcas retas de um pé reto de direção direta
sem histórias de mímicas
histórias de uma vida real cheia de idiossincrasias
típicas de um ser humano que passou a se enxergar

natureza-morta

as naturezas-mortas de Cézanne
reforçam
sua vida interior,
sua luta interior pelas cores da infância
que o progresso tentava apagar
os vultos da correria desenfreada
(atualidade da arte, da vida)
ainda são verdades a serem combatidas
pelo paciente ritmo do sorriso infantil de outrora

controle remoto

numa sociedade em que agradar é ter mais tempo e tempo é dinheiro
todos pretendemos agradar
agradar para durar um pouco mais do que os quinze minutos (segundos?) usuais
o coitado que quer mostrar quem é sem essa preocupação
é louco varrido
ou melhor
é doido e será varrido de qualquer mínima possibilidade de aparecer na mídia que não se interessa em mostrar nada que contenha uma sombra de autenticidade
ser diferente ser um ser pensante
é para poucos e esses já controlam nosso controle remoto

progresso

por que algumas sementes germinam e outras não?
falta de sol, água, nutrientes?
ou excesso?
não saber é não ter virado árvore?
saber responder é ter a possibilidade de dar sombra?

alguns ideias nascem dos meus pensamentos mas não sei se darão frutos

não sei se quero ficar parado esperando o progresso chegar

(para me derrubar)

mico leão dourado

todos querem o sucesso e para tanto vão deixando de lado os defeitos
que nos particularizam
são eles os verdadeiros achados de um artista
não quero ser comparado com outros macacos e por isso não fico pulando de galho em galho
faço minhas miquices no palco que são próprias e por elas respondo com a tranquilidade de um mico leão dourado
que já nasceu coroado

Set List do show do dia 01/06

(Introdução)

1 – Desafios;

2 – Encantadas;

3 – O Alvo;

4 – Quase Sem Querer;

5 – Minas;

6 – Pedra;

7 – Don’t Stop Dancing;

8 -- Contra;

9 – Complexa Vazão;

10 – Sweet Sina;

11 -- Brigas;

12 – Crazy;

13 -- Jaques Som;

INTERVALO

14 – Little Wing;

15 – Constelação;

16 – Sim;

17 -- À Cecília;

18 – Anunciação;

19 – Cegos;

20 – Versos;

21 -- Inútil;

22 – Truques;

23 – Dias de Luta;

24 – Papai me empresta o carro;

25 -- A Saudade/ Blues do Medo.

Bis: Ainda é Cedo/Minha Alma (nova).

tesouro

um talento
é dom de berço
presente bissexto
sexto sentido
intuição
o talento deveria ser tratado como uma benção
que deveria por obrigação ser compartilhada
como a ilusão de um mapa pirata

filisteus

a criatividade é uma flor
sua semente
precisa de paciência, tempo e água
críticas matam o sabor da fruta que não nasceu
sempre somos filisteus quando não damos tempo ao tempo
quando não percebemos
aquilo que o outro tem de típico e frustamos sua imaginação
criticando o que não entendemos
tratamos como defeito
uma característica
da natureza

segunda-feira, 21 de maio de 2012

tempo de vendedor

o tempo dos vendedores
é o tempo que aprendemos a dividir com todos os outros mortais
aquele tempo entre a dúvida e a compra é o que chamo de tempo dos vendedores
tempo que temos alguma atenção
os médicos acabaram aprendendo isso e nos contaminaram com esse vírus da pouca atenção
não nos damos conta mas é esse mísero tempo que emprestamos à todos os que convivem conosco
um tempo de desgosto pela falta de dedicação ao outro

certeza

quando jovens a vida apresenta várias certezas
iremos estudar, nos formar, casar, enfilhar, viajar, cavalgar...
quando um pouco mais experientes a vida apresenta várias incertezas
e
apenas
uma certeza

domingo, 20 de maio de 2012

peixe voador

vamos brincar de sonhar?

quero voar
para do alto avistar verdes de todas as tonalidades
cada verde de uma matiz diferente
palheta de gente pequenina longe das nuvens
longe do azul do céu que dá o azul do mar
que está lá embaixo também
e que me dá uma leveza tamanha
que me dá uma liberdade de onda
que (me) dá uma possibilidade do peixe acreditar e voar

tribo

o cheiro do brilho do arco-íris é o que importa nada deve ser verdadeiramente sério a vida já traz tanto mistério que podemos adicionar um pouco de tequila à nossa rotina disso escapa um brilho no olhar que será facilmente identificado por quem sabe identificar a felicidade alheia e que irá se aproximar por aquele sentimento mais bonito aquele sentimento de tribo

grande e dourado

...ao alcance das mãos?!...
devemos providenciar sonhos ao alcance das mãos?!
seriam doces de padaria então?
seriam sãos?
seriam como imãs de mesmo polos para rechaçar nossas rotinas?

devemos sonhar grande e dourado, ponto.
(o tombo será apenas um aprendizado)

sábado, 19 de maio de 2012

Marco Plácido Brasileiro

Marco Plácido Brasileiro
Marco sou desde o nascimento
Plácido nunca fui, sou apressado, alegre e falante
nunca serei calmo apesar da rima com alma ser necessária
não é absolutamente verdadeira
sou um cara intenso mas nunca terei calma
Brasileiro, sim brasileiro
porque com o padrão tupiniquim
médio de estatura, de cultura, de sabedoria
mas
intenso, alegre, meio marrento
centrado no centro, flamenguista ferrenho
apreciador das belas paisagens cariocas
fora da oca
índio com pretensão
falo palavrão
gosto da boa culinária portuguesa
doces, salgados
de tudo que fica em cima da mesa e abaixo do Equador
música brasileira
poesia chilena
baianidade expressa na preguiça atávica
mas
que não me atrapalha pelo amor
que tenho à minha família e aos meus amigos
todos cantados, rimados e muito bem resolvidos
na necessidade ímpar
de viver com paixão!

sexta-feira, 18 de maio de 2012

pero e pêra

lá fora chove a chuva dos desesperados
aqui dentro chove a chuva da espera
irritada espera
pero quero muito me desesperar
comer a pêra da paciência
me inibe
me apazigua tanto
que posso parar de querer falar
de tudo que me sensibiliza
sendo assim gosto do gosto de terra molhada que a chuva me dá
gosto dos desgostos
pois com eles
nunca pararei de rimar

Manuel Del Cabral, POESIA e ÁGUA

POESIA

"Não conheço melhor definição da poesia
do que este poema de cabral". (Paul Eluard).


Água tão pura que quase
não se vê no copo d'água.
Do outro lado fica o mundo.
Deste lado, quase nada...
Uma água pura, tão limpa,
que para olhar dá trabalho.


ÁGUA

A dor rio, como é branda!
porém como é dura esta:
a que cai das pálpebras
é uma água que pensa!


Tradução: Thiago de Mello.

Jorge Arbeleche, A CHUVA

A chuva é uma coisa
que sem dúvida sucede no passado (J.L.Borges).


A chuva molha a cara das coisas
resvala pelo lombo da sombra e
e se esvanece na umidade cerrada da aurora.

A chuva abranda os perfis
Confunde os contornos abre
a entrada e cobre as saídas

Atrás há outra chuva
e depois da bruma
chove névoa.

Os sonhos se desfibram debaixo da fronte
enquanto um homem sonha
com outro
que foi
ou talvez tenha sido
ou acaso fosse
quando se desate o nó final da chuva.


Tradução: Thiago de Mello.

Mario Benedetti, VERBIGRACIA

A palavra, paloma insubmissa,
debaixo da asa do corvo se esconde
e mesmo assim se eleva e chega até onde
sequer a sombra de Deus se divisa.

A palavra, que o homem improvisa,
e o silêncio, seu pálido servo,
na distância se extraviam -- o corvo
fica sozinho, sem deus nem paloma,
e seu voo de séculos assombra,
verbigracia pela raça do verbo.


Tradução: Thiago de Mello.

Idea Vilariño, O QUE FOI A VIDA

O que foi a vida
que
que apodrecida macã
que sobra
que
resíduo.

Se era uma rosa
se era
uma nuvem dourada
e devem florescer
leve
pelo ar.

Se era uma rosa
se era
uma chama feliz
se era qualquer coisa
que não pese
não doa
que se compraza em ser
qualquer coisa
qualquer
que seja fácil
fácil.

Não pôde consistir em corredores
em madrugadas sórdidas,
em asco
em tarefas sem luz
em rotinas
em prazos.
Não pôde ser
Não pôde.

Não isso
o que foi
o que é
o ar sujo da rua
o inverno
as faltas várias as
misérias
o cansaço
num mundo deserto.


Tradução: Thiago de Mello.

Fernando Pereda, SUCESSOS REAIS

A José Bergamim


Essa hora que não sabemos
pode chegar a desoras,
e de uma aurora a outra aurora
chegar quando não sabemos.

Quando a alma já nem suspira
para saber se está ouvindo
notícias que vêm da cinza.

Cantar e ressuscitar?
Quem cantando assim esquecera
passos de sua caveira!
Não basta ressuscitar.

Não basta. Cuidado, amor:
porque essas cores finais
não parecem naturais.
E entre contigo, entre amor,
minutos inventaremos
se nem a hora sabemos.

Se coberta ou descoberta
pode ela chegar mais cedo,
diz adeus com tua mão
o fogo desperta,
como estar queimando alerta?
que de uma aurora a outra aurora
pode chegar a desoras.


tradução: Thiago de Mello.

Juana de Ibarbourou, TE DOU MINHA ALMA

Te dou minha alma desnuda
como estátua à qual nenhum manto escuda,
Desnuda como o puro impudor
De um fruto, de uma estrela, de uma flor.

De todas essas coisas que têm a infinita
Serenidade de Eva antes de ser maldita.

De todas essas coisas,
frutos, astros, rosas.

Que não sentem vergonha do sexo sem folhagem
A quem ninguém ousara fabricar roupagens.

E sem véus, como o corpo de uma deusa serena,
Que tivera uma intensa brancura de açucena,

Desnuda e toda aberta de par em par
Pela ânsia de amar.


Tradução: Thiago de Mello.

raio de sol

quanto mais nos afastamos da natureza
por falta de humildade
ou pela certeza de que ela nos ferirá
mais nos ferimos mentalmente e menos divinos passamos a viver, comer, falar

deveríamos plantar uma ideia diferente todo dia e raiar como sol na nossa vida

naturezamente

penso
humanamente
suo
humanamente
escarro
humanamente
fedo
humanamente
e
tento
humanamente...

por que não posso ter nenhum ato naturezamente?

serras elétricas

é divino
sentir nossa natureza humana se manifestando
tanto
suo tanto
xingo tanto
falo tanto
e no entanto
não sou compreendido
talvez seja o barulho das serras elétricas que trazemos como preconceitos

natural

os tecnológicos
lógico
não gostam da natureza

ela nos dá nossa dimensão humana
e por estranho que pareça
nos dá a noção de divindade

a natureza é um ser não
humano que somos nós
também
e isso nos assusta e nos afasta de nós porque somos a delicadeza humana do divino que há na natureza

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Amado Nervo, EN PAZ (cólofon do livro POETAS DA AMÉRICA DE CANTO CASTELHANO, de Thiago de Mello)

Muy cerca de mi ocaso, yo te bendigo, Vida,
Porque nunca me diste ni esperanza fallida
Ni trabajos injustos, ni pena inmerecida.

Porque veo al final de mi rudo camino
Que yo fui el arquitecto de mi proprio destino:
Que si extraje las mieles o la hiel de las cosas
Fue porque en ellas puse hiel o mieles sabrosas;
cuando planté rosales, coseché siempre rosas

Cierto, a mis lozanías va a seguir el invierno,
Pero tú no me dijiste que mayo fuese eterno.
Hllé sin duda largas las noches de mis penas.
Mas no me prometiste solo noches buenas
Y en cambio tuve algunas santamente serenas...

Amé, fui amado, el sol acarició mi faz.
Vida, nada me debes! Vida, estamos en paz!

Eugenio Montejo, AS ÁRVORES

Falam pouco as árvores, se sabe.
Levam a vida inteira meditando
e movendo os seus ramos. basta vê-las no outono,
quando se juntam nos parques
só conversam as mais velhas,
as que repartem as nuvens e os pássaros,
mas a voz delas se perde entre as folhas
e muito pouco nos chega, quase nada.

Como é difícil encher um breve livro
com pensamentos de árvores.
Tudo nelas é vago, fragmentário.
hoje, por exemplo, ao ouvir o grito
de um tordo negro, já a caminho de casa,
grito final de quem não aguarda outro verão,
compreendi que em sua voz faltava uma árvore,
uma de tantas,
mas não sei o que fazer com esse grito,
nem sei como anotá-lo


Tradução: Thiago de Mello.

Gabriela Mistral, A CHUVA LENTA

Esta água medrosa e triste
como criança que padece,
antes de tocar a terra
desfalece


Quieta a árvore, quieto o vento
e no silêncio estupendo
este fino pranto amargo
caindo.


O céu parece imenso
Coração, que se abre amargo.
Não chove: é um sangue lento
E longo.


E dentro do lar os homens
Não sentem esta amargura,
Este envio de água triste
da altura.


Este longo e fatigante
Descender de águas vencidas,
Para esta terra tendida
E transida.


Chove...e como chacal trágico
A noite espreita na serra.
O que vai surgir na sombra,
Desta terra?


Dormireis, quando lá fora
Cai, sofrendo, esta água inerte.
Esta água letal, irmã
Da morte.


Tradução: Thiago de Mello.

Nicomedes Suáres-Araúz, PÃO DE MENTIRA

Amorna-se o leite
e põe mais açucar,
em vez de passas se deitam
algumas lendas de riquezas.


Deixa-se esfriar a levedura
em água morna,
e se põe mais leite
e metade da farinha
do sonho interminável
dos camponeses,
até que a massa fique macia.


Aumenta-se a mantega derretida
para que a massa fique consistente.
depois se tampa
e se deixa descansar por quatro séculos.


Coloca-se no forno ardente
do trópico
deixando que se asse até que seque.

Come-se um pouquinho cada dia
com o espesso chocolate da noite.


Tradução: Thiago de Mello.






Oscar Cerruto, CANTAR

Mniha pátria tem montanhas,
Não mar.


Ondas de trigo e trigais,
Não mar.


Espuma azul dos pinhais,
Não mar.


O céu esmalte fundido,
Não mar


Tradução: Thiago de Mello.

Gregorio Reynolds, A LHAMA

Inalterável, pela terra avara
do altiplano, ostenta a formosura
de seu passo indolente e sua postura,
a sóbria companheira do aimará.
   Parece, quando lânguida ela para
   e contempla a aridez dessa planura
   que em suas grandes pupilas a amargura
   da desolada terra se estancara.
Ou erguida a cerviz ao sol que desce
e de joelhos, ouvindo o miserere
pavoroso do vento pela puna,
   ela espera que do altar da neve
   o sacerdote imaterial eleve
   o esplendor eucarístico da lua.

travesseiro

Rapaziada
a idade só traz o peso das pedras
que são perdas
morrem os sonhos, os tios, os pais
e nossa ingenuidade
mas
é assim
não é de outro jeito
sempre me pergunto como continuo escrevendo
mais fácil não fazer e jogar a culpa no tempo no vento em qualquer relacionamento fraudulento
e seguir fingindo não estar sentindo falta daquele jeito que era nosso
único que poderá nos ninar no escuro do quarto contra nossos remorsos
não desanimem por isso
o sacrifício é tentar amadurar
para passar a valorizar o cheiro das pequenas coisas ao alcance de nossas mãos

bigode 2

...quero ficar feio mesmo por que ficar bonito num mundo desse jeito?
em que as pessoas não se respeitam
se matam, inclusive, se matam e matam a mata a pata a macaca
(matam tudo o que tem por dentro por dinheiro)
por que razão gostaria de ser cidadão de um mundo em que todos os dias todos se ajoelham e juntam as mãos para rezar e logo na segunda respiração se levantam e as separam para matar, roubar, mendigar?

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Juan Gelman, poema

Fui feito pelos homens que andam debaixo do céu do mundo
procuram o brilho da madrugada
cuidam da vida como um fogo.

Ensinaram-me a defender a luz que canta comovida
trouxeram-me uma esperança de que não basta sonhar,
e por essa esperança conheço a meus irmãos.

Então acho graça contemplando meu sobrenome, meu rosto no espelho
sei que não me pertencem
neles vocês atam um lenço
estendem a mão graças à qual não estou só.

Em vocês minha morte termina de morrer.
Anos futuros que temos prpeparado
conservando minha doce crença na ternura
a assembleia do mundo será uma criança reunida.


Tradução: Thiago de Mello.

loucos ou de circo

são irmãos de infortúnio
ou
da fortuna de sofrer com os sentimentos todos de um mundo mais para tolo
historiadores de histórias pequenas e às vezes mal inventadas na angústia discreta de palavras acomodadas
conhecidas como vizinhos sem nome
lenhadores dos caules de árvores que ainda são sementes e talvez nunca produzam sombra
simbolos redondos de vidas sem forma forma nas mãos tortas de meninos escritores que sofrem do mal de amar a humanidade seja ela divina ou covarde homens que preferem se arriscar ao novo aperto de mão sem saber se do outro lado haverá um poeta, um ditador, um anão pelo simples prazer de poder conversar fingimos não ser estranhos fingimos sentir o cheiro do mar que está longe de nossas retinas encobertas pela incompreensão sorrisos palhaços nos tratam como se estivéssemos loucos ou de circo esquecendo do ditado que diz que os loucos são homens de coração puro como um dia todos fomos quando ainda não tínhamos a idade de adultos

Miguel Hernández, em quarteto de soneto, sobre Raúl González Tuñón:

"Raul, si el cielo azul se constelara
sobre sus cinco cielos de raúles
a la revolución sus cinco azules
como cinco banderas entregara."

Raúl González Tuñón, A LENDA NEGRA ENTERRADA SOB O VIADUTO MORTO

A Federico García Lorca


Funeral de madeiras carcomidas
Lua, municipal luz solitária,
E vasos de esquecidos não-me-esqueças,
E estátua florescida e palavrão.
Molesta, anão, criança e caveira
Santería, final, violento céu,
Dores de pedras, pranto de bonecas
E degolado sexo e podridão,
Gárgulas e tracoma e lodaçais
E intrusa luz fendida, luz madrasta.

Tudo que ver e que viver e tudo
Morto e vivo, já sangraram os espelhos
E rugem as colunas malferidas
Já uivam marquesinas e veludos
E chegam as Infantas enterradas
E abndonam seus óleos os senhores
Vagarosos mordomos sem cabeça
Iluminam relevos, corredores.

Um pó que arde de aranhas e ratões,
E despertos os círios e apagados,
E rios de silêncio, dos que rompem
Diques de solidão e tão calados.
E dentro de uma merenda de fantasmas
Lá fora uma mulher levando um peixe
E um menino empinando um papagaio.
E a aurora de açucena, e fuzilado.


Tradução: Thiago de Mello.

Thiago de Mello sobre Borges:

"Borges não existe: é uma invenção dele próprio".

Jorge Luis Borges, O OUTRO TIGRE

Penso num tigre. A penumbra exalta
a vasta Biblioteca laboriosa
e parece afastar suas estantes;
forte, inocente, ensanguentado e novo,
ele irá por sua selva e sua manhã
e deixará seu rastro na lodosa
margem de um rio cujo nome ignora
(seu mundo não tem nomes nem passado,
nem há futuro, só um instante certo).
E vencerá as bárbaras distâncias,
farejará no enleado labirinto
dos aromas o aroma da alvorada
e o aroma deleitável do veado.

Entre as riscas do bambu decifro
suas riscas e pressinto a ossatura
sob essa pele esplêndida que vibra.
Inúteis interpõem-se os convexos
mares e os desertos do planeta;
desta morada de um remoto porto
da América do Sul, te sigo e te sonho,
oh, tigre das ribeiras do rio Ganges.
Corre a tarde em minha alma e eu pondero
que o tigre vocativo de meu verso
é um tigre de símbolos e sombras,
uma série de tropos literários
e de memórias da enciclopédia,
não o tigre fatal, joia nefasta
que, sob o sol ou a diversa lua,
vai cumprindo em Sumatra ou em bengala
sua rotina de amor, de ócio e de morte.
A esse tigre dos símbolos opus
o verdadeiro, o que tem sangue quente,
o que dizima a tribo dos búfalos
e hoje, 3 de agosto de 59,
estende sobre o prado uma pausada
sombra, mas só o fato de nomeá-lo
e de conjecturar sua circunstância
torna-o ficção da arte e não criatura
animada das que andam pela terra.

Procuraremos um terceiro tigre.
Como os outros, também será uma forma
de meu sonho, um sistema de palavras
humanas, não o tigre vertebrado
que, para além dessas mitologias,
pisa a terra. Bem o sei, mas algo
me impõe essa aventura indefinida,
insensata e antiga, e persevero
em procurar pelo tempo da tarde
o outro tigre, o que não está no verso.


Leopoldo Lugones, pensamento

Em Lunario sentimental (1909): A linguagem é um conjunto de imagens, e cada vocábulo, para quem sabe ver, encerra uma metáfora; de maneira que achar imagens novas e formosas, expressadas com clareza e concisão, é enriquecer o idioma, e ao mesmo tempo renová-lo. Os encarregados dessa obra, tão honrosa, pelo menos como a de cuidar bem dos gados ou administrar a renda pública, já que se trata de uma função social -- são os poetas. O idioma é um bem social, e até mesmo o elemento mais sólido das nacionalidades.

Leopoldo Lugones, TENTAÇÃO

Calou-se o mar enfim, eis aqui tudo:
Num prolongado suspiro violeta.
De amor se extenuava a tarde quieta
Com a decrepitude do veludo.

Deus calava também; uma secreta
Inquietação surgia do teu passo;
A palidez esplêndida do Ocaso
Te recolhia a lânguida silhueta.

O campo em cujo trevo já maduro
A semente vibrou como uma esposa,
Contemplava com um êxtase impuro

Tua meia negra; e uma silenciosa
Andorinha cruzava o espaço rosa,
Com um pequeno pensamento escuro.


Tradução: Thiago de Mello.

...ERRO!

o céu seca as plantas
sem chuva as expectativas vão embora não haverá no amanhã frutos que nos salvem da fome atávica não haverá frutos que sustentem homens primatas na ânsia descabida por sexo regras e roque..ERRO!

plantação

...sim
SOMOS NATUREZA!
e por isso deveríamos saber chorar
com o voo da lagarta
com o som de uma flor rompendo o asfalto
sim
SOMOS PÁSSAROS!
e portanto deveríamos cantar mil músicas sobre o voar
ensinar a quem teme
o destemor da flor de ilha
sim
SOMOS FILHOS E FILHAS!
e por isso deveríamos amar nossos pais país céus anis e os sins
mais do que os nãos
sim
SOMOS UMA PLANTAÇÃO!
de ideias ideais e tins e bens...
sim
SOMOS OS TAIS!
 e por isso podemos escolher entre salvar ou acabar com a natureza!

sem estrelas

poucos sofrem
como os loucos
o mal do amor
amar acima de todas as coisas
abaixo do equador a cor do mar
e amando vivemos e vivendo sofremos o cheiro da dor da incompreensão enquanto correm atrás do destino os meninos não têm tempo para sentir o amor que é sublime e divertido é instinto que abdicamos e passamos a desconhecer como o gosto de terra molhada como o cheiro de chuva como palavras educadas desconhecemos tudo fizemos questão de chegar a esse ponto em que não nos vemos natureza e portanto matamos todas as sementes que poderiam nos dar sombra

belo futuro de céu sem estrelas e sem sombra

LOUCOS!

o sentimento do mundo
sofre
por perceber que não há espaço para o amor
todos corremos
de nossos desejos
internando-os
internando-nos
internando loucos
(que somos)
sem nenhum perdão
esquecemos de quem somos e em quatro paredes nos medicamos
impunemente nos largamos de pijamas ou às vezes nus e nos deixamos à deriva...

desejando não sentir para não sofrer sofremos do mal de não desejar sentir a sensação de ter de viver

domingo, 13 de maio de 2012

temor

...não é o relato sobre a flor
não é o retrato da flor
não é o reflexo num vidro ou a pintura da flor

poesia
é a essência da flor guardada dentro de nós
na memória
e como tememos nossa memória
a poesia
mesmo sendo a flor
provoca temor

poeta-pai

aqueles cílios distraídos
olhando um jogo de vídeo game
quando me olham são o mundo real
transformando um sentimento em palavras
são águas de rios se juntando e num oceano transbordando em letras
são certeza
são força vital
que um poema necessita para existir
porque nutrido pelo poeta-pai

cartaz

hoje sento
sem receio
sem ansiedade
apenas para escrever
num pequeno poema
uma parte da verdade
porque não cabe explicar tudo
até porque ainda estou vivo
e mudo só concentrado na escrita
hirta
fixa
em mim
fixo
em mim
signos
de quem fui e de quem quero ser
sofro por saber do sofrimento do processo
e é certo que quem quer o sucesso imediato corre o risco de escrever
para agradar e não escrever o que tem de ser escrito
e fixo
(num cartaz interno)

primeira semente

a árvore não balança porque é madura
a árvore balança pela fruta
pelo fruto que deu origem
que contará uma história no sabor agridoce
que nos enlevará
nos fará sonhar com outros sabores
de outros frutos
que necessitarão de novas árvores novas histórias
novos adubos
em novos mundos com novas mãos

mas não esqueçamos da primeira semente
que nos explica quem somos

(que somos nós sendo gente)

sopro de vida


A Manoel de Barros


...fora do voo da asa...

são palavras
que gostaria de escrever...

o instante da falta
a carência do cheiro
a saudade do calor dos dedos
na nuca
uma palavra curta
(quiça culta)
um colo que se foi
um coice na ilusão
um forte sabor de solidão
mãe
uma nuvem no verão
um olhar na escuridão

...um sopro de vida...

sábado, 12 de maio de 2012

Markito

queria não poder precisar escrever
queria falar beijar e até brigar
agarrar suas mãos
e gritar te amar

não posso esse momento já passou
e aqui estou tentando colocar lugar
em palavras vazias

seu sorriso me ficou
e sempre me avisa que não preciso ter medo
lembro com sossego das suas palavras
de amor e compreensão
lembro tanto de tudo que fico surdo quando me dizem que não conseguirei...

ninguém sabe por quê não ouço
ouso tentar
pelas lembranças
de suas mãos santas
batendo nas minhas costas e dizendo
"Markito, não tema nada, o seu momento chegará..."

MÃE

A Bertinha

sinônimo de amor
divide a dor
faz nascer a flor
alimenta o instante de incerteza
com sua presença
é linda mesmo quando briga
é um circo que nos cerca de felicidade
pela simples menção de um sorriso
mesmo de longe segue seguindo
nossos passos que aprendemos com ela
donzela que combate os dragões da incompreensão
menina linda com a idade da árvore
que nos oferece o fruto de seu saber
(sabor do amor de amar sem cobranças)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

outra verdade

não é importante ser poeta
na vida importante é se acostumar a escutar
o outro que espera se alimentar de algo que não sabemos o nome
pode ser um prato de arroz e feijão
pode ser uma simples atenção
pode ser uma lição de vida
um direcionar o olhar na direção
em que aquela outra pessoa sentirá
a vontade do poeta de ajudar de alguma maneira
com uma letra
com uma sentença
com um princípio
com um simples início de amizade

às vezes é mais importante parar de correr e observar a outra verdade

DO IT!

...blábláblá...
não queria dizer nada disso
queria mostrar à rapaziada mais nova
que o tempo é relativo
que devemos fazer as coisas sem sofreguidão
mas devemos fazer
não ficar esperando
ou
olhando os ponteiros do relógio
achando que uma hora a coisa melhorará
e os planos poderão não mais esperar

DO IT!

meninos de cinco

o tempo é relativo
(isso o poeta cientista já disse)
mas precisava ser tão rápido?!
outro dia Vinícius era um menino de cinco
depois foi Victor
e agora é Thiago
como é isso?
(diz sempre meu amigo Pereira)
como não sentimos o tempo passar?
se não concluirmos um mínimo que seja de desejos
daqui a pouco a brincadeira acaba e com quem iremos reclamar?

gargalhada

palavras podem falar sobre solidão
mas
não devem ser solidão
podem falar do mar
mas não devem ser salgadas
podem ser engraçadas
mas
não devem procurar a gargalhada

olhares gêmeos

palavras só servem quando expressam
nascem mortas quando são usadas com solidão
vieram ao mundo para se juntarem e formarem uma sentença de vida
simples direta mas intensa
daquele jeito de olhares gêmeos

mãe

não preciso lembrar de quem está em mim

depois de amanhã fará um ano

que passou lentamente

esqueci do seu cheiro

é verdade

mas meu sorriso, seu sorriso

minha alegria, sua alegria

grita em mim

e graças a Deus

(mais como retórica)

isso nunca perderei

a vida

é engraçada

alguns até acham (a) graça

nos pegamos rindo

depois de perdas que mesmo sabendo nunca esperamos

pedras no caminho nos transformam em ex-meninos

mas seguimos sempre seguimos meio na apneia

sem tempo para pensar no que nos qualifica como seres humanos

suamos choramos e entra ano sai ano continuamos desejando o que não tem valor e deixando de aproveitar o que não voltará

engano deveria ser nosso sobrenome

mas mesmo assim

continuo tentando te (me) amar



Niterói, em 08/05/2012.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

apenas amor

distribuí tristeza em vários poemas
nada como a verdade para emocionar
as palavras têm força
e as letras quando se gostam viram uma sentença que acaba sendo um texto com um contexto universal
prendendo o leitor e na primeira rima com ritmo está nascido o bebê poema
lindo de uma relação transcendental entre espaço, orações e crença
um poema-religião cujo Deus-poeta é apenas amor

linguiças

nessa afobação da vida moderna
eu sei
é difícil respirar
parar para pensar em algo que não seja tempo é dinheito
máxima maior de um regime que só nos engorda
seja por ansiedade medo desespero de cairmos no olho da rua sozinhos
sim
é simples assim
alguns com a idade passam a enxergar ou a se lembrar de quem ainda está lá escondido na alma
sei lá o nome que se dá ao lugar em que temos nossa eletricidade estática
(estática?)
mas só sei
que acaba sendo simples e difícil ao mesmo tempo
em que queremos ser
aprendemos a ter
nos comerciais de televisão
falsa ilusão de uma vida
embutida
em que poderíamos ser porcos mas escolhemos ser linguiças

s a u d a d e

descobri o tamanho da saudade...

(ela é grande como o tamanho do amor que sinto)

...palavras também jazem...

com meu irmão foi uma mistura de susto e perda da ilusão

com minha mãe foi, com todas as letras e todos os espaços

um vácuo de emoção

terça-feira, 8 de maio de 2012

cansaço

diferente de descobrir cedo e ir crescendo
na mistura de tempo e talento
comecei mais tarde
quando já tinha noção
de quem eu era e do que queria
isso acredito
faz toda a diferença
pois não desperdiço força em direção errada
vou sempre seguindo
dentro do possível
reto
evitando o desgaste das curvas e
o que é pior
da possível desistência por cansaço

quase

difícil
hoje em dia
descobrir um olhar amigo
que não julgue
que não se culpe pelo sucesso alheio
difícil fingir estar alheio
para que essa maldade não se incorpore ao texto
(que é vida escrita)
difícil estar alheio
difícil viver sem freio
para o próprio talento
difícil a vida sempre foi só não me contaram que era quase impossível

estilo

sentimentos externos?
eternos?
sinceros?
modernos?

não existem sentimentos que não sejam
externos eternos sinceros modernos
sentimentos
são nossa alma combinando com o sorriso
um signo
um significado de estilo

sagradas

certas palavras são sagradas
como
amor saudade compaixão
algumas palavras
nos dizem mais
do que muitos livros
de significados explícitos

Murilo Mendes -- DESPEDIDA DE ORFEU

É hora de vos deixar, marcos da terra,
Formas vãs do mudável pensamento,
Formas organizadas pelo sonho:
Cantando, vossa finalidade apontei.
É hora de vos deixar, poderes do mundo,
Magnólias da manhã, solene túnica das árvores,
Montanhas de lonjura e peso eterno,
Pássaros dissonantes, castigado sexo,
Terreno vago das estrelas;
Jovem morta que me deste a vida,
Proas de galeras do céu, demônios lúcidos,
Longo silêncio de losangos frios,
Pedras de rigor, penumbras d1água,
Deuses de inesgotável sentido,
Bacantes que destruís o que vos dei;
É hora de vos deixar, suaves afetos,
Magia dos companheiros perenes,
Subterrâneos do clavicórdio, veludações do clarinete,
E vós, forças da terra vindas,
Admiráveis feras de cetim e coxas;
Claro riso de amoras, odor de papoulas cinerárias,
Arquiteturas do mal, poços de angústia,
Modulações da nuvem, inúmeras matérias
pela beleza crismadas:
Cantando, vossa finalidade mostrei.
É hora de vos deixar, sombra de Eurícdice,
- Constelação frouxa da minha insônia -,
Lira que aplacastes o uivo do inferno,
É hora de vos deixar, golfo de lua,
Orquestração da terra, álcoois do mundo,
Morte, longo texto de mil metáforas
Que se lê pelo direito e pelo avesso,
Minha morte, casulo que desde o princípio habito;
É hora de explodir, largar o molde:
Cumprindo o rito antigo,
Volto ao céu original,
Céu debruado de Eurídice;
Homem, criptovivente,
Sonho sonhado pela vida vã,
Cantando expiro.

Axés

nos colocam para correr e da correria só sobra o dinheiro para as guloseimas nos cinemas da vida a crítica critica os filmes brasileiros enaltece algumas porcarias estrangeiras talvez por inveja da coragem do cineasta em querer praticar algum tipo de pensamento em português (com toda dificuldade no país dos pares de ingressos, é tanta gente que pensa em inglês que penso estar no país errado) as novelas esfregam na nossa cara o universo brega como se precisássemos disso para nos reconhecer vira-latas já somos desde que começamos a correr atrás do rabo nos carnavais fora de época e de país nos axés babás da bahia em que poucos são santos

Tom e Elis

em apneia vivemos
parece que há um complô
para nos retirar o tempo em que poderíamos estar pensando em algo além do que o filme do ano o livro do fulano o último sucesso sertanejo me recordo de tudo o que vivi nos últimos tempos e a melodia que ficou foi a do Tom com Elis

em amor

Ah, se eu pudesse voltar o tempo...
te colocaria no colo e daria um abraço tão grande
um beijo tão sem fôlego
que ficaria sem forças para respirar
mas
não posso
e espero que essa dor se transforme em amor

Set List do show do dia 18/05


(Introdução)

1 – Desafios;
2 – Encantadas;
3 – O Alvo;
4 – Quase Sem Querer;
5 – Minas;
6 – Pedra;
7 – Don’t Stop Dancing;
8 -- Contra;
9 – Complexa Vazão;
10 – Sweet Sina;
11 -- Brigas;
12 – Crazy;
13 – Anunciação (nova);
14 -- Jaques Som;

INTERVALO

15 – Little Wing;
16 – Constelação;
17 – Sim;
18 -- À Cecília;
19 – Cegos;
20 – Versos;
21 -- Inútil;
22 – Truques;
23 – Dias de Luta;
24 – Papai me empresta o carro;
25 -- A Saudade/ Blues do Medo.

Bis: Pedra/Ainda é Cedo/Exagerado.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Murilo Mendes -- QUEM

Quem um dia dançou com os pés de outro?
Todos os que dançam, todos
Apenas dançam os próprios pés.
Quem pensa na imortalidade do outro
E durante seu próprio sonho
Sonha com o sonho do outro?
Quem, no nascimento do menino humilde,
Pede sua coroação pelos reis?
Quem manda violetas ao pobre encarcerado?
Quem se sente poeta pelo que o não é?

Soul

Sou um SPTZ, quando nado em direção a um objetivo
Sou nenê, quando tenho medo da luz e do barulho
Sou criança, quando acredito em palavras que ainda não sei ler
Sou jovem, quando sonho em fazer algo por mim
Sou adulto, quando escrevo sobre os desejos de que não me envergonho
Sou velho, quando desejo ver netos lendo o que escrevo sem medo

domingo, 6 de maio de 2012

princípio

o artista escolheu ser criança
para animar a criança que ele é
ele não é um Zé Mané
porque sabe desde o início
que no fim
o que vale é o princípio

num olhar

num olhar não há distância
o mundo cabe
e sabe quem sabe
e sabe quem cabe

quantos olhares ardem
quantos olhares jazem

o mundo é nosso

dos que sabem
dos que não sabem
mas querem saber

o mundo é azul pela vontade que temos de ver

adolescência

outro dia na piscina
me senti calmo
parecia que nadava sem peso
sem histórias

eu e a água
universo único de um ser sem pensamentos
alguns dizem que é maturidade
eu acho que é idade
na adolescência da terceira
me sinto mais leve
já sei o que consigo
e aquilo que é impossível...

planos

"As cigarras sublinham a tarde emparedada,
O trovão fechou o piano.
Surge antecipadamente o arco-íris,"*
a voz calou-se por conta do espanto
carregado de anjos sopranos soprando
uma melodia anil
num céu chuvoso
emoldurado por um cobre cigano
me avisando de todo significado
dos "sofrimentos de segundo plano"
espelhados em mim




* com a ajuda do poeta Murilo Mendes

Murilo Mendes -- O ESPELHO

O céu investe contra o outro céu.
É terrível pensar que a morte está
Não apenas no fim, mas no princípio
Dos elementos vivos da criação.

Um plano superpõe-se a outro plano.
O mundo se balança entre dois olhos,
Ondas de terror que vão e voltam,
Luz amarga filtrando destes cílios.

Mas quem me vê? Eu mesmo me verei?
Correspondo a um arquétipo ideal.
Signo de futura realidade sou.

A manopla levanta-se pesada,
Atacando a armadura inviolável:
Partiu-se o vidro, incendiou-se o céu.

Explícito

Tudo o que estava pronto e ainda não havia sido dito foi escrito e chorado até a consequência do amor nobre professor que me ensinou nada temer pelo dever de dizer tudo aquilo que todos já deveríamos ter dito há tanto tempo e apenas estava subentendido sem nenhuma razão de não ser tornado explícito

tintas, fotos e palavras

A Carminda Moreira

Uma família é feita de amor
respeito e consideração
que também são amor
e dor calor pavor flor cor
também e também
sangue suor e lágrimas
e também
tintas, fotos e palavras
tudo sendo importante
todos sendo necessários

numa foto na arca sinto falta de alguém

luo

Sento e escrevo
não penso
quanto mais intuitivo
mais lido
sentido
minto quando penso
porque me censuro
me escuro
não me luo
e a lua é que nos põe para ouvir canções de amor

luas

A Nicolas

Nos olhos verdes, cinzas ou azuis
que nem seus pais sabem dizer
um menino lembra a cruz
a força da fé
no renascer cinza
das verdes paragens das luas azuis
que escolhemos viver

fotos frutos

A Acácia Beatriz

fotos são o passado nos chamando
os frutos recordando
das árvores que se tornaram sementes
que tiveram a sorte de crescer
renasço sempre que consigo me ver
explorando
as possibilidades
da minha natureza

Arca

A José Joaquim da Rocha Cunha

quem não gosta de fotos
não gosta do tempo

vi numa arca o passado esperando o presente
sorrisos que já não mais existem
esperando serem recordados
olhos acordados
que agora dormem
sonhos que florescem ainda por nascer...

Set List do CD MPB

1 -- O Alvo;

2 -- Sim;

3 -- Constelação;

4 -- Contra;

5 -- Desafios;

6 -- Pedra;

7 -- Cegos;

8 -- Brigas;

9 -- Andarilho;

10 -- À Cecília;

11 -- Minas;

12 -- A Saudade/Blues do Medo;

13 -- Truques.

sábado, 5 de maio de 2012

orgulho

escutando a própria melodia
um poeta
escreve sobre a solidão eterna de um dia
escreve como se não fosse morrer
(como se não fosse acordar)
para poder se orgulhar
do esforço da descoberta

cervo

observo
um cervo
servindo-se da natureza
só se utiliza do alimento
de que precisa
para sobreviver
necessitamos nos servir
dos ensinamentos mais simples
que pudermos colher

...arte

quando culpam-me
culpo-me
quando escuto
um surto de criatividade
me poupa me cabe
um pedaço
de eternidade
me invade
e invado-me
de verdade

a cobra

...a vida é assim mesmo... sem jeito
muitas vezes o queixo amolece por ter sido desgastado em quedas
as perdas as pedras no caminho
vão nos desviando devagarinho do nosso destino
paramos de escutar de falar de cantar
aquele disco antigo fica arranhado...
as pobrezas da vida que não nos pertencem
nos entopem nos engordam nos amedrontam
tememos até um som um bom dia
amarramos a cara e seguimos em frente
desconhecendo nossos desejos
que acreditamos ser defeitos
pelo talento alheio da desaprovação
uma hora uma cobra nos mostra a sobra de sentimento que ainda temos e aí talvez não tenhamos coragem de nos deixar picar

stéreos

sinto os sentidos sentindo
se sinto sei
e não minto para mim
vindo uma sensação
logo emoção
fora
a razão pode suportar
a dor de saber onde está
e sigo sério sentindo
o mistério
dos sentidos vivos
stéreos sons singulares
servis
servindo-me

ler é...

ler é saber?
ler é ler
tomar conhecimento da existência das coisas
saber é fazer
fazer é fazer
ter experiência colocando a mão na massa
então
ler não é saber

inação

às vezes
percebo
uma inação
estimulada pela educação
como se o cara por "saber de tudo"
não precisasse fazer nada
ou melhor
preferisse
não arriscar
errar

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Murilo Mendes -- POEMA BARROCO

Os cavalos da aurora derrubando pianos
Avançam furiosamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos santos com os pés
                                                                   feridos,
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de
                                                                             atrizes.
O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas
E ajoelha-se ante a imagem de Noss Senhora das
                                                                 Vitórias
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de
                                                           leiteiros
Atravessam o céu de açucenas e bronze.


Preciso conhecer meu sistema de artérias
E saber até que ponto me sinto limitado
Pelos sonhos a galope, pelas últimas notícias de
                                                                  massacres,
Pelo caminhar das constelações, pela coreografia dos
                                                                     pássaros,
Pelo labirinto da esperança, pela respiração das plantas,
E pelos vagidos da criança recém-parida na Maternidade.
Preciso conhecer os porões da minha miséria,
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima,
Ameaçando tapar mues olhos, meus ouvidos,
E amordaçar a indefesa e nua castidade.
É então que viro a bela imagem azul-vermelha:
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais,
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos,
Aponta seu coração e também´pede auxílio. 

outro anjo

À memória de Yuri Garcia

falo
aos meus amigos
mais novos
não acreditem no tempo
se dêem de presente
o presente
sintam tudo
sintam todos os momentos
esqueçam-se das opiniões
sempre contrárias
façam
movam-se
emocionem-se
com todas as lágrimas todas as palavras
são exatas
na medida daquilo que pretendemos
somos anjos com uma só asa
se quisermos voar temos que olhar ao redor e descobrir outro anjo
com os mesmos sentimentos

ladainha

o sino segue tocando
as badaladas
noturnas
que imundam minha vida de sons
estranhos
música esquisita para ouvidos cansados da mesma ladainha

por que os religiosos não inventam novas canções de ninar?

nota

num trabalho artístico
o erro é um risco
o risco é um aprendizado
o aprendizado ajuda o dom
o tom de cada trabalho é dado pela atual preocupação
de vida
divina
de não ter medo de errar
de não ter medo de alcançar
a próxima nota

elementos

num poema
alguns elementos
são apenas elementos?
água ar fogo mar
olhar azul esquisito plus
são apenas palavras?
ou significam?
significam algo incomum por que são próprios do poeta?
quem me responder ganha um doce um nome um algo por fazer

Murilo Mendes -- NATUREZA

Contempla estas montanhas lavadas
E a luz que desce em oblíqua dança.
Tudo chega de um mundo antiquíssimo
Onde encontraremos pedaços desajustados de fotografias:
recortes de pensamentos visuais
E um amor que não quer colaborar com a morte
-- Vasto pássaro bicando as montanhas lavadas.

Murilo Mendes -- O NASCIMENTO DO MITO

1

A menina de cabelos cacheados
Brinca com o arco na nuvem.

Escolho as sombras que bem quero
No perfil das árvores,

Conto as estrelas pelos dedos,
Faltam várias ao trabalho.
Desmontam o universo-manequim:
Alguém moveu Sírius de um lado para
outro,
A noite explode em magnólias.

Carregam a areia do mar
para a ampulheta do tempo.

Escuta as plantas crescerem
E o diálogo sinistro contínuo
das ondas com o horizonte.

2

Homens obscuros edificam
Em ligação com os elementos
O monumento do sonho
E refazem pela Ode
O que os tanques desfizeram.

Murilo Mendes -- A LIBERDADE

Um buquê de nuvens:

O braço duma constelação
Surge entre as rendas do céu.

O espaço transforma-se a meu gosto,
É um navio, uma ópera, uma usina,
Ou então a remota Persépolis.

Admiro a ordem da anarquia eterna,
A nobreza dos elementos
E a grande castidade da Poesia.

Dormir no mar! Dormir nas galeras antigas!

Sem o grito dos náufragos,
Sem os mortos pelos submarinos.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Yuri

fiz um poema para o colega Yuri
não reproduzo aqui
porque não ficou bom
não teve sua grandeza
sua singeleza
sua opinião sincera mas cuidadosa
não ficou com seu humor
seu calor de saber entender as diferenças
sua delicadeza
não ficou expressa
sua sem pressa de estudar as palavras
lavras de um mineiro
que como Drummond
se apaixonou pelo Rio
de janeiro a janeiro
amigo
estaremos pensando em você

Murilo Mendes -- POEMA DO FANÁTICO

Não bebeo álcool, não tomo ópio nem éter,
Sou o embriagado de ti e por ti.
Mil dedos me apontam a rua:
Eis o homem que é fanático por uma mulher.

Tua ternura e tua crueldade são iguais diante de mim
Porque eu amo tudo o que vem de ti.
Amo-te na tua miséria e na tua glória
e te amaria mais ainda se sofresses muito mais.

Caíste em fogo na minha vida de rebelado.
Sou insensível ao tempo - porque tu existes.
Eu sou fanático da tua pessoa,
da tua graça, do teu espírito, do aparelhamento da tua vida.
Eu quisera formar uma unidade contigo
E me extinguir violentamente contigo na febre da minha, da
                                                                       tua, da nossa poesia

árvore plana

...aconteceu por que eu quis?
Sim!
Não!
de verdade
não sei
quis
muito
quis
no desespero da vida sem saída
via
alguns esperando a aposentadoria
na inércia típica de cidadãos sem alma
quis
sem calma
sem preocupação
me joguei num muro de ilusão
das palavras escritas
que inventei
rimando
amando
duvidando
de mim
de todos
do mundo
e agora sei
que antecipei o entendimento
de quem não sabia que era
mas
hera
uma árvore plana
me salvou

elementos 2

tive de aprender a explicar
aquilo que escrevo
pela vontade gasta dos que não sabem o esforço
quase sobrehumano de começar a brigar
com as sombras e o som dos nossos anseios
certezas se desintegram com a facilidade de opiniões
que hoje considero
apenas um desses três elementos
calúnia
injúria
ou
difamação

sol e céu

o céu é o sol
o sol é o seu
instante de quentura
numa vida de amarguras
conhecidas e cultivadas
por suas próprias palavras
de incompreensão
saliva gasta
na loucura imediata
da opinião mais
barata
gasta
nefasta
que atrapalha
qualquer tipo de sensação

broto

um querer enorme
me fez inventar uma solução
que
à primeira vista
pareceu uma ilusão

como um broto poderia dar frutos
como um absurdo poderia gerar frutos?

sorrisos

importante
saber o princípio
onde se encontra o meio e o possível fim
importante saber dizer-se sim
enquanto ouve-se os nãos
importante seguir os desígnios da emoção
fazer-se de surdo ajuda a alcançar alguns pedaços de rotina
sempre que seguimos os instintos insistindo somos agraciados com nossos sorrisos

Murilo Mendes -- O HOMEM E A ÁGUA

As mãos têm hélice, tempestade e bússola.
Os pés guardam navios
Aparelham para o Oriente
O olho tem peixes,
A boca, recifes de coral;
Os ouvidos têm noites polos e lamento de ondas.

A vida é muito marítima.

cinzas

já não sei mais a cor dos meus olhos
cinzas
verdes
azuis
crus
quando se lembram das desventuras da vida
mais precisas do que os ponteiros de um relógio suíço

tímidos
seguem sendo da cor do tempo
e o tempo anda sendo contra meus argumentos

tremendão

o céu chorou a morte de um amigo
mais amigo de um outro amigo
mas
por isso
também amigo
ouvia
comia
falava
amava
os amigos
com uma capacidade ímpar
de formar pares
peça atleta de um jogo de xadrez
em que nunca haveria vencedores
todos somos atores da nossa aventura pessoal
todos somos animais ao tentarmos explicar
aquilo que não entendemos

as mentes

se repararmos nas pessoas
dificilmente veremos conversas
hoje em dia o que há é
pequenos monólogos
inclusive
ou
principalmente
no facebook
infelizmente
provavelmente
a televisão nos ensinou a não conversar...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Murilo Mendes -- ANONIMATO

Uma mulher na varanda
Se debruça sobre o mar
Contempla as gaivotas gêmeas
Espera uma carta de amor

Brilha o cemitério aéreo
As nuvens jogam boxe

Passam meninas cantando

Não sabem que sou poeta
E o amor que existe em mim

Murilo Mendes -- TÉDIO NA VARANDA

Hesito entre as ancas da morena
Deslocando a rua,
E o mistério do fim do homem, por exemplo.
Dormir!

As camélias lambem
O sexo de teus lábios
Os pássaros da vertigem
Bicam estátuas de pano.
O mar fala a línga do p
Enquanto eu não tenho
Pés de vento
Mãos de metal.

As botas de set pedras
Comem léguas de aborrecimento.

vivência

...são tantos livros...
não preciso ler todos porque imagino
todos dizem o que sinto
sinto muito mas às vezes me parece fácil saber
que nos doidos é menos doído viver
os sabidos sofrem por querer saber de tudo
sobretudo daquilo que não entendem
às vezes parece que não sentem
parece que sentem medo de sentir
e se previnem querem estudar, ler
rótulos rotinas ruínas incas
tudo que possa minorar a dor de se ver envelhecendo
às vezes é mais fácil negar o aniversário do que comemorá-lo
vivendo

Murilo Mendes -- MAPA

A Jorge Burlamaqui


Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a
                                                                                      hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando,
                                                                              aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os
                                                                                  espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem
                                                                                                  o mal
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado,
                                                                                                    no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas
                                                                                      espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens
                                                                                      imaginários,
depois estou com meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando
                                                                                      populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos
                                                                                               da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me
                                                                             chamam a atanção,
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão
                                                                                               na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
vibrarei nos canjerês do mar, abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.
Alams desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos"...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mãs bem mães,
as fêmeas bem femêas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque
                                                                             jejuavam muito...
Viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça
                                                                                 transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma
                                                                                                    teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.

Murilo Mendes -- O MENINO SEM PASSADO

Monstros complicados
ñão povoaram meus sonhos de criança
porque o saci-perer~e não fazia mal a ninguém
limitando-se moleque a dançar maxixes desenfreados
no mundo das garotas de madeira
que meu tio habilidoso fazia para mim.

A mãe-d'água só se preocupava
em tomar banhos asseadíssima
na piscina do sítio que não tinha chuveiro.

De noite eu ia no fundo do quintal
pra ver se aparecia um gigante com trezentos anos
que ia me levar dentro dum surrão,
mas não acreditava nada.

Fiquei sem tradição sem costumes nem lenda
estou diante do mundo
deitado na rede mole
que todos os países embalançam.

Murilo Mendes -- MURILOGRAMA A CAMÕES

Sim: lavrador da palavra =
Teto e pão da nossa língua =

Desde meninos mamamos
Nos rudes peitos da Lírica =

Livro central semovente
Que parte do particular

Até investir o alto cume
De onde o Todo se contempla.


***


Na tua página o movimento =
Rotação do substantivo

Sustentado pelo verbo.
Provocas a transformação

Da antiga cítara em órgão,
Mudando-se o eco em grito.

Levantam-se os versos =
nervos
Ligando a estrutura sólida.

Homem de carne e sentidos
teu elenco de femininos

Se enriqueceu a-vicenda
De Natércia a Dinamene

Diretas participantes
Ou mesmo oblíquas = da outra

Epopeia inda mais dura
Do que a marítima: Eros.


***


Só italiano e platônico?
Não, português e ecumênico.

A ti = lavrador da palavra
Que herdaste dos pluravós

Juntando-lhe a experiência
Da tua tensa humanidade =
A ti lavrador da palavra =
Teto e pão da nossa língua.

Murilo Mendes -- SÃO JOÃO DA CRUZ

Viver organizando o diamante
(Intuindo sua face) e o escondendo.
Tratá-lo com ternura castigada.
Nem mesmo no deserto suspendê-lo.

Mas
Viver consumido da sua graça.
Obedecer a esse fogo frio
Que se resolve em ponto rarefeito.
Viver|: do seu silêncio se aprendendo.
Não temer sua perda em noite escura.

E, do próprio diamante já esquecido,
Morrer, do seu esqueleto esvaziado:
Para vir a ser tudo, é preciso ser nada