quinta-feira, 31 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 31 de outubro de 2013 -- dor



dor

 

A Fernando Pessoa

 

Sendo dor
sinto os dedos tremerem
os dedos do poeta que geme
a sabedoria de sentir-me presente

os leitores sentem-me latente
dor do poeta entristecido
pela existência que finge
em pingos

que espremo sendo razão
nas calhas de roda
comboio de corda
do poeta que se chama coração

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 30 de outubro de 2013 -- AUTOPSICOGRAFIA



AUTOPSICOGRAFIA

 

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

terça-feira, 29 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 29 de outubro de 2013 -- Sonetinho do falso Fernando Pessoa



Sonetinho do falso Fernando Pessoa

 

"Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
Muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
Posso durar. Desisto
De tudo quanto é misto
E que odiei ou senti.

Nem fausto nem Mefisto,
À deusa que se ri
Desse nosso oaristo*,

Eis-me a dizer:assisto
Além, nenhum, aqui,
Mas não sou eu, nem isto.".

* conversa íntima

 

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 28 de outubro de 2013 -- TESTAMENTO VERDE



TESTAMENTO VERDE

Para Carla Carpi Nejar


Tudo o que é humano
sabe a espelho. A luz real
apenas reflete. O nosso
nome é igual, sou tão precário
mas sabes que te amo.
Perece o sonho, se não
o regamos. A chuva
é o instante de ser nuvem.
E me fui despindo
dos adornos, dos taciturnos
ódios. Os meus puídos anos,
com os sapatos. O patrimônio
de palavras e cuidados. Talvez
o patrimônio de silêncio.
E que a inteligência seja flecha,
mas saiba repousar. Impávido
ou adverso, em nós se funde
o tempo e o universo
é um sigilo, um informe secreto.

E quando venta, estou perto,
percebes. A lei morre
em seu peso. A dor
se esgota. É no simples
que as coisas são completas
E, filha, importa
resistir sob o pavio dos ossos
Refazer a vida, tantas vezes,
quanto a vida doer.

 

CARLOS NEJAR

domingo, 27 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 27 de outubro de 2013 -- ouvidos



ouvidos

Os poetas falam muito
Por cansaço da solidão
Que exaure
Assusta e estressa
No silêncio de reflexos da saudade
Acolhida nas rimas
Em versos que sangram verdade
E assim nos vemos obrigados a cativar olhares
Acompanhados de ouvidos que pelo menos finjam entender
O tamanho da dor de escrever

sábado, 26 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 26 de outubro de 2013 -- O VENTO



O VENTO

Tanto o vento soprava que me vi
mudado na vertigem sibilina
do vento que ventava, comprazido
em tornar tudo vário e turbulento.

No seu soprar ele arrastava as folhas,
areia, ramo seco, e até meus sonhos
que se desvaneciam no ar medonho,
em matéria volátil transformados.

Rodeado de tanto desamparo,
o que me espanta não é o turbilhão
das coisas arrastadas na tormenta

mas o que fica em nós, o que não passa
nem jamais se desfaz no vendaval,
e ousa resistir ao próprio vento.

 

LÊDO IVO

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 25 de outubro de 2013 -- GOTA DE ÁGUA



GOTA DE ÁGUA

Especial do mês de outubro, poemas preferidos


Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 24 de outubro de 2013 -- O Apanhador de Desperdícios



O Apanhador de Desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

MANOEL DE BARROS

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Han Yu, poeta chinês -- Final de primavera

Final de primavera

As plantas sentem, logo a primavera ausenta-se
e aos cem matizes rubros competem em fragrância.
Só da papoula e o olmo, estas pobres sementes,
tudo o que sabem é encher o céu de neve, às painas.

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Du Mu, poeta chinês -- Noite de outono

Noite de outono

Outono a vela incide em prata no biombo
e ela apanha em seda ao leque vagalumes
Na escadaria a noite esfria às cores úmidas
a olhar o céu duas estrelas que se encontram

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Du Mu, poeta chinês -- À partida (II)

 À partida (II)

Parece indiferença uma paixão tamanha,
nenhum sorriso irisa o cálice que brinda;
porém goteja a vela, teima a queixa à lâmpada,
e em vez da gente, verte lágrimas ao dia.


Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

365 dias com poesia, 23 de outubro de 2013 -- heráclito



heráclito

O segundo crepúsculo.
A noite que mergulha no sono.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo.
A manhã que foi a aurora.
O dia que foi a manhã.
O dia numeroso que foi a tarde gasta.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do tempo, a noite.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo...
A aurora sigilosa e na aurora
o soçobro do grego.
Que trama é esta
do será, do é e do foi?
Que rio é este
por onde corre o Ganges?
Que rio é este cuja fonte é inconcebível?
Que rio é este
que arrasta mitologias e espadas?
É inútil que durma.
Corre no sonho, no deserto, num porão.
O rio me arrebata e eu sou o rio.
De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.
Talvez o manancial esteja em mim.
Talvez de minha sombra
surjam, fatais e ilusórios, os dias.

José Luis Borges

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Li Shagyin, poeta chinês -- No horizonte

No horizonte

Na primavera o sol sobre o horizonte
o horizonte o sol que vai se pondo
Há um rouxinol cantando e é como um choro
molha-se à lágrima a mais alta flor

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Li Shagyin, poeta chinês -- Sem título (IV)

Sem título (IV)

colas de fênix em camadas seda fímbrias
ranhaduras de esmeralda cozem-se ao dossel
o leque meia-lua oculta a face tímida
o carro foi-se em estrondo e as falas se amortecem


na chama solitária o incenso cai à sombra
notícia alguma e já as rmãs avermelhadas
basta um salgueiro fino e amarra-se um cavalo
virá do oeste a boa brisa ou sul de onde

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Li Shagyin, poeta chinês -- Sem título (I)

 Sem título (I)

Ver-se é difícil; separar, tão mais difícil,
vem vento leste fraco, sem flores definham.
Segue bicho-da-seda à morte, o frio cessa,
vira-se a vela em cinza, e então, lágrimas secam.
Manhã no espelho, mudam cabelos de nuvem;
pela noite, a poesia e o frio -- raios de lua.
Ir até o Monte Peng nem é tanta distância:
-- pássaro azul, à volta, vela sem descanso.

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

365 dias com poesia, 22 de outubro de 2013 -- POEMA



POEMA

Oh! Aquele menininho que dizia
“Fessora, eu posso ir lá fora?”
Mas apenas ficava um momento
Bebendo o vento azul...Agora não preciso pedir licença 
a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
Somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.
Mario Quintana

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 21 de outubro de 2013 -- POEMA SUJO (Fragmento)



POEMA SUJO (Fragmento)

 

Especial do mês de outubro, poemas preferidos


"...saímos de casa às quatro
com as luzes de casa acesas

meu pai levava a maleta
eu levava uma sacola

rumamos por Afogados
outras ladeiras e ruas

o que pra ele era rotina
para mim era aventura

quando chegamos à gare
o trem realmente estava

ali parado esperando
muito comprido e chiava

entramos no carro os dois
eu entre alegre e assustado

meu pai (que já não existe)
me fez sentar ao seu lado

talvez mais feliz que eu
por me levar na viagem

meu pai (que já não existe)
sorria, os olhos brilhando..."

Ferreira Gullar

domingo, 20 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 20 de outubro de 2013 -- Recorto a minha sombra...



Recorto a minha sombra...

Especial do mês de outubro, poemas preferidos


Recorto a minha sombra da parede,
Dou-lhe corda, calor e movimento,
Duas demãos de cor e sofrimento,
Quanto baste de fome, o som, a sede.

Fico de parte a vê-la repetir
Os gestos e palavras que me são,
Figura desdobrada e confusão
De verdade vestida de mentir.

Sobre a vida dos outros se projecta
Este jogo das duas dimensões
Em que nada se prova com razões
Tal um arco puxado sem a seta.

Outra vida virá que me absolva
Da meia humanidade que perdura
Nesta sombra privada de espessura,
Na espessura sem forma que a resolva.

José Saramago

sábado, 19 de outubro de 2013

Meng Haoran, poeta chinês -- Pensando em Xin no Pavilhão Sul em um dia de verão

Pensando em Xin no Pavilhão Sul em um dia de verão

No monte brilha o sol se pondo a oeste
no lago a lua sobe rumo ao leste
Cabelos soltos ao frescor da tarde
janela aberta deito ao livre espaço
Lótus passeiam pela brisa olores
ressoa orvalho nos bambus em gotas
Bem gostaria de tocar ao quin*
porém não há quem ouça e o aprecie
Tanto sentir a falta deste alguém
a noite em sonhos agoniza inteira


*harpa tradicional


Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Meng Haoran, poeta chinês -- Partindo e despedindo-se de Wang Wei

 Partindo e despedindo-se de Wang Wei

Quieto e sozinho o que esperar da vida
dias manhãs voltar de mãos vazias
Alhures busque-se a fragrante grama
pois vai-se um velho amigo lamentando
Poderes há no mundo e nos eludem
um verdadeiro amigo é mais que raro
Melhor é ser somente o solitário
fechar a porta ao antigo refúgio

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Meng Haoran, poeta chinês -- Do lamento de um claro espelho

 Do lamento de um claro espelho

O espelho com dragões enrodilhados
era radiância pura a cada dia
Porém o pó do tempo se amealha
e é baça lua oculta neblina


Se na tristeza o olhar à imagem busca-se
só há lamentos dor cabelos brancos
Tu que hoje habitas terras mais distantes
dize se adeus perdura em tanto curso

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Meng Haoran, poeta chinês -- Despedindo-se de Du Shisi que parte para o sul

Despedindo-se de Du Shisi que parte para o sul

Cidades unem-se à corrente pela orla
à primavera o vasto rio que se prolonga
A vela ancora-se entre a noite e o sol poente
o horizonte finda -- e esta dor no peito

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

365 dias com poesia, 19 de outubro de 2013 -- FERNANDO PESSOA



FERNANDO PESSOA

Deus criou-me para criança, e deixou-me sempre criança. Mas por que deixou que a Vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mãos tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas compridas? Se eu não poderia viver senão acarinhando, por que deitaram fora o meu carinho? Ah, cada vez que vejo nas ruas uma criança a chorar, uma criança exilada dos outros, dói-me mais que a tristeza da criança o horror desprevenido do meu coração exausto. Dôo-me com toda a estatura da vida sentida, e são minhas as mãos as bocas tortas das lágrimas da vida adulta que passa usam-me como luzes de fósforos riscados no estofo sensível do meu coração.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Bai Juiy, poeta chinês -- Fim de tarde no rio

Fim de tarde no rio

Os raios do poente espalham um rastro ao rio
as águas tremem partes verdes e avermelham
Terceira noite ao nono mês e tudo é brilho
lua crescente arco -- o orvalho como pérolas

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Bai Juiy, poeta chinês -- Lamento pelas peônias

Lamento pelas peônias

triste o vermelho das peônias no jardim
já à tarde murchas restam duas no canteiro
à aurora e ao vento da manhã não sobrevivem
à noite uma rubra lanterna se despede

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Bai Juiy, poeta chinês -- Olhando os peixes que nadam

Olhando os peixes que nadam

Passeio pelo lago, olhos os peixes nadarem
e um menino à linha pesca sobre um barco.
Ambos amamos peixes, mas desigualmente:
venho lhes dar comida e ele vem comê-los

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Bai Juiy, poeta chinês -- Despedida entre as ervas na planície antiga

Despedida entre as ervas na planície antiga

tenras ternas ervas na planície
todo ano fanam-se e então crescem
fogo novo queima e ainda teimam
vem a primavera e ao vento vingam


longe o odor invade a antiga rua
clara verde joia em velhos muros
seguem o amigo ao longo da alameda
medram tremem fremem em sentimento

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Bai Juiy, poeta chinês -- A vida à noite

 A vida à noite

geada à grama escura e um ciciar de insetos
ao sul da vila e a norte nem um viajante
sozinho olhar da porta os devolutos campos
brancura a lua à flor do trigo tudo é neve

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

365 dias com poesia, 18 de outubro de 2013 -- RAINER MARIA RILKE



RAINER MARIA RILKE

 

Pois arte é infância. Arte significa não saber que o mundo já é, e fazer um. Não destruir nada que se encontra, mas simplesmente não achar nada pronto. Nada mais que possibilidades. Nada mais que desejos. E, de repente, ser realização, ser verão, ter sol. Sem que se fale disso, involuntariamente. Nunca ter terminado. Nunca ter o sétimo dia. Nunca ver que tudo é bom. Insatisfação é juventude.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Luiz Souza, poeta -- Futuro

Futuro

inspira "r" profundo
(suspiro)
...da alma e segue
sol no fundo brilha...ra
caminho longo distante
energia para alma
fria!?... esquentar renasce...ra
alma nova
inspirar suspirar
e c a m i n h a r
pRonTo!? logo chega...ra

365 dias com poesia, 17 de outubro de 2013 -- Casamento



Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

ADÉLIA PRADO

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Wang Wei, poeta chinês -- A cascata dos pássaros

 A cascata dos pássaros

quietude caem as flores da canela
à noite pousam a montanha cala
súbito aponta a lua -- a primavera
desperta em brados pássaros cascata

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Wang Wei, poeta chinês -- O retiro dos cervos

O retiro dos cervos

vazia a montanha ninguém se vê
entanto rum ores vozes se ouvem
torna a luz poente até o bosuqe denso
ainda ilumina o musgo verde sobre

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Wang Wei, poeta chinês -- A ermida entre os bambus

A ermida entre os bambus

sentar-se ao oco só entre os bambus
assobaindo ao toque do alaúde
na densa oca ao bosque desterrar-se
então a lua é vinda: iluminar

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Wang Wei, poeta chinês -- Noite de outono na montanha

Noite de outono na montanha

Montanha vazia depois da chuva
o ar ao fim da tarde traz outono
Dentre os pinheiros brilha luz da lua
sobre os rochedos flui límpida fonte
Barulho aos bambus riem as lavadeiras
mexem-se lótus vêm barcos à pesca
Acaso foi-se o odor da primavera:
senhor, que tudo guardes em ti mesmo

Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Wang Wei, poeta chinês -- Despedida

Despedida

Aqui desmonta, bebe deste vinho.
Amigo, aonde leva teu caminho?


Ouco-te a fala em desconcerto ao mundo.
Buscas refúgio às colinas do sul.


Sem mais perguntas; vai, não te detenhas.
Derivam nuvnes brancas para sempre.


Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

365 dias com poesia, 16 de outubro de 2013 -- Do coração



Do coração

À Angélica

Calmo te digo:
O amor é ter seus olhos comigo
Suficiente proteção sóbrios
Últimos
Sofridos sendo cobertores da rima
Sua suo seu súdito
Simples sabedor de que o amor somos nós
Dois dói cai cós
De calça blue-jeans sem alça
Só na barriga definida em suspiros de
Doces de leite de dentes de leite
Que se foram mas já forraram nossas vidas
Sempre serenos sempre querendo mais
Mesmo os menos não esquecemos
E sabemos ser únicos dedos de uma mão
Esquerda do coração

365 dias com poesia, 16 de outubro de 2013 -- Rainha



Rainha

À Andréa Cunha

Cunhada
Cunha
Cume
Coração
Consegui conhecê-la
Sendo centro sofrida
Simples sincera
Sábia
Saiba
Sempre
Serei
Seu
Súdito

terça-feira, 15 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 15 de outubro de 2013 -- MADRIGAL



MADRIGAL

 

Especial do mês de outubro, poemas preferidos

Herdei uma floresta densa onde raramente ponho os pés. Mas lá chegará o dia em que os defuntos e os viventes troquem de lugares. É então que a floresta se põe em movimento. Não perdemos ainda toda a esperança. Os maiores crimes continuam por desvendar, malgrado o esforço de tantos polícias. Do mesmo modo, algures nas nossas vidas, há um grande amor por revelar. Herdei uma floresta densa, mas hoje entro numa outra, plena de claridade. Tudo o que vive, canta, serpenteia, abana, rasteja! É primavera, e o ar que respiramos é fortíssimo. tenho um exame da universidade do olvido, e as mãos tão vazias como a camisa pendurada na corda de secar roupa.

Tomas Tranströmer

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 14 de outubro de 2013 -- Uma Palavrinha sobre os Escrevinhadores de Poemas Rápidos e Modernos



Uma Palavrinha sobre os Escrevinhadores de Poemas Rápidos e Modernos

Especial do mês de outubro, poemas preferidos

é muito fácil parecer moderno
enquanto se é na realidade o maior idiota
jamais nascido;
eu sei: eu joguei fora um material horrível
mas não tão horrível como o que leio nas revistas;
eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais
que não me deixará fingir que sou
uma coisa que não sou --
o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa
na poesia
e o fracasso de uma pessoa
na vida.
e quando você falha na poesia
você erra a vida,
e quando você falha na vida
você nunca nasceu
não importa o que digam as estatísticas
nem qual o nome que sua mãe lhe deu
as arquibancadas estão cheias de mortos
aclamando um vencedor
esperando um número que os carregue de volta
para a vida,
mas não é tão fácil assim --
tal como no poema
se você está morto
você podia também ser enterrado
e jogar fora a máquina de escrever
e parar de se enganar com
poemas cavalos mulheres a vida:
você está entulhando
a saída --
portanto saia logo
e desista das
poucas preciosas
páginas.

 

Charles Bukowski

domingo, 13 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 13 de outubro de 2013 -- SEM TÍTULO



SEM TÍTULO

 

Especial do mês de outubro, poemas preferidos

 

Sempre difícil encontrarmo-nos, difícil, sempre, separamo-nos
E murcha cada flor no vento que declina
Terminado que é o fio, morre na Primavera o bicho da seda
A vela seca as lágrimas -- quando já é só cinza
De madrugada, o espelho faz-me triste
Mudados neles os meus cabelos
A voz que canta na noite acorda o frio sentido do luar
Daqui não é longe... daqui à Ilha dos Imortais
Pássaro Azul, depressa, gostava de lhe dar uma espreitadela.

Li Shangyin


sábado, 12 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 12 de outubro de 2013 -- Únicos



Únicos

Aos meninos: Vinícius, Victor e Thiago

Sinto o som do silêncio
De olhos gulosos
Que querem me conhecer
Ainda há tempo
(O sempre me pertence
Por invenção
Auto sugestão freqüente)
Ainda
Um dia sentaremos e riremos dos momentos
Vividos e
Não vividos
Ainda seremos ritmos
Belos em declarações de emoções

Hoje o silêncio é nosso elo
Límpido Lúdico Único

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

365 dias com poesia, 11 de outubro de 2013 -- TAJ-MAHAL



TAJ-MAHAL


Especial do mês de outubro, poemas preferidos

Somos todos fantasmas
evaporados entre água e frondes,
com o luar e o zumbido do silêncio,
a música dos insetos,
gaze tensa na solidão.

De vez em quando, uma borbulha d'água:
pérola desabrochada,
súbito jasmim de cristal aos nossos pés.

Fantasmas de magnólias, as cúpulas brancas,
orvalhadas de estrelas, na friagem noturna.

Tudo como através de lágrimas,
com as bordas franjadas de antiguidade,
de indecisos limites,
e um vago aroma vegetal, logo esquecido.

Tudo celeste, inumano, intocável,
subtraindo-se ao olhar, às mãos:
fuga das rendas de alabastro e dos jardins minerais,
com lírios de turquesa e calcedônia
pelas paredes;
fuga das escadas pelos subterrâneos.
E os pés naufragando em sombra.

Eis o sono da rainha adorada:
longo sono sob mil arcos, de eco em eco.
(Fuga das vozes, livres de lábios, independentes,
continuando-se...)

Vêm morrer castamente os bogaris sobre os túmulos.

Movem-se apenas sedas, xales de lã,
alvuras: como sem corpo nenhum.

Tudo mais está imóvel, estático:
mesmo o rio, essa vencida espada d'água:
mesmo o lago, esse rosto dormente.

Entre a morte e a eternidade, o amor,
essa memória para sempre.

Foi uma borbulha d'água que ouvimos?
Uma flor que desabrochou?
Uma lágrima na sombra da noite,
em algum lugar?

Cecília Meireles

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Du Fu, poeta chinês -- Pensando em Li Bai no além-céu

Pensando em Li Bai no além-céu

Um vento frio ascende ao além-céu
que pensamento a tua mente acede
Quando este ano os gansos chegariam
no outono os rios se enchem em demasia


Escritos são desdita ao vil mundano
demônios gozam com o fracasso humano
Deixa aos iguais o teu falar maldito
joga um poema às águas deste rio



Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Du Fu, poeta chinês -- A vila à beira do rio

A vila à beira do rio

Um claro rio se dobra em torno à vila e corre,
longo o verão -- rio, vila, tudo maravilha.
Vão livremente e vêm aos pares andorinhas,
chegam-se às águas, perto, ajuntam-se gaivotas.


A esposa um tabuleiro de xadrez recorta,
o jovem filho dobra agulhas, faz anzóis.
Alguém doente busca as plantas para a cura,
humilde corpo, nada além disso procura.


Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.

Du Fu, poeta chinês -- Desde um alto terraço

Desde um alto terraço

O vento jorra ao alto céu choram macacos
à clara ilha a branca areia aves em torno
 Sombrias árvores se esvaem às folhas caem
o rio subindo à via tortuosa e longa


Mil milhas vem tristeza outono um visitante
cem anos solidões doenças no mirante
Agruras doces trazem densa neve às têmporas
e ainda o desconsolo: parar de beber!


Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao.