segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

centro

...substituir o lado pelo centro...
tento
sendo
tendo
a tentativa validado
o
suculento processo de erro
ao menos
não babo
me apresento
e tento
pelo lado pelo centro
sendo

MURILO MENDES (18)

"PÓS-POEMA



O anteontem --- não do tempo mas de mim ---
Sorri sem jeito
E fica nos arredores do que vai acontecer
Como menino que pela primeira vez põe calça comprida.


Não se trata de ilusão, queixa ou lamento,
Trata-se de substituir o lado pelo centro.
O que é da pedra também pode ser do ar.
O que é da caveira pertence ao corpo:
Não se trata de ser ou não ser,
Trata-se de ser e não ser.".

MURILO MENDES (17)

"A FORMA E A FÔRMA



Minha alma tem a forma do meu corpo:
Mas como é afinal meu corpo?
Eu nunca exato o vi.
Às vezes será uma esfera,
Outras vezes pirâmide.


Quantas coisas aparentes vi...


Vi famílias dependuradas dum cabide
Que dialogavam fuzis.
Vi uma dançarina erguendo na ponta dos pés
Um teatro com mil colunas.
Vi o sol negro.


Vi, vejo, tantas coisas vi...
Vi se movendo meu corpo,
Mas não, até hoje, sua forma.".

MURILO MENDES (16)

"ALGO

A Maria da Saudade



O que raras vezes a forma
Revela.
O que, sem evidência, vive.
O que a violeta sonha.
O que o cristal contém
Na sua primeira infância.".

MURILO MENDES (15)

"PÁLIDO GUERREIRO


Ó pálido guerreiro,
A morte cobiçou tua pele
--- Profundezas de mulher ---,
Clamaste contra o inimigo
Que se agitava em ti mesmo,
No teu sangue navegador e confuso
Que teus pais construindo barreiras
Não resgataram.


(Chorai sobre vossos descendentes
Nascidos em berços de lágrimas,
Não choreis sobre mim.)


Ó pálido guerreiro,
És o próprio guerreiro que não fui:
Por ti eu me perdôo
E semeio crisântemos na campa.".

Angústia

tem uma angústia presa, solta, sei lá
tem uma coisa, uma pegada,
alterada razão de existir
tem, tem sim
algo que não sei o nome
tem um nome, tem um monte, que não consigo falar

MURILO MENDES (14)

"CHOQUES


O choque de teus pensamentos furiosos
Com a inércia da boca e dos braços de outros.
O choque dos cerimoniais antigos
Com a velocidade dos aviões de bombardeio.
O choque da foice contra o cristal dos milionários.
O choque das roseiras emigrantes
Com o silêncio das linhas retas das janelas.


A tempestade calcula um choque de distâncias
Com o lúcido farol e seus presságios.
Chocam-se as águias arredando a noite
Com o armário que, inalterável, rumina.
Um ouvido resistente poderia perceber
O choque do tempo contra o altar da eternidade.
Choca-se a enorme multidão sacrificada
Com o ditador sentado na metralhadora.
Choca-se a guilhotina erguida pelo erro dos séculos
Com a pomba mirando a liberdade do horizonte.".

MURILO MENDES (13)

"O EXPLORADOR


À procura de um elemento
De sinos brancos, de peixes
Só para contemplar, do diamante
Do Santo Graal, da morte
Épica pela altivez, das ossadas
De nuvens, do castelo de camélias,
Da túnica da ressurreição,
Assim, sem ontem nem amanhã:
Até que, bêbedo de essência,
Eu role com o tempo maduro
Nos degraus da eternidade.".

Grandes e pequenos

grandes poetas fazem assim
pequenos poetas fazem assado
grandes poetas nunca dizem sim
pequenos poetas nunca dizem não
grandes poetas gostam do perigo
pequenos poetas do ninho
grandes poetas são grandes porque têm pretensão
pequenos poetas não são grandes pelos nãos

Extremos

extremamente importante extremamente falante
extremamente impactante extremamente revoltante
extremamente inovador extremamente assustador
extremamente próprio extremamente óbvio

IMPLICÂNCIA

pais desesperados
ajudam filhos assustados a se assustar ainda mais
despreparados
intimam o crescimento desenfreado e aliado a isso
há uma vingança
um grito mudo em homenagem à infância perdida

Maquiagem

...armação...
dos búzios saltam os olhos a solidão pessoas tentando se enganar fingem não ver que estão falando para as paredes ninguém está nem aí para o que está acontecendo com os outros todos desfilam passam batom e pouco ligam para os próprios desejos somente desejam desejam sem parar param apenas para retocar a maquiagem e mudar a música do mp3 p4 quiça p5 todos somos meninos no desejo de voltar mas a vida não dá trégua não dá forra temos que lutar lutar para normalmente não sairmos do lugar o cansaço embaça os olhos e não nos deixa ver no espelho do quarto aguardo um travesseiro para chorar de amor

MURILO MENDES (12)

"PAISAGEM MADURA


Estende os rochedos em continência no horizonte
Guardando o castelo das anêmonas abandonado pelos
[operadores.
O tempo estupefato imprime as iniciais de bronze
Prontas para catalogarem tua história.
A máquina de costura absorve o bordado da época
[cimeriana
Que justificou as cruzadas.
Massas de pensamentos de prazer, ódio e aflição
Invadem tuas janelas e balaústres,
Explodindo no exterior em forma de serpentes vermelhas,
[clamores e fanfarras.
Engenheiros subterrâneos improvisaram uma ponte de
[camélias
Para os pés da tua amada passarem.".

MURILO MENDES (11)

"A CRIANÇA


Suas formas seus regatos suas colinas
pacientemente esperam
Dois pequenos luminares,
Um para testemunhar o pai,
Outro para testemunhar a mãe.
Traz ainda vestígios do túnel noturno,
Esboço de sua futura prisão.
As mãos desenham pássaros,
Os pés tocam peixes rebeldes.


Sobre o berço anunciador
Pende a espada.".

MURILO MENDES (10)

"ELEGIA NOVA


O horizonte volta a galope
Curvado sob o martelo.
É noite: e doí.
Esta cidade irregular desfeita,
Roseiras de peles de homens,
Torres de suplícios,
Campos semeados de metralhadoras,
Ó rendimento dos abismos...


O mar perde suas folhas.
A cruz gerou um universo de cruzes,
O sol deixou de rir,
As árvores tomaram luto verde.


Sento-me sozinho com pavor do tempo,
Procurando decifrar
A maquinária imóvel das montanhas.


Não há ninguém, e há todos.


E estes mortos do Brasil, da China, da Inglaterra
Estendidos no meu coração
(Tambores da eternidade,
Substância da esperança,
Ó vida rasgada


Entre dois goles de delírios.)


Morte, apetite de ressurreição, grande insônia.".

MURILO MENDES (9)

"DESEJO

Ao sopro da transfiguração noturna
Distingo os fantasmas dos homens
Em busca da liberdade perdida:

Quisera possuir cem milhões de bocas
Quisera possuir cem milhões de braços
Para gritar por todos eles
E de repente deter a roda descomunal
Que tritura corpos e almas
Com direito ao orvalho da manhã,
À presença do amor, à música dos pássaros
A estas singelas flores, a este pão.".

Onda e fera

é preciso
entender que o caminho é duro
acordar já é um milagre
milagre de acordar podendo olhar a vida de frente
e olhá-la na maioria das vezes é descobrir que não a entendemos e que estamos despreparados para vivê-la verdadeira fera indomesticável que nos dá socas onda que é

tevê

outro dia
fiquei dois dias sem escrever
e achei que ficaria mais cinco
outro dia estava enganado e agora continuo sorrindo
pelo estado alterado (aletrado) do meu compromisso em continuar apesar dos pesares não devemos nos entregar ao estado letárgico quase retardado da maioria que só quer saber da vida alheia sem nem dar às caras nas esquinas da vida

Cem

de um dia para o outro
envelheci
quarenta e cinco anos
surpreso corri
para registrar meus desenganos
antes que dormisse e tivesse já com uns cem
vezes sofri
antes de começar

Elefante

cada um colhe o que planta
cada macaco sabe o tamanho do galho e da banana
que lhe apetece
cada poeta sabe como escreve
cada elefante com sua lembrança
cada pássaro voa com sua esperança

Mordida

as sombras
das árvores estão no chão marcadas
são nefastas na solidão de sobras de folhas sem vida
ainda não caídas
sem frutos sem cores
que denunciem os amores
que não deram a mordida

amarga lembrança

sábado, 29 de janeiro de 2011

DIVINA

O tempo
que não domino
é o tempo que tenho
calculo os escombros
que os ontens
fizeram em meus
amanhãs
parte vividas dos hojes
escolhas
escombros
tábuas estragadas
pregos tortos
de uma obra divina


SURPRESA

Vejo o sol
pelo seu reflexo
na areia da praia
a vida se apresenta em grãos
corro do vento que se joga
no verde das montanhas

o ar fresco de maresia
não me enjoa

ao menos uma surpresa na vida


UM PESSOA

...me descobri sendo
lendo nas entrelinhas
com o tempo
ouvindo sussurros
vivendo
entre a exclamação e a interrogação
na dúvida
entre o susto e a poesia
entre os muros e a melodia
da própria canção

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Arestas

...apodrece em mim...
quando sonhos anoitecem e não foram tentados
apodrecem em mim
e exalam
podridão
exalam falta de motivação para continuar sobram arestas que me impedem de te abraçar

Faroeste

vozes
esperam ser nortes
dos sulinos habitantes de um país ao noroeste
(faroeste)
do mundo civilizado
índios habitantes de sonhos de crianças douradas
cantam melodias
afastadas afogadas pela distância agreste
a leste de um lugar por mim desconhecido
mas lindo
porque possível

Borboletras

num dia ensolarado
tremo
tremo de medo
meus desejos
inteiros
secretos
até chegarem às margens
e do papel tomam vida
lagartas
voando coloridas

Pote

...uma sensação de medo
às vezes tento
racionalizar
penso que medo
é não querer continuar
é não querer pagar o preço de viver a vida
medo é quase querer enlouquecer
se aquecer
com as próprias mãos

(também pode ser solidão)

Companheiros

desde as quatro acordado lembranças do número seis magoado restou-me só três opções continuar continuar ou continuar a vida continua a girar o mundo é redondo qual bola de sinuca só não sei se já está na minha vez de jogar enquanto isso observo o modo que as outras pessoas têm de se comportar falam sobre o que não sabem mostram quem não são minha opção continuar mãos calejadas de tanto roçar os dados companheiros

E voa

algumas
poucas e boas
poucas e boas
pessoas
não são tolas
e voam e voa
o papel em que anotei seus nomes
poucas e boas
poucas e boas
pessoas


Famoso

não me fale o que espero
pois
não espero nada
infelizmente
nesse mundo de fanfarra
aprendi a tocar meu bumbo sozinho
aprendi desde menino
que
poucos dão o perdão
poucos chegam a alguma conclusão
poucos querem enxergar além da meleca
é mais fácil criticar a cor da cueca do famoso

quem?

Cicatrizes

mente
a mente
ofende
suspende
acende
entende

a mente
responde
por falhas
por falas
por flores
por raízes

cicatrizes

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

MURILO MENDES (8)

"MEMÓRIA


1


Nasci nu.


Quando eu vim me sussurravam:
"Adeus, desde já adeus."

Estrelas voando,
Frutos de árvores da inocência
Inclinavam-se.

Mulheres nevoentas
Deslizando no mosaico.

Seriam para mim esses corpos
Terrestres e celestes
Rolando sem parar na ampulheta divina?

Na cerração do dilúvio
Címbalos ainda se ouviam
Por detrás da terra.



2


Ilhas e montanhas,
Fugi do vosso lugar.


Um homem aparece
Lutando com o batismo,
--- Arriscava a danação ---
E...mereceu a cruz?

Dizei-me cronistas futuros,
Músicos da corte popular celeste,
Aprontai coros e pianos,
Louvai o homem com tímpanos,
Com xilofones, saxofones,
Louvai o homem que luta,
Louvai o homem
Que sonhando se arrisca.

Louvai-o, posteridade de famintos.".

MURILO MENDES (7)

"OVERMUNDO

Os pinheiros assobiam, a tempestade chega:
Os cavalos bebem na mão da tempestade.

Amarro o navio no canto do jardim
E bato à porta do castelo na Espanha.
Soam os tambores do vento.

"Overmundo, Overmundo, que é dos oráculos,
Do aparelho de precisão para medir os sonhos,
E da rosa que pega fogo no inimigo?"

Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante,
Que anda, voa, está em toda parte
E não consegue pousar em ponto algum,
Observai sua armadura de penas
E ouvi seu grito eletrônico.

"Overmundo expirou ao descobrir quem era",
Anunciam de dentro do castelo na Espanha.
"O tempo é o mesmo desde o princípio da criação",
Respondem os homens futuros pela minha voz.".

MURILO MENDES (6)

"GASPAR HAUSER

Ninguém mais pode escolher
A vida que lhe apetece.
Ninguém mais pode ser só:
As almas são reveladas
À luz de mil holofotes.

Em torno de mim se agita
Uma conspiração de olhares.
Vou tomar a carruagem,
Comunicam ao mundo inteiro.
Cheiro de uma rosa -- explodiu.
Só tive consolo e paz
No ventre da minha mãe.

A quinta-coluna que existe
Desde o princípio do tempo
Não se deixa respirar.
Sou sempre triste, no escuro.

Adeus universo padrasto,
Que rejeitas o inocente,
O órfão, o pobre, o nu.
Não acho irmandade em ninguém:
Morrendo, sou livre enfim.".

Navegação

o mar sempre esteve ali eu é que não tinha tempo para admirá-lo não sei se não via ou não queria cheirá-lo o sal às vezes me dá náuseas me acorda para o perigo de estar vivo e vivo sinto tudo o que esteve errado e depois disso tenho que mudar de rumo sem velas sem maré tenho que me virar sem motor de popa sem saber bem a diferença da proa navegar é difícil mas é a única forma de continuar

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Temporada

estou só
é fato
como o sol que arde
como a lua que late
desesperada esperando o lobo que uiva de saudade a cada temporada

de caça

Sinônimos

cada pedaço de palavra
que sai magoada
mais sai
é uma declaração de princípios
de começos de palavras que mesmo magoadas
são sinônimos de coragem

Estou

cada não novo argumento cada sim um talvez estar certo não é não errar é não tentar estar

MURILO MENDES (5)

"FÁBULA


Eu falei à fonte, ao pinheiro
E ao mesmo tempo à pastora dançarina:
"Acautelai-vos contra o lobo
Tão sombrio quanto cruel.
Sabei, nem mesmo uma rosa
Na sua inocência virgem
Jamais conseguirá persuadi-lo.
Ele revestiu-se de uma pele branca
E conspira contra os outros lobos.
Não ouçais também os aparentes cordeiros."


Então a fonte, o pinheiro e a pastora dançarina
Perguntaram-me ao mesmo tempo:
"Homem exigente e difícil
A quem haveremos de ouvir?"


Sereno respondo: "Ouvi vossa própria música"."

MURILO MENDES (4)

"TEMPOS DUROS

A aurora desce a viseira:
O momumento ao deserdado desconhecido
Acorda coberto de sangue.

O mar furioso devolve à praia
Alianças de casamento dos torpedeados
E a fotografia de um assassino,
Aos cinco anos -- inocente -- num velocípede.

Alguém parte o pão dos pássaros.
O ar espesso entre os sinos
Empurra o espanto das árvores.

Longas filas de homens e crianças
Caminham pelas mornas avenidas
Em busca da ração de sal, azeite e ódio.

E a morte vem recolher
A parte de lucidez
Que durante tanto tempo
escondera sob os véus.".

MURILO MENDES (3)

"CANÇÃO PESADA


A negra pena
Comprime a alma,
A negra pena
Da massa viva
De dores cruéis,
Do amor que punge,
Da glória inútil,
Sutil serpente
Que morde o peito,
Que enrola o homem,
Constringe-se o todo,
A negra pena
Que se alimenta
De sangue e fel,
Triste cuidado,
Lembrança amarga
Dos impossíveis,
A negra pena
Sem remissão,
Que, morto o homem,
Lhe sobrevive
Em novas formas,
Antiga pena,
Futura pena,
Eterna pena.".

MURILO MENDES (2)

"A MANHÃ


Ninguém sabe se a manhã
Traz promessa de prazer.

Anônimas sanfoninas
Alternam com sábias.


Transformou-se o vento de ontem,
Agora sopra sereno.


Sai um homem para o trabalho,
Saem dois, saem três, saem mil
Pensando na volta.
Ontem não havia
Aquela roseira em pé,
E a carícia d'agora
Desapareceu no ar.

Os braços espantam
Os restos da noite.".

MURILO MENDES (1)

"POEMA ESTÁTICO

Vestir a couraça do céu
E caminhar vigilante
Mesmo na música.

Ternura, doce rigor,
Alguém acende meu ombro.
Até o silêncio (cristal) pesa.

Confronto-me com o sexo e a sombra.

Formas esperam
Nossa cooperação
No campo fértil
Da funda morte,
Da vida envolvente
Sempre a crescer.".

A prata

descubra a prata
o aço
a
asa
o ouro
sorriso maroto
do outro
descubra o norte
se cobre
descobrir

Verd(e)ades

...fragmentos de palavras...
mentol
eucalipto
fixo em mim verd(e)ades

No ar

...não sei explicar
não quero explicar
apenas sinta
a música

retintos

...chega uma hora em que o vento da praia é a única música possível em meus ouvidos retintos de sangue

Casas caiadas

...é como se quisessem nos impedir de realizar algo extremamente importante para nós outros os outros não admitem os escombros e por isso não constroem casas caiadas

Solar

nuvem branca
espuma branca
areia branca
cabeça branca

vida solar

Verde

se mal me reconheço em mim
como conseguir ver-te
outro
outra
verde esperança é que me move

Parte

as palavras são fáceis
difícil é aprisioná-las e torná-las parte de ti

Poetas Portugueses 7

Maria Alberta Menéres, no poema sem título do livro Água-memória:

"Parece igual a flor

mas já não é.

De corpo decepado, ainda a cabeça move

toda a graça!

Só amanhã secará.

Aguentasse um dia a nossa esperança,

um dia apenas de cabeça viva

e corpo decepado,

aguentássemos nós a vida em nossos olhos

depois do corpo morto,

e em nós começaria a eternidade.

mas a seiva que ilude a bela flor

é mais forte que o sangue verdadeiro."

Poetas Portugueses 6

João Rui de Sousa, em:

"AZUL PELA PEDRA

A palavra azul é pela pedra:

pela dureza que vai de seixo

ao centro da montanha,

que vai de um paralelepípedo

aos húmidos rochedos que se ouvem

(porque nos falam) frente ao mar,

frente à pedra que é só pedra,

frente às paredes de gelo

que se transformam em pedra

ou num vislumbre de pedra.

A palavra é azul pela pedra:

a que se contempla, a que se retira,

a que se guarda,

a que se parte e reconstrói.

Azul sobretudo

pela pedra que nos fere e cega

pela pedra que dói.".

Poetas Portugueses 5

António Maria Lisboa, com:

"POEMA

Para o Mário Cesariny

Moveu-se o automóvel --- mas não devia mover-se

não devia!

Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:

primeiro um, depois outro e outro:

o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro

Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam

Pregões de varina sem peixe

--- o peixe morreu ao sair da água

e assim já não é peixe

Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.".

Poetas Portugueses 4

David Mourão Ferreira, em:

"CASAS CAIADAS

Por entre casas caiadas

de luar e de silêncio,

paira no meio da estrada

a poeira de outros tempos...

Por entre casas caiadas,

mas com desgraça por dentro

(ó varandas enfeitadas

com trepadeiras de vento!),

algumas desmanteladas,

de apodrecidas empenas

(todavia nos telhados

antenas e cataventos...),

por entre casas caiadas,

por entre casas (Silêncio,

que ronda o medo da estrada

em automóveis cinzentos!)

há jorros de luz salgada,

há torrentes de veneno...

E dentro daquelas casas

quando foi que nós morremos?".

Poetas Portugueses 3

Pedro Homem de Mello em:

" MARÉ VASA

Expulsos do governo da cidade,

Descalços, pela noite, vimos todos

Restituir-Te, à flor dos nossos lodos,

A dádiva suprema da verdade.

Nós, o amor, ou antes: a pureza.

Nós, a virtude, ou antes: o sorriso.

Expulsos do terreno paraíso

E com a carne, para sempre, acesa.

E não foi mais que sonho o nosso crime!

E não foi mais que sonho o nosso abraço!

Mas todos Te seguimos, passo a passo,

à espera do remorso que redime...

expiação de quê? De que pecados,

Se demos rumo eterno a tantas vidas?

Ó capitão das tropas esquecidas

Que, assim, deixas morrer os teus soldados!"

Poetas Portugueses 2

António Manuel Couto Viana, com

" O AVESTRUZ LÍRICO

Avestruz:

O sarcasmo de duas asas breves

(Ânsia frustrada de espaço e luz,

De coisas frágeis, líricas, leves);

Patas afeitas ao chão;

Voar? Até onde o pescoço dá.

Bicho sem classificação:

Nem cá, nem lá.

Isto sou (Dói-me a ironia

-- Pudor nem sei de quê).

Daí a absurda fantasia

De me esconder na poesia,

Por crer que ninguém a lê.".

Poetas Portugueses 1

"GOTA DE ÁGUA

Eu, quando choro,

não choro eu.

Chora aquilo que nos homens

em todo o tempo sofreu.

As lágrimas são minhas

mas o choro não é meu.". (António Gedeão, em Movimento perpétuo)

"MANHÃ

Como um fruto que mostra

Aberto pelo meio

A frescura do centro

Assim é a manhã

Dentro da qual eu entro". (Sophia de Mello Breyner Andresen, em Livro sexto).

PESSOA SOA (Poemeu)

Pessoa soa

entoa

nossas dificuldades

nos transforma em moscas

na sopa

de angústia e incompreensão

espremida

pelo seu eléctrico gigante

de coragem e lucidez

Lúcifer

acidez

clara visão e compreensão

de nossa dimensão humana

escarro esgoto putrefo

não escrevo em Português

escrevo em pessoa

(peçonha)

pessonhez

aridez do sertanejo que ainda mantenho

fingimos desconhecer nossos enredos

Pessoa criou-nos na escrita

e por isso vive!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

PESSOA SOA (9)

"Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema de imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

"Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo." Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.".

PESSOA SOA (8)

"Que de Infernos e Purgatórios e Paraísos tenho em mim -- e quem me conhece um gesto discordando da vida...a mim tão calmo e tão plácido?

Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.".

PESSOA SOA (7)

"Deus criou-me para criança, e deixou-me sempre criança. Mas por que deixou que a Vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mãos tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas compridas? Se eu não poderia viver senão acarinhando, por que deitaram fora o meu carinho? Ah, cada vez que vejo nas ruas uma criança a chorar, uma criança exilada dos outros, dói-me mais que a tristeza da criança o horror desprevenido do meu coração exausto. Doo-me com toda a estatura da vida sentida, e são minhas as mãos as bocas tortas das lágrimas da vida adulta que passa usam-me como luzes de fósforos riscados no estofo sensível do meu coração."

PESSOA SOA (6)

"O campo é onde estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo.

A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final.

O milagre é a preguiça de Deus, ou, antes, a preguiça que Lhe atribuímos, inventando o milagre.

Os Deuses são a encarnação do que nunca poderemos ser.

O cansaço de todas as hipóteses...".

PESSOA SOA (5)

"Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há coisas da seriedade da vida que podemos aprender com charlatães e bandidos, há filosofias que nos ministram os estúpidos, há lições de firmeza e de lei que vêm no acaso e nos que são do acaso. Tudo está em tudo.

Em certos momentos muito claros da meditação, como aqueles em que, pelo princípio da tarde, vagueio observante pelas ruas, cada pessoa me traz uma notícia, cada casa me dá uma novidade, cada cartaz tem um aviso para mim.

Meu passeio calado é uma conversa contínua, e todos nós, homens, casas, pedras, cartazes e céu, somos uma grande multidão amiga, acotovelando-se de palavras na grande procissão do Destino.".

PESSOA SOA (4)

"...Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa. Pode conceder que essa pessoa seja viva, que sinta e pense como ele; mas haverá sempre um elemento anónimo de diferença, uma desvantagem materializada. Há figuras de tempos idos, imagens espíritos em livros, que são para nós realidades maiores que aquelas indiferenças encarnadas que falam connosco por cima dos balcões, ou nos olham por acaso nos eléctricos, ou nos roçam, transeuntes, no acaso morto das ruas. Os outros não são para nós mais que paisagem, e, quase, sempre, paisagem invisível de rua conhecida.

Tenho por mais minhas, com maior parentesco e intimidade, certas figuras que estão escritas em livros, certas imagens que conheci de estampas, do que muitas pessoas, a que chamam reais, que são dessa inutilidade metafísica chamada carne e osso. E "carne e osso", de facto, as descreve bem: parecem coisas cortadas postas no exterior marmóreo de um talho, mortes sangrando como vidas, pernas e costelas do Destino.

Não me envergonho de sentir assim porque já vi que todos sentem assim...".

PESSOA SOA (3)

"A maioria dos homens vive com espontaneidade uma vida fictícia e alheia. A maioria da gente é outra gente, disse Oscar Wilde, e disse bem. Uns gastam a vida na busca de qualquer coisa que não querem; outros empregam-se na busca do que querem e lhes não serve; outros, ainda, se perdem...

Mas a maioria é feliz e goza a vida sem isso valer. Em geral, o homem chora pouco, e, quando se queixa, é a sua literatura."...

PESSOA SOA (2)

"A experiência directa é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Lendo os riscos que correu o caçador de tigres tenho quanto de riscos valeu a pena ter, salvo o do mesmo risco, que tanto não valeu a pena ter, que passou.

Os homens de acção são os escravos involuntários dos homens de entendimento. As coisas não valem nada senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.".

PESSOA SOA (1)

"Publicar-se -- socialização de si próprio. Que ignóbil necessidade! Mas ainda assim que afastada de um acto -- o editor ganha, o tipógrafo produz! O mérito da incoerência ao menos!".

"Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.".

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A massa

provoco provoco provoco terremoto enrosco enrosco enrosco toco te toca arranha arranha arranha sobrevive da árvore que já se foi entorto entorto entorto palavras uma cidade um sentimento invento invento invento cantigas de amor de amor de amor não importa qual a massa há massa amassa macarrão não temo nada porque sei sabes sabe sabemos sabeis sabem que vamos morrer

falso arrogante

o falso humilde
se cala
mas se tivesse vara
saltava
o mesmo pulo do falador
que passa por arrogante por não ter medo de errar por suportar as próprias falhas

M í s s i l

para quem está parado
movimento é risco
movimento é vício
movimento é míssil
movimento é suplício

Pequena alma

intensa briga com as palavras todo dia fico perplexo diante da tela em branco como não sou pintor não me preocupo com a mistura de tintas em compensação das cotidianas palavras tenho que fazer meu ganha pão de olhares desconfiados pelo pouco tempo no ofício ninguém acredita no talento sacrifício de matar um leão por dia disso tenho a mais absoluta certeza tenho que fazer mais e melhor tenho que fazer do suor cereja provar que vermelho é cor agradável de ser lida de ser vivida tudo vale a pena quando há alma mesmo alma pequena

Credos

O que é o amor
se não uma sucessão de credos
uma ilusão num deserto
uma amarração de brinquedos
uma declaração de princípios
o amor
nada mais é
do que querer
nada mais é do que ver no outro você

De onde?

onde estão aqueles instantes em que conseguia acreditar em algo que não sei mais o nome?
onde estão os homens que salvariam o mundo das chuvas e da incompetência humana?
onde estão os momentos em que adolescentes crentes no amor faziam juras e se tornavam eternos num pedaço de árvore?
onde estão as mangas que eram roubadas nas últimas árvores do último terreno daqui do bairro?
onde estão os Romários
baixinhos metidos que resolviam os problemas do time do meu pai?
onde estão os tais que são amigos dos amigos dos filhos que teriam e ficam preocupados em postar a última besteira que fizeram nas férias?
onde estão as letras que caberiam numa declaração de amor?
De onde vem o meu pavor?

Tremor

a verdade que trago
não abafa meus defeitos
sou humano e temo
temo o preconceito
temo a morte
temo a vida sozinho
temo o passarinho
que sem ninho talvez precise de mim
temo o não e o sim
temo o temor que tenho pelo meu fraco desempenho
quando alguém olha em volta e só me vê
temo porque temer é mais fácil do que fazer

O MITO

Nosso maior defeito é não sabermos ouvir opiniões contrárias nos fechamos em nossos achos e não queremos mudar de conceito sobre os outros sabemos tudo até a cor dos pelos escondidos de nós mesmos não vemos nem nossas intrigas contra nós mesmos e tememos palavras que são só palavras Deus Diabo morte aborto multidão as sombras nos fazem lembrar das cavernas que trazemos em nós como neandertais e talvez não cresçamos justamente pelo temor da descoberta
(tememos as cores de fora da caverna)

Antídoto

olhos de menino
sinto
sinto muito
poesia é antídoto
contra tudo que não seja a favor
poesia é o fruto do amor
próprio também
copos de veneno
não me darão nem sono
soco no padrão de comportamento
alheio às mudanças de temperamento
poucos acreditam em si e por isso se espantam
muitos preferem jogar a culpa do gol no goleiro e por isso não conseguem entender pensamento diferenciado culpar o árbitro é mais fácil mais conveniente não entender que na mudança há ira, raiva e desconfiança e que tudo na vida está em processo só há passos para quem anda quem fica parado é quem acha algo de alguém

domingo, 23 de janeiro de 2011

4 de julho

Nascido a quatro de julho mas não nos Estados unidos na doença do primeiro e doente filho meus pais não esperaram e continuaram parindo mais dois filhos estavam vindo e a vida continuava seguindo na sua constância as surpresas são esperanças e levaram meu avô o cobertor era curto e o frio nos unia e todo dia todo dia três crianças e a alegria impedia a rotina aos dez aos oito e aos sete mudamos para o Ingá novo bairro primeiro grande desafio se esforçar em encontrar novos amigos vizinhos senhores hoje falecidos colégio faculdade emprego vi meu irmão falecer aos 32 anos a vida começou à vera vida fácil só nos livros de capa e espada onde homens resolvem os problemas na marra e por isso muitos recorrem à cana a mardita insana água que passarinho não bebe faz sorrir diminuí o sofrer e por ter aprendido a escrever cá estou num relato conciso consigo prender as letras no seu devido lugar apesar de saber do vazio com que são recebidas continuo porque é imprescindível continuar

DESTERRO

...é desterro...
segredo inteiro
guardado
pesadelo
e o zelo
em tê-lo
refresco
(de urticária)
humilha
amassa as letras
em palavras
(guardadas)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PULO

deitadas
longe da areia
esverdeadas
montanhas
aquecem meu olhar
o branco das ondas
encapelam minhas sombras
das nuvens vem a chuva
pingos azuis
de orgulho
pelo pulo
que dei no mar

NADO

...ondas são declarações...
poemas não escritos de homens que não
tiveram tempo de observar o mar
e se emocionar com a constância
de sua grandeza
realeza é se acostumar
à essência de sal
tempero da vida
vida que desprevenida
abre-se para mim em
sorriso de avenida escancarando-se
em opções
poções
de lágrimas mágicas sensações
de poder salgado escrever com
lápis palavras doces ventiladas
coloridas pelos guarda-sóis
lembrando-me dos desates dos
nós estamos vivos
e devemos nadar sem pensar em nada

O NADA

...vendo o mar
raiva do vento
que me lembra seu cheiro
as estrelas do mar dançando
nossa música
o agarro da areia são seus beijos
e o vento não me solta
pipas colorem minha solidão
há então
um momento em que
assobio olhando o nada
e o nada sou eu

TESTEMUNHA

quero perceber o tempo
passando
(passado)
vento no arvoredo
espalhando
(empalhado)
frutas
antes vermelhas
gotas de orvalho
fazendo o carvalho de testemunha
de nosso choro passado

QUEIMA

o fogo e a rosa
juntos queimando
são extinção
olhos e lágrimas
juntos chorando
são histórias
passadas
vividas
mágoa e lembranças
juntas queimando
são palavras
de fogo
queimando
rosas
sozinhas
histórias

A sombra

A sombra
daquela árvore
testemunha das ondas da praia
recolheu nossos olhares
(apaixonando) (beliscando)
dois habitantes da cidade
desacostumados com a areia
nos arranhamos até o tempo arritmado
nos deixar a sós
com nós mesmos

Costura

Às cegas
desenrolei um novelo
e por tê-lo
fiz uma camisa de tinto sangue
pingos de diamantes
como botões
me detive nos acabamentos
mas
sem tempo de costurá-los
pintei-os
no estrado da cama
para não esquecê-los
vendo estrelas

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Poça

a água da piscina
tinge
meus cabelos de azul
de solidão
o inferno na terra está cheio
estou cheio
de gente que fica olhando o rabo dos outros
e não encontra o fio da própria meada
estou cheio de água parada

Indeciso

consciência plena da única coisa certa
consciência plena da morte
alguns parentes amigos já se foram e nada mudará essa situação
não saber o que queremos nos incomoda pela consciência do tempo
e o tempo passa muito depressa e a pressa é inimiga da perfeição e qual será nossa ação qual direção tomar? com quem conversar? o que nos fará aproveitar o indeciso tempo que virá?

Alpinistas

Não somos pássaros
somos rocha
não queremos voar
queremos nos fixar
pétrea cor
rosácea dor aliviada pela altura de nossos desejos...
coragem
é agir no instinto sendo planta
verde vontade leve como pássaros
roxa
como rocha


Fortuna

fazer do lixo
flor
fazer do cinza
cor
fazer do átomo
cultura
fazer do escracho
fortuna

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Decência

...valas...
palavras
resvalam
valem
o peso daquilo que conceituam
atuam em nós como talismãs
imãs
unem ou afastam
dependendo da polaridade
fáceis de serem faladas
difíceis de serem escritas
e ditas podem mudar nossa direção
e são nossa consciência, quando nos punem
e são nossa decência, quando nos nutrem
e são nossa decadência, quando nos escondem
mas sempre são
sempre serão

Território

cansei de me fazer entender
agora
apenas quero ficar a olhar o mar
suas marés
sua constância
seu azul do céu
réu
não mais
cansei de tentar fazer alguém entender algo que está fingindo não ver
cansei e me acostumarei a ser rei do meu próprio território mestre de prestar atenção em mim

Os dados

voo em palavras abro asas não sei aquilo que sai na hora o teclado é minha única testemunha unha atrapalha a digitação expansão contração ação não não quero saber sua opinião infelizmente me treinaram a não escutar se tivesse dado ouvidos não teria começado todos quando quebramos paradigmas somos os errados infelizmente mentem para todos nós podemos quase tudo mas nos tratam como retardados e os dados jogados acertam o alvo por que então?

Céu cinza

dedinhos juntinhos
formam uma mão que faz cosquinhas na pretensão de uma vida menos inconstante inconscientes palavras voando pela expansão de um temperamento cheio pleno de ar onde há um lugar em que possa beijar a testa de um filho rico em coragem imensidão que nem um céu cinza vai apagar

Construção

o risco é inerente
viver é preciso impreciso é amar
o mar às vezes magoa
cai em chuvas nefastas
normalmente negamos quem somos
o que queremos
para onde vamos assim?
normalmente deixaria de escrever
se fosse normal não teria começado
sei da potência do aço e faço transformo lágrimas em riacho e caço palavras pela sensação de descobri-las e rio disso e daquilo das opiniões contrárias nefastas na sua própria solidão de palavras paradas sem escorregar em lições dos que sabem que estão errados mas fazem e partem do nada para a construção de suas vidas

domingo, 16 de janeiro de 2011

Gauleses

o que os gauleses temiam ocorreu
do céu choveu
terra e pedra
do céu que era meu
nosso mundo se perdeu
se rendeu
aos desígnios de Deus
Sua ira
nos mostrando nosso tamanho de formigas
nos mostrando que podemos por isso tentar
pois no fundo nada importa
só a vida


É POESIA

Resgate da humanidade perdida
declaração da própria alforria
risada de palhaço antes de entrar no picadeiro
amistosa realização dos próprios desejos
cafuné a tarde vendo televisão

tudo isso é poesia

Bolhas

sigo
seguindo
bolhas
nos meus pés
são instintos
uma dor atrás da outra
preciso me esquecer
de qualquer coisa
esquecido de entender
palavras
escrevo
para fazer-me entender
é só isso

PRECONCEITOS

desculpem
é difícil
chorar
entender palavras que machucam é um sacrifício
poucos tentam
poucos ousam tentar
a maioria se fecha em suas certezas
preconceitos
são conceitos de quem não sabe escutar


HULK

as letras sozinhas
não têm força
entretanto
quando começam
a formar palavras
são
transformadoras

Carnavais

fantasmagóricas certezas
de carnaval
passaram por aqui
em vendaval
roupas coloridas
pestanas insanas
canas caianas
valenças
de alceus
onde estão os orfeus
os moreiras
os carlinhos
onde estão os passarinhos
onde estão os carinhos
onde estão nossos antigos carnavais?

A Praia

a praia
parada está
solitária está
com areia está
com coqueiros está
com mendigos está
com sujeira está
com cartazes está
com rapazes está
sem você

sábado, 15 de janeiro de 2011

TRAGÉDIA

...tudo isso já não tem mais sentido...

morros caindo
montanhas virando rio
enquanto governantes aparecem
e desgovernados
tentam manter-se intactos
tentando iludir
os que ainda tiveram chance de continuar a existir

POESIA BASCA ANTIGA (2)

De Etxahun:

" Uma pomba

Triste, na aldeia, uma pomba está,
em sua vil gaiola a chorar,
porque o amado a abandonou:
devei-la, amigos, bem consolar.

Oh! existência penosa em mim!
Não há no mundo alguém triste assim,
como eu, traída por seu amado;
não te aproximes, amor, de mim.

Que eu te traí, dizes; nós dois já
nos entendemos: sempre será
teu o meu corpo, mas pela vergonha
da família é que te hei de deixar.

Ó traidor, que foste dizer?
Nunca te cansas de me ofender?
Bem te aproveitas de que sou fraca,
de quem és filho logo se vê.

Quero em segredo, amor, te rever,
os meus anseios esclarecer;
te amei de todo o meu coração,
mas vou deixar-te, e hei de morrer.

A minha cova quero cavar
pra que o meu corpo triste se vá,
pra que desfrutem meus inimigos:
mancomunada com eles estás.".

POESIA BASCA ANTIGA

De Bilintx:

"Último verso

Pensei assim comigo
quando te vi um dia:
essa sim é que é
uma moça bonita!
Como somos solteiros,
se quisesse ser minha,
qual amo pai e mãe
eu tanto a amaria,
inclusive até mais
que a minha própria vida.".


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Fuligem

a lenha queima
a fuligem finge que é cinza
o cinza é o preto sem palavras brancas
sem exatas plantas sem ter com quem conversar a lenha dá vida à fogueira
nos dá oportunidade da sombra
monstra mania de nos queimar em palavras

Divisa

pisado no asfalto alço mira em seus pés pintados de ocre sorte achar algo interessante em olhares de instantes incessantes passantes que teimam em não saber a direção e desconfiam de mim que sei o que quero e assumo o que quero e quero com a ingenuidade de uma criança chorando pela chupeta experiência divina e divisar a possibilidade do êxito

O próximo

...como se alguém estivesse interessado em outras vidas...

não adianta
fomos treinados condicionados a não gostar do trabalho e portanto não nos restou alternativa só inventando uma vida facebook orkut msn são só alavancas óbvias de nós artistas da nossa própria vida o paradoxo é que ninguém está disposto a fazer sala para a visita

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Combinações

...e a vida segue pequena e finita segue linda porque com poesia entendam não há como parar de vivê-la e tê-la todo dia é minha maior emoção ao acordar rio e procuro o mar para começar a embalar meu dia de azul o fundo da piscina limita meus sonhos pinta de azulejos brancos o tanto de imagens que trago afinal de contas poetas são pintores frustrados e esses são poetas das tintas infinitas nas suas combinações

Bruxas

não posso errar aprendi a trabalhar assim minha profissão me deixou cascudo sento de cotovelo enxugo parafuso é duro mas a realidade é desse jeito sem choro nem vela nem fita amarela sem ela é punk muito louca essa vida que se apresenta no seu ritmo próprio quem diz ser fácil vivê-la crê em duendes bruxas e outros animais de ficção crê que o céu é para balão esquecendo-se da bucha esquecendo-se que sempre vem chuva ácida mania de ter consciência

O vento

...o dia que quiser ser livre
se prenda aos seus desejos e voe olhe o arvoredo de cima exprima seus sentimentos em palavras ou em qualquer outro instrumento o vento é parte fundamental do movimento

Tentativa

os que não sabem o que querem
se ofendem
por eu saber
querer
poesia e música

Ficam impressionados com a possibilidade de não conseguir e esquecem que o mais importante é tentar

à liberdade

à liberdade

não abafo
as palavras
num poema
ficam
porque sabem que são necessárias

(poderiam voar se quisessem)...

P.P.

"...você é poeta?!
gosta de sonhos?!" (ouvido no trabalho).

sim, sonho
o sonho do próximo passo...

Escrevendo...

Continuo escrevendo muito. Não poderia ser de outro modo. Penso, logo escrevo. Óbvio! Percebo as coisas, porque sempre quis perceber, não desconheçam a força do querer. Se ainda não sei, espere, em dois meses você vai ver...Até pouco tempo não havia me dado conta dessa característica, que agora, acho, me define. Há uns seis meses decidi conhecer o trabalho dos grandes poetas...Posso dizer sem exagerar que devo ter lido, nesse período, uns trinta livros de poesia e todos me ajudaram a melhorar ou pelo menos entender melhor o que escrevo e olha que continuo escrevendo muito.

Regra

coragem e humor
são dois dos predicados
que nos tipificam
bravos e sorridentes
entredentes
se diz
a verdade
se rega
a semente
que pode virar
flor ou árvore
regar e esperar
dois predicados
que deveriam nos qualificar

Fantasma

...em terra de cego
quem tem um olho é Rei
em terra de desdentado
quem tem um dente
sorri
em terra de desalmados
quem tem alma
é fantasma

...e ouso

inibidor, por conviver com a pretensão
de viver desinibido
a libido é hino ou de fino
trato?
acho
que inibo porque faço
é mais fácil esperar para me criticar
se o crítico soubesse faria não ficaria escondido atrás de citações codinomes escudos em desuso
sou Deus e ouso

A-M-O-R


...por onde começar...mais um poema...já não me importam mais os números...já me vejo com lugar garantido entre os que souberam olhar e do espelho retirar algumas palavras...quebrados no chão ainda estão alguns cacos de vida de vidro faço uma taça para comemorar a vitória de ainda estar aqui...escrevendo vendo e sofrendo tudo que deveria tudo está escrito? ou ainda posso inventar novos passos nessa dança de vida? acredito em Deus ou no poder da ciência? uma coisa anula a outra ou só inventando Deus conseguimos explicar nossa existência entre bilhões de estrelas? quem disse que não somos uma, cadente? um cometa? um entredentes de insignificância, resto de pólvora perante uma estrela-guia, que só acende ajudado por uma mãozinha do fósforo criado por quem? adivinhe? ganha um doce quem soletrar a primeira letra da palavra que nos define

FASES (5)

Lendo o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa entrei na fase dos tijolões, poemas sem pontuação e um pouco mais alongados do que o meu normal. Aí fiz: ALFINETE e A-M-O-R.

ALFINETE

Não tô nem aí se remete a Saramago se às vezes lembra Pessoa estou aqui afogado em loas não quero medalhas sei o tamanho do alfinete estilete entre os dentes esse é meu nome os que sabem que não sabem não escrevem por não terem coragem e eu sabendo que sei escrevo sobre o que não sei não me vejo à toa nesse mundo midiático em que a performance é medida mais pelos amigos de bar do que pelo tamanho das letras em todos os lugares é isso que faz funcionar a engrenagem nunca direi nada contra isso ao contrário quero descobrir para que lado é a maré e surfar de pranchão não tô nem aí para sua opinião vou fazer de qualquer jeito já aprendi nado de peito no leito deito e tremo a mão de frio não me importo aprendi a escrever com calafrio não preciso das condições ideais quem os tem? Comigo é no ferro! passar bem

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

JABUTICABAS


Jabuticabas

Caídas em mim

Deixaram marcas

Ranhaduras

Severas

Escassas

Qualidade rara

Machucaram a negra pele

Mostraram o branco dos olhos

Esparramaram remorsos

Ficou no ar perfume de saudade

FASES (4)

Também fiz alguns poemas em homenagem, à minha mãe, o NOITES MAL DORMIDAS, e à minha avó, mãe da minha mãe, o JABUTICABAS, porque aos quinze anos viajei com ela para Minas Gerais.

NOITES MAL DORMIDAS

Noites mal dormidas

Por amor

Noites mal dormidas

Por cuidar

sem se incomodar

com nada

Noites mal dormidas

Sem se levar em consideração

Como agradecer

A quem se preocupou

Sem se importar

Em estarmos juntos

No futuro

Como agradecer

Às noites de sábado mal dormidas

Sem estarmos nos amando

Os domingos pela manhã

Com atenciosos beijos e abraços de saudade

Agradecer

À pessoa

Que me fez chegar

pensando

é o mínimo

é muito difícil

assumir

o amor incondicional

peço perdão se demorou

mas

antes tarde do que nunca

Mãe, te amo!