terça-feira, 31 de julho de 2012

Guernica 2

Preciso da arte, porque preciso da vida. Arte é mistura de dor, consciência, controle e pequenas alegrias, chamadas de felicidade. Por isso crianças e loucos nunca serão artistas, pois produzem, sim, mas produzem sem controle da direção pretendida, sem consciência da dor do fazer e só com alegria.
E é da dor do fazer com direção que nasce a cicatriz do artista, nomeada pelos outros como obra de arte.
E os outros são os que nos dizem o que fazemos, por vezes, são os que identificam o tamanho da nossa intuição, chamada por eles de dom.
E seguimos juntos, todos, sendo humanos seres: respiramos, comemos, dormimos, choramos, rimos..vida com emoção própria do movimento, pequena manisfestação do vento interno que trazemos e por ele normalmente sofremos a incompreensão, que é a pressão de uma opinião alheia com base nos seus conceitos, por nós artistas chamados de preconceitos.
Picasso encerrou a nossa andança nas artes plásticas?
Drummond na poesia?
Então, ninguém que está vivo hoje em dia pode produzir um novo Guernica?

Einstein, O homem (fragmento)

Ainda jovem, fiquei impressionado pela máxima de Schopenhaeur: "O homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode querer o que quer".; e hoje, diante do espetáculo aterrador das injustiças humanas, esta moral me tranquiliza e me educa.

Aprendo a tolerar aquilo que me faz sofrer. Suporto então melhor meu sentimento de responsabilidade. Ele já não me esmaga e deixo me levar, a mim ou aos outros, a sério demais. Vejo então o mundo com bom humor.

Não posso me preocupar com o sentido ou a finalidade de minha existência, nem da dos outros, porque do ponto de vista estritamente objetivo, é absurdo.

E, no entanto, como homem, alguns ideias dirigem minhas ações e orientam meus juízos. Por que jamais considerei o prazer e a felicidade como um fim em si e deixo este tipo de satisfação aos indivíduos reduzidos a instintos de grupo.

Em compensação, foram ideais que suscitaram meus esforços e me permitiram viver. Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. Se não me identifico com outras sensiblidades semelhantes à minha e se não me obstino incansavelmente em perseguir este ideal eternamente inacessível na arte e na ciência, a vida perde todo o sentido para mim.

Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava.

Tenho forte amor pela justiça, pelo compromisso social. mas com muita dificuldade me integro com os homens e em suas comunidades. Não lhes sinto a falta porque sou profundamente um solitário. Sinto-me realmente ligado ao Estado, à pátria, a meus amigos, à minha família no sentido completo do termo. Mas meu coração experimenta, diante desses laços, curioso sentimento de estranheza, de afastamento e a idade vem acentuando ainda mais essa distância.

Conheço com lucidez e sem prevenção as fronteiras da comunicação e da harmonia entre mim e os outros homens. Com isso perdi algo da ingenuidade ou da inocência, mas ganhei minha independência. Já não mais firmo uma opinião, um hábito ou um julgamento sobre outra pessoa. Testei o homem. É inconsistente.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

OLIMpíadas

se não sentíssemos se não escrevêssemos pintássemos esculpíssemos
o que seria legado? em tempos de olimpíadas
a piada constante é que aquelas obras faraônicas serão deixadas como legados vá a China e veja vá ao diabo que o parta e veja em todos os lugares depois do sonho acabado o que ficou não foi o legado foram os fantasmas de nossos enganos que queríamos acreditar pois é mais fácil amar não ter opinião e nos deixar levar pela paixão propagada pela ilusão

domingo, 29 de julho de 2012

O homem que anda

A Alberto Giacometti

O homem que anda
desloca-se e acha
a esperança
de um mundo seu
em movimento
seu
em algum momento
chora, rima e planta
sangra
e por isso
não se cansa
de se procurar

pedro

às vezes temo
escrever
às vezes dá medo
e como
e como
e engordo em termos
enquanto pensam
penso e escrevo
enquanto sonham
sonho e escrevo
enquanto acham
não acho
escrevo
sobre tudo
sobretudo sobre o que me aborrece
e olha que quase tudo me aborrece em termos
a consciência é um pedro,
masculino de pedra,
no caminho do poeta
sem segredos

sábado, 28 de julho de 2012

ser

a palavra
é que faz o ato
desata o laço
amarra o cadarço
da própria consideração
a palavra
é de prata
o silêncio
é de ouro
é de outro
ser...

ilusão

sexta-feira, 27 de julho de 2012

OU(t)RO

se
pela respiração
descobríssemos o outro
seríamos ouro
pedaço de tronco
de uma floresta devastada

floresta

A Sartre

Cada homem
todo homem
toldo de
carne, ossos e preocupações
emoções ainda não vividas
folhas caídas de uma árvore,
toda floresta que nos resta

quinta-feira, 26 de julho de 2012

locomotiva

A John Coltrane

(azul trem tenta tecer melodias)

tentativas têxteis tênues tecem de azul
uma rotina cinza
anis
contra
gris
tintas
mímicas de vida
que almeja ser colorida

no quebranto do mau olhado desnutrido
todo azul é para mim um blues
tentado
treinado
em sexo
arriscado
na frequência por vezes sem nexo de uma locomotiva azul

composição

cabelos formados por folhas
servem às copas como proteção
assim as árvores não choram
assim seus
braços, galhos, e
dedos, gravetos
também são
para patas de pássaros
que procuram a mata
e cantam a sofreguidão
de viver num mundo cinza
num mundo sem espaço para as
rimas
rica composição

O poeta

...professa a fé
secreta
de falar
com (o)
a mãe
natureza

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Nietzsche, sobre os poetas

Se, em tudo que faz, ele considera a falta de propósito final do homem, sua atividade assume a seus olhos o caráter de desperdício. Mas sentir o nosso eu exatamente tão desperdiçado como humanidade (e não apenas como indivíduo) quanto vemos desperdiçada a flor única da natureza é um sentimento acima de todos os outros. Mas quem é capaz disso? Certamente só um poeta, e os poetas sempre sabem consolar-se.

sonhos

A Shelley

me olho
no outro
e o
outro
é o esforço
do reflexo
no
espelho
que
quebro
para
ser
pedaços
de
sonhos

argumento

A Nietzsche

consolo-me
adubando-me
de esquecimento
flor única
da
natureza...

argumento

universo

A Emerson

nego a
inação
soprando
forte
o
vento
da morte
inverto
a direção
num
sopro
universo

terça-feira, 24 de julho de 2012

Marco Plácido Brasileiro -- Set List do show do dia 11/08 (Sábado), no CAMBOINHAS MALL, às 22h.



1 -- Desafios;
2 -- Encantadas;
3 -- O Alvo;
4 -- Quase sem Querer;
5 -- Minas;
6 -- Pedra;
7 -- Don't Stop dancing;
8 -- Lilás/Uma noite e 1/2 (com Renata Rubim);
9 -- Contra;
10 -- Complexa Vazão;
11 -- Sweet Sina;
12 -- Brigas;
13 -- Crazy;
14 -- Jaques Som.

INTERVALO

15 -- Little Wing;
16 -- Ainda Lembro/Na Estrada (com Renata Rubim);
17 -- Constelação;
18 -- Sim;
19 -- À Cecília;
20 -- Anunciação;
21 -- Cegos;
22 -- Versos;
23 -- Inútil;
24 -- Truques;
25 -- Papai Me Empresta o Carro;
26 -- A saudade/Blues do Medo.

Bis:

1 -- Malamdragem (com Renata Rubim) e 2 -- Minha Alma.

domingo, 22 de julho de 2012

soda stereo

correntes entre dentes que pretendem amar
mas não sabem por onde começar
esperam estridentes a hora do sorriso fácil
como se xistisse algo fácil numa vida dividida entre fome e incompreeensão
olho o teclado do computador
ouvindo soda stereo e ouço uma língua estrangeira com modos estrangeiros
e já não sou mais o mesmo

cerejos

dói
e como dói
a mania de juntar os dedos
para conversar
mais fácil ficar fazendo cara de estátua
e dizer que daqui a pouco
logo depois
de ver os meninos grandes
irei aprender a me defender dos meus desejos

(cerejos de uma árvore que não plantei)

plantação

nos excedemos em dor
porque nos falta amor
o aroma não é dos melhores
porque não plantamos flor
estamos gris
porque não gostamos da cor
do risco
toda a vida é um princípio
com um fim definido
então
por que
me explique por que
não esquecemos quem somos
e plantamos sonhos?

felinos

o artista
vive dos outros
e para si
sendo assim
nunca será egocêntrico
pois necessita de perspectivas para criar
egocêntricos
são os que sabendo o que querem
apenas ficam se lambendo

bigode


À memória de Carlos Frederico, Café, Fedô, Fred, Fernandes, Fê ou Têtê

me olho no espelho e me desconheço vejo um cidadão que era meu irmão que desconheci porque não estava pronto depois de tantos anos ainda consigo lembrar de nossas brigas do cheiro de nossa discórdia que era do coração meninos grandes e bobos que não sabiam se amar e só a falta mostrou o quanto queria naquele dia te segurar e não te deixar partir mas não consegui como nunca ninguém conseguirá por isso hoje um bigode mexicano me dá um gostinho de te ter mais perto um reflexo seu fora de mim

sábado, 21 de julho de 2012

Descartes, sobre poetas e filósofos

Pode parecer estranho que se encontrem mais opiniões de peso nas obras de poetas que de filósofos. O motivo é que os poetas escreveram por entusiasmo e imaginação; há em nós sementes de conhecimento, como de fogo numa pedra de isqueiro; os filósofos as extraem por meio da razão, mas os poetas as encontram por imaginação, e aí elas brilham mais.

bode

quem diz que não entende de poesia
desculpe
não entende da vida
poesia
é apenas uma manifestação
da solidão sentida
mas
não é solidão de estar sozinho
é solidão de não ser ouvido

sexta-feira, 20 de julho de 2012

esperança 2

por que
um poeta criança
tem medo de brincar com
uma criança poeta?
será que ele tem medo de se ver criança, de relembrar a infância, teme a fácil esperança no olhar que já não tem?

safira

sue
sua solidão
é única
a minha
a mim me pertence
cada qual com um anel de presente
sabendo que não há atraso
porque não há prazo
para descobrir-se
colorir-se
diatribe
simples
mal-criação de quem
ignora
ignorar
a safira da vida

barbante de algodão

laços
são sapatos amaciados
por passadas dadas
em antigas datas
são
amarração
em presentes
desejados
pela emoção de continuar
são frutos
futuros
da amizade
presa
em barbante de algodão

(doce ilusão)

angústia (revisitado)


algo

marca as linhas de meu rosto

e transforma sorrisos em risos forçados

e em acre identifica meu paladar

não sei explicar

mas insiste em me machucar

produz gotas de palavras

e me induz a fechar os olhos, nunca mais tentar e esperar...

nublado

simples assim:
o sol desperta em mim
soluções criativas
letras meninas
queimadas
por uma retina fria cansada de um dia nublado de desafios

céu

quando percebi que tempero
é sinônimo de desespero
passei a me desesperar
exasperar vontades
como aquela que estava esquecida havia alguns anos
com o cheiro das areias de Copacabana
que eu nem sabia mais qual era
mas se existiu tinha razão de ser
desesperadamente lembrada e ouvida
colhida
num céu, meu, de recordações

quinta-feira, 19 de julho de 2012

salada

sim            sintoma         sobrevive
sóbrio       sabor             sério
sérvio       só                   satisfação
sólida       suficiente      símia
sulista      suína              salsicha
serve        salmonela      salada

sabor

tenho
duas joias
dois olhos que vêm
raros
luares
sacros
tardes

noites
raras
sacras
tardes
que veem

sabor

opacos

não há temor
o que há é a angústia
da dúvida
de como se dará o quando
de quando o amor começa e acaba
se é que acaba
mata?
a floresta foi morta
as flores estão sendo
nossos olhos também...

(o que me assusta na idade é a opacidade...)

Sérgio Suzano, 4 x 1



O homem corre

Corre freneticamente

Ele está tenso, concentrado

Nem olha o cronômetro

A sua passada é o seu relógio

O tempo, seu inimigo.

E sabe que não pode falhar

Pois à frente outro o espera

Apesar de transpirar confiança

O medo das barreiras o consome.

Assim ele esquece que, caindo

Alguém tentará levantá-lo

E, sendo impossível

Seguirão de onde parou.


Porque nesta corrida

Mais importante que cruzar em primeiro

É que o bastão passe adiante

Com honra

Pois a pista é longa,

E o destino

Incerto.





Sergio Suzano, músico e poeta.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

carência

e se tudo explodisse em azul se o mundo explodisse em azul
explodiria junto
marcaria em tinta
olhos de mar a vista
sonhos pintando a vida real, de azul
e aí não precisaria de um blues de um poema
de uma obra de arte que morde a carência de azul

terça-feira, 17 de julho de 2012

Claridade:saudade

A Debussy


a claridade da lua
ofende meus olhos
magoados pelo sal da idade
também conhecido como
saudade

Ah!, se a vida fosse definida como as teclas de um piano...
Ah!, se a dor da saudade não fosse sentimento insano
como um amo ordenaria que seu cheiro ficasse em mim
que seus beijos me acordassem sempre
que um dó de sim fosse ininterruptamente repetido no meu ouvido

Ah!, se a vida fosse definida como as teclas de um piano...
Não precisaria inventar um clarão de lua para me iluminar
não precisaria rezar por gratidão
apenas um antigo eu te amo seria luar para a inspiração...

perdão

A Daniel Waddell

...e quantos desses filhos se tornarão pais?
e quantos sãos
perdoarão?
e quantos por seus filhos serão?
aplicados
em esquecer
(de)
quem são?

colostro

pode parecer pequeno
mas
esse é modo como me apresento
um poema sincero e singelo
sendo
um gosto do colostro
(do sufoco)
que secreto
que somos
e nos deixamos esquecer
sem esforço

picadeiro

onde estão os outros palhaços?
onde se escondem os risos frouxos de antigamente?
onde estão os narizes vermelhos da meninada?
onde está escondida a graça
se já não a encontro em mim?

isca

tendo a coragem de magoar
um poeta
solta uma letra
num rio de águas
paradas
tentando pescar
uma única dúvida
para lhe alimentar

O outono cai

A Jacques Prévert e Joseph Kosma, autores de Les Foilles Mortes, que em inglês virou Autumn Leaves

bonito
ver a aproximação
de cada músico, poeta
chegando e arranhando a harmonia
e se arranhando na melodia
de uma mesma canção
afinal de contas
todos as canções são as mesmas
como todos são os mesmos poemas

pescador

mais interessado na dor do pescador
do que na dos poetas

...as linhas brutas de um rosto de sol

as mãos calejadas pelos anzóis

a dor de um barco voltando vazio

Gastão Cruz, CANÇÃO OITAVA

Nunca da madrugada não cortara
as areias de amor a espessa proa

Não fora o lume vivo vigiado
o que na proa cega vigiávamos
do amor mas o lume da extensa
erma areia mudada

Porque no lume a treva nunca da
madrugada evitara
o ardente olhar ledo
falsamente
do passado no lume confiado
de areias vivo ou morto aceite errado

Mas vimos claramente do amor
do desgosto a confusa madrugada
nos montes prematura em vão nascer
dos destroços da tarde
e dos últimos rios que cortavam
a terra carregada semeada
de cinzas
a corrente desviada


Vimos em terra espessa a erma areia
mudada e o amor o lume obscuro
do desgosto entregar à madrugada

Que nos falta canção se à tarde
sucedeu da manhã a cinza escassa
e já nem passam rios
na madrugada errada

cantinho


não aceito sombra
o som certo sempre será sincero pensando borro de tinta uma pétala
canto o encanto de ter percebido que um canto é um grito um apito de índio e num país de índios quem faz é menino de circo

som bras

é imperfeito meu modo de pensar
mas é meu
tem fé
tem pé
tem chá
tem tanto de teu de meu de cabelho, pentelho tem de tudo
tão tonto
em tentativas torpes
que coloco um som e me recolho em sombras

excuse moi

quero começar a falar
quero começar a falar frânces
mas não me sinto tentado a
tentado a suportar o ônus de ter o que falar

limão

fecho os olhos para escrever aquilo que já está em mim vivido apertado acelerado em mim
no meu ritmo rio de tudo isso de títulos dos meninos que temem o precipício sem saber que não há outro chão não há limão só há ilusão e então iludamo-nos sorrindo

nordestino

do sofrimento vivido
saem poemas
iludidos na possibilidade
se acreditar na impossibilidade
não há arte
não há faca
que acabe com a angústia de existir
sabendo que
a qualquer momento o momento virá

um poema

uma visão
que bate, rebate
uma opção
que arde, enfarte
uma possibilidade
que mate, acabe

segunda-feira, 16 de julho de 2012

surdo-mudo

onde está a falta a fala que me leva às palavras um surdo-mudo não poderia parar de escrever pois o silêncio vento de areia de praia é praga me impede de viver só consigo escutar com os ouvidos da alma

expiração

rio do ritmo que me impus
supus que o pus sairia facilmente
(daonde?)
frequentemente
um fluxo descontínuo
me arritmia
me desvia de mim
me vicia em dados
forjados
por uma cabeça
dispersa
dislexa
a sorte
(se é que ela existe)
é contar a quantidade de inspiração
para poder logo após
expirar

Gastão Cruz, ESCASSEZ

Esta cantar dos anos de pobreza
diferente da vida e tão diverso
do poderoso som da esperança

por entre os dentes vis de que se nutre
a sua boca
sopra da aflição a turva música

Este cantar dos anos que a mudança
do canto fez diverso da esperança
é um canto de esperança enquanto canta

Às vezes despedimo-nos tão cedo
que nem lágrimas há que nos suportem o
peso da voz à solidão exposta
ou
de lisboa no corpo o peso triste

Às vezes é tão cedo que nos vemos
omitidos
enquanto expõe
o peso insuportável do amor
a despedida

É tão cedo por vezes que lisboa
estende sobre os corpos o desgosto

Com os dedos no crãnio despedimo-nos

Gastão Cruz, ADVERTÊNCIA

A boca equivocada é a
dos versos
oculta na folhagem da linguagem

Novamente se enreda
no abrupto
crepúsculo de folhas esmagadas
a fala restaurada

Gastão Cruz, TRANSE

Num tempo neutro acordo
entre a noite e o dia
sob um céu ilegítimo comndensa-se
a mudança
Nuvens totais exprimem
a presente longínqua
madrugada
as aves sobrevivem na queda
ao
tempo branco

Acordo sob um céu sob o tecto
dum quarto
É uma imagem pobre uma velha
metáfora No exterior porém
das paredes toalhas além
dos vidros turvos de nuvens
apagadas
agride-me a imagem invisível
opaca
da madrugada externa
que
no dia se espalha
como uma norma espessa
uma neutra linguagem


O céu é como um poço como um mar
como um lago
comparações banais mas as mais
eficazes onde aves
como peixes
transitam lentamente errando
nas palavras

Procuro aodrmecer
O silêncio do
dia inutiliza a vida
Provavelmente nada
mudará ou talvez
tudo tenha mudado há muito
ou vá mudando
sob o lago do céu onde os
peixes descrevem
ilegítimos voos como velhas
metáforas

Gastão Cruz, DOZE VERSOS PARA RUI BELO

Fizeste de setembro a casa errada
Setembro está vazio
Setembro era o teu mês e conhecias
de setembro melhor o leito frio

do que o chão do verão
homem da tarde ou mesmo dessa noite
procurada em meses vários porém nunca
tanto como diante da ameaça

das folhas Vi a lava
de agosto no teu rosto
Reconheceste a terra estás deitado entre
oliveiras nada te ameaça

Gastão Cruz, SOB O CÉU DOS OLHOS

Ondas da água imaginária
molham-te o sono
como um
parque de areia

És o que vê debaixo das
próprias pobres pálpebras
e lê no céu dos olhos
os mistérios do tempo

Gastão Cruz, A LINHA

É menos o que lembro que
o que esqueço Sobre
a linha febril onde o presente
desaparece imerso na luz frágil do sono

(de tanto interrogar esta hora que esgota
a ilusão da noite
movo os olhos abertos entre as
formas procurando a mudança)

confundo com a sombra, em que apareço
por momentos real,
o meu corpo Pareço-me

comigo moutro quarto A realidade
inavde o céu A luz
desmoronou o cérebro, castelo

Gastão Cruz, CARAS NAS CARRUAGENS

Poucos
regressam Os que a noite prende
ao destino sem forma apenas
dormem É o

fim do inverno
O céu acende
só as estrelas que no
mas se formam
Poucos regressam

ao presente, berço
de todo o tempo Nem memória nem
mar nem mão recolhem

a luz que a noite perde,
cal
com que os que voltam molha

Gastão Cruz, NASCER DO DIA

A luz que sai do
escuro vai manchar
o quarto
criistalino Arrependo-me não
da linguagem
nem do amor mas de
ti e de mim, repetindo
o monólogo ínfimo do fim
da noite, esquivo
recurso de quem no íntimo
da escuridão tem
por esperança a luz que há-de
tornar a aurora lilás
num diamante exíguo

Gastão Cruz, A MANHÃ

esta manhã
hoje
é um nome

FIAMA, Barcas Novas


É assim a manhã, um nome
para o mundo, abrir os olhos como
alguém que fala
Podem o tempo ou a
morte diurna
das os olhos abertos o nada das palavras

O sol será então
o silêncio no olhar ou a mão
sobre a testa
que faz descer as pálpebras
como se os dedos dessem à cabeça a verdade
submersa nesse nada

e a manhã viesse
não como sombra vasta vestir a voz
do corpo
mas cobri-la da
luz
das palavras que faltam

mar azul

Em sonho sonho tuas raízes que são minhas e a vertigem do sonho cria folhas e flores raízes simples num mar azul de desilusões


Gastão Cruz, DEPOIS DUM SONHO

Não deixaste o deserto mas
árvores na casa Em sonho és
o sedutor arbusto reflectindo
para sempre o meio-dia O sol
porém desfaz-se quando as pálpebras
num ardor se entreabrem e te ocultas
nos ângulos do quarto Ausente
é pois o centro
feroz da minha vida transitas
como sempre fria no ventre
contraído escondes-te na
floresta que sem cessar se expande
onde dormíamos E erras
nos limites duma casa
destruída por raízes

Gastão Cruz, UM MODO DE VIVER

Entendo cada vez mais claramente
como a proximidade do mar determinou
um modo de viver No único verão
em que a morte se aproximou mais
do que o mar de mim, não menos próxima por
não ser a minha, o calor
sufocou o meu corpo deitado ao
lado de quem via já a seca planície
cada vez mais coada pelo ar
cinzento de resíduos dum fogo que é agora
menos presente, real ou irreal quem poedria
dizê-lo definir o dia ígneo a que jamais
outro sucederia Ao lado desse corpo eu
desistia nem sei por quanto tempo já
da vida, afastado do mar pela primeira
vez numa parte do ano em que sem ele
a pele não respira e hoje vejo
com evidência os anos que passaram
desde que nessa morte não morri
mesmo quando supus que não existiria
eu próprio nunca mais como até ao momento
ponto final talvez de tal forma
na minha vida com nitidez pontuava
um dos seus fins Tenho mais um verão
na minha mão, igual e tão diverso de quantos
aqui vi principalmente diferente
dos que não se extinguiam São compridos os
dias mas cada vez mais breves as secções
da vida entre os finais que as delimitam
a ria sobe sempre até à casa
e contra o mar em que de novo molho
a pele, sem conseguir saber
exactamente o que mudou, comprime-a

Gastão Cruz, MENSAGEM TARDIA SOBRE A PALAVRA AMOR

Talvez ignores afinal não a
palavra com seu som sentido
mas a rebelde música que sem
sabermos onde tem a aquosa
origem se transforma num rio
de ruído quando
o impuro instinto do mar
definitivo a atrai e apaga
a melodia que uma voz persistia
em conservar audível


Ignoras até mesmo
o vão sangue do signo que já
não é palavra nem o breve fio
de água cantando sob
um sol ambíguo
Ele vai derramar-se da
ferida
da linguagem para que
tu recebas
a morte desse líquido

fábula

à flauta
falta
a fala

ao poeta
falta
a fábula

ao comum dos homens
falta
a fala e a fábula

fal(t)a

nas entrelinhas
de alguns poemas estrangeiros
vejo
a vida do poeta
sofrida
sendo vivida
suplicada
em tinta
magoada
espremida
entre
melodia de flautas e
metáforas da falta

angústia

algo
que marca as linhas de meu rosto
que transforma sorrisos em risos forçados
que em acre identifica meu paladar
que não sei explicar mas insiste em me machucar
que produz gotas de palavras
que me induz a fechar os olhos e não tentar

domingo, 15 de julho de 2012

MPB -- Música Popular Brasileira?

Poeta e cantor, transformou seu poemas em letras e passou a cantar, a encantar. Perca-se na nova MPB, Música Popular Brasileira ou Marco Plácido Brasileiro!

sábado, 14 de julho de 2012

minh'alma

A Bruno Coelho e Celso Homero

onde estou em mim?
com que olhos me vejo?
preciso de um espelho?
onde acho alguma sensação que me defina?
existe palavra que consiga me definir como sou?

pensando que cada um tem uma história
e que é dessa história que nascem as particularidades
me veio que minh'alma são minhas histórias
raciocinadas e me ensinando quem sou para mim

tudificandosim


todos os dias em que todos estão se tudificando quero pressionar um estado cada vez mais meu

tudificandosim

um estado cada vez mais eu

moinhos (revisado)


aconteça o que acontecer
somos
eu e você
nessa vida de ilusão
(somos eu e você, sim!
porque mim é índio
e não somos índios, somos ventos de precipícios)
já percebeu que nossos dentes
são recheios de sorrisos
já percebeu
que insisto em te ter ao meu lado
inteira
como um quadro de Picasso?
já percebeu
que não há rotina
num sistema poético linfático?

o que sucedeu é que nessa história
(inventada em glória)
somos o Pança, o Quixote e os moinhos!

simples carinhos entre criaturas que se amam

Drummond. ESPECULAÇÕES EM TORNO DA PALAVRA HOMEM

Mas que coisa é homem,
que há sob o noem:
uma geografia?

um ser metafísico?
um fábula sem
signo que a desmonte?

Como pode o homem
sentir-se a si mesmo,
quando o mundo some?

Como vai o homem
junto de outro homem,
sem perder o nome?

E não perde o nome
e o sal que ele come
nada lhe acrescenta

nem lhe subtrai
da doação do pai?
Como se faz um homem?

Apenas deitar,
copular, à espera
de que do abdômen

brote a flor do homem?
Como se fazer  a si, antes
de fazer o homem?
Fabricar o pai
e o pai e outro pai

e um pai mais remoto
que o primeiro homem?
Quanto vale o homem?

Menos, mais que o peso?
Hoje mais que ontem?
Vale menos, velho?

Vale menos, morto?
Menos um que outro,
se o valor do homem

é medida de homem?
Como morre o homem,
como começa a?

Sua morte é fome
que a si mesma come?
Morre a cada passo?

Quando dorme, morre?
Quando morre, morre?
A morte do homem

consemelha a goma
que ele masca, ponche
que ele sorve, sono

que ele brinca, incerto
de estar perto, longe?
Morre, sonha o homem?

Porque morre o homem?
Campeia outra forma
de existir sem vida?

Fareja outra vida
não já repetida,
em doido horizonte?

Indaga outro homem?
Por que morte e homem
andam de mãos dadas

e são tão engraçadas
as horas do homem?
mas que coisa é homem?

Tem medo da morte,
mata-se, sem medo?
Ou medo é o que mata

com punhal de prata,
laço de gravata,
pulo sobre a ponte?

Por que vive o homem?
Quem o força a isso,
prisioneiro insone?

Como vive o homem,
se é certo que vive?
Que oculta na fronte?

E por que não conta
seu todo segredo
mesmo em tom esconso?

Por que mente o homem?
mente mente mente
deseperadamente?

Por qu não se cala,
se a mentira fala,
em tudo que sente?

Por que chora o homem?
Que choro compensa
o mal de ser homem?

Mas que dor é o homem?
Homem como pode
descobrir que dói?

Há alma no homem?
E quem pôs na alma
algo que a destrói?

Como sabe o homem
o que é sua alma
e o que é alma anônima?

Para que serve o homem?
para estrumar flores,
para tecer contos?

Para servir o homem?
Para criar Deus?
Sabe deus do homem?

E sabe o demônio?
Como quer o homem
ser destino, fonte?

Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra?
Mas existe o homem?


sexta-feira, 13 de julho de 2012

trêmulo

sempre peço medo
para tentar desvendar o segredo
da vida
para tentar desvendar o segredo
aceso
tento
tendo
a voz e os lábios trêmulos
mas
que não falharão ao cantar
que não falharão ao tentar
me desvendar

moínhos

aconteça o que acontecer
somos
eu e você
já percebeu que nossos dentes
são recheios de sorrisos
que insisto em te ter ao meu lado
inteira
como um quadro de Picasso?
percebeu que não há rotina
num sistema poético linfático?
o que sucedeu é que nessa história
somos o Pança, o Quixote e os moínhos?
simples carinhos entre criaturas que se amam

doce suspiro

A Carla Andréa Coelho

não se perca em recordações
a vida
é o sentimento
do momento anterior
à mordida da fruta ilusão
capture esse sentimento
e o sentido da caminhada será um breve e doce suspiro sem sofrimento

respiração

basicamento
a poesia é sobre o amor
o amor de amar as pessoas como elas são e portanto perdoar
amar perdoar é a missão do poeta
que tenta se entender entendendo nossas dificuldades mundanas
humanas
mesmo quando o poema não fala de amor diretamente
a ele se refere
pois subentendido está que a capacidade de parar para olhar escutar a outra respiração já é amor

Drummond, ETERNO

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

-- O que é eterno, Yayá Lindinha?
-- Ingrato! é o amor que tenho.

Eternalidade eternite eternaltivamente
                 eternuávamos
                            eterníssimo
A cada instante se criam novas categorias do eterno.

Eterna é a flor que se fana
se soube florir
é o menino récem-nascido
antes que lhe deem nome
e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nunhuma
                                                                           força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa emmnós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas palavras, eternos pensamentos; e passageiras
                                                                              as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um mar
                                                                                      profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos afundamos.
É tentação e vertigem; e também a pirueta dos ébrios.

Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mas não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma essência
ou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde pousosu
                                                                                        uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno boie como uma
                                                                      esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

    

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Silêncio

A Beethoven

Silêncio!

Estou tentando ouvir o que penso
desde que me conheço
desconheço
o silêncio
das palavras certas que nascem em pensamentos
às vezes não tão certos assim
desconheço
mas o berço que tenho é o suporte para a devir
que virá
ansioso que estou por mirar-me no espelho e me ver
menos verme e mais flor
menos inerte e mais cor
sendo o som do silêncio de outros pensamentos
silencio e sorrio

Ensaio Poético SILÊNCIO OLHAR AZUL (Trecho)

Capítulo 4 – Perdas ou Pedras



Num livro de um crítico de literatura li que a pedra no caminho de Drummond era na verdade as dificuldades que todos temos na vida. Que tudo que nos aflige é a pedra no caminho.

Mas, refletindo poeticamente, afirmo, a pedra, as pedras no nosso caminho são as perdas que temos durante a vida. Aprendi isso sofrendo na carne. Ninguém me contou.

Quando da morte do meu irmão, comecei a descobrir e agora, com a morte da minha mãe, esse sentimento se consolidou.

Vamos ao poema do mestre de Itabira.


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

Não há possibilidade de esquecimento. As retinas fatigadas são os olhos azuis cansados da vida cinza de perdas. De pedras.

O poema mais famoso em língua portuguesa talvez o seja por exalar perfume de destino. Todos estamos fadados a conviver com esse sentimento, o da perda, como uma pedra no caminho. Nosso destino é levar a pedra (a pedrada) até o final, que não sabemos quando será, que não desejamos, mas sabemos, que temos de carregar, as pedras fazem parte da nossa rotina (mágoa nas retinas?).

E por que as retinas estão fatigadas?

Cansadas de tanto conviver com as pedras, as perdas! É isso e disso termos de tirar o fôlego para continuar...Difícil...Diante de tal desafio como nos comportaremos? Paramos, insistimos ou voamos para longe de quem somos?

quarta-feira, 11 de julho de 2012

ontem lindo

quando hoje me ressinto de não ter mais tempo para nada
estou me dizendo que não sei o que farei com o tempo que me restará?
quando me fixo no ontem quero destacar desilusões?
quando penso numa imagem de amanhã me vejo rindo?
ou só me lembro de tudo que verdadeiramente não fiz?

Drummond, CANÇÃO AMIGA

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se rreconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me veem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dosi carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faço acordar os homens
e adormecer as crianças.

finitude

morte
corte no sentido da vida
que dá sentido à vida
se fôssemos imortais
o que precisaríamos fazer?
cantaríamos?
enfilharíamos?
planejaríamos o quê para quem?

a vida planejada pela natureza é perfeita na sua finitude poética

oportunidade

não há por que ter medo da morte
ela é que dá sentindo à vida
valoriza a perda
e nos mostra que devemos tentar aproveitar essa passagem
que pode ser linda apesar de finita
linda não para nos agarrarmos a ela
nos agarrando a nós mesmos
mas como oportunidade de olhar o outro
próximo

e perdoar

terça-feira, 10 de julho de 2012

Drummond, CANTO AO HOMEM DO POVO CHARLIE CHAPLIN (trechos)

(...)

Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou de beijo, te penetram.

Não a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade
                                                                                      comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno
                                                                                                   de ti
como um ramo de flores absurdas mandado por via postal
                                                           ao inventor dos jardins.


(...)


E a lua pousa
em teu rosto. Branco, de morte caiado,
que sepulcros evoca, mas que hastes
submarinas e álgidas e espelhos
e lírios que o tirano decepou, e faces
amortalhadas em farinha. O bigode
negro cresce em ti como um aviso
e logo interrompe. É negro, curto,
espesso. Ó rosto branco, de lunar matéria,
face cortada em lençol, rsico na parede,
caderno de infância, apenas imagem,
entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,
sozinha, experiente, calada vem a boca
sorrir, aurora, para todos.

(...)


Cheio de sugestões limentícias, matas a fome
dos que não foram chamados à ceia celeste
ou industrial. Há ossos, há pudins
de gelatina e cereja e chocolate e nuvens
nas dobras de teu casaco. Estão guardados
para uma criança ou um cão. Pois bem conheces
a importância da comida, o gosto da carne,
o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,
e sabes a arte sutil de transformar em macarrão
o humilde cordão de teus sapatos.
Mais uma vez jantaste: a vida é boa.
Cabe um cigarro: e o tiras
da lata de sardinhas.

(...)


Ser tão sozinho em meio a tantos ombros,
andar aos mil num corpo só, franzino,
e ter braços enormes sobre as casas,
ter um pé em Guerrero e outro no Texas,
falar assim a chinês, a maranhense,
a russo, a negro: ser um só, de todos,
sem palavra, sem filtro,
sem opala:
há uma cidade em ti, que não sabemos.

(...)


Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem,
               aprendiz
               bombeiro
               caixeiro
               doceiro
               emigrante
               forçado
               maquinista
               noivo
               patinador
               soldado
               músico
               peregrino
               artista de circo
               marquês
               marinheiro
               carregador de piano
apenas sempre entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade, o pé
errante, a estrada
fugindo, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos.

(...)





Marco Plácido Brasileiro -- Set List do show do dia 13/07.

1 -- Desafios;

2 -- Encantadas;

3 -- O Alvo;

4 -- Quase sem Querer;

5 -- Minas;

6 -- Pedra;

7 -- Don't Stop dancing;

8 -- Lilás/Uma noite e 1/2;

9 -- Contra;

10 -- Complexa Vazão;

11 -- Sweet Sina;

12 -- Brigas;

13 -- Crazy;

14 -- Jaques Som.

INTERVALO


15 -- Little Wing;

16 -- Ainda Lembro (com Renata Rubim);

17 -- Constelação;

18 -- Sim;

19 -- À Cecília;

20 -- Anunciação;

21 -- Cegos;

22 -- Versos;

23 -- Inútil;

24 -- Truques;

25 -- Papai Me Empresta o Carro;

26 -- A saudade/Blues do Medo.


Bis:

1 -- Malamdragem (com Renata Rubim) e 2 -- Minha Alma.

BORBOLETRA!

BORBOLETRA!
Sim, borboletra!
Por que não?
Se posso ser morte, ganãncia, discórdia
ódio, bravura, incompreensão

Por que não posso ser
bondade, amor e natureza?


Por que não posso estender a mão a você...a mim?

emblema

...por isso não gosto das letras
um poema sempre é melhor na minha cabeça
o pensamento solto
sempre me surpreende
e quando tento alcançá-lo e domesticá-lo
calo
e o vazio de sons é que vem para esse momento de sofreguidão

coloco o mínimo no papel

quando o mínimo não me basta

paciência palavra emblemática

crença

Filho, eu não estou caindo...

Pai, todos estamos desmoronando
como debarrancam as encostas dos rios
quando vêm as chuvas

e elas vêm
sem avisar
nos dão notícias
no primeiro pingo
e não param
não param de assustar


mas o voo dos passarinhos
me salva
me  mostra
nossa estranha capacidade
de acreditar

segunda-feira, 9 de julho de 2012

colecionadores

o homem que sabe tudo
se esquece de afirmar o sonho sonhado
planeja contrata distrata
mas não se trata
joga fora cartas de um baralho único
especialmente azul
desperdiça o sonho de voar por querer colecionar terras
matas por ele são desertificadas
no engano de mausoléus a céu aberto
desertos esqueletos de ganância e certezas
se perdem em estranhas sensações
conquistadas por homens que sabem tudo
menos de amar

o homem que calculava

em mais novo
eu calculava o tempo
sabia que aquele espaço de tempo em que eu estava esperando algo
tinha durado quinze minutos
tinha noção das horas como um pássaro tem noção da falta de mata
calculava o tempo porque tinha tempo
poucas recordações
sem sustos
me possibilitavam estar atento
ao tempo que hoje
já não sei quanto passou
mas
que pesou
oh! como pesou!

tentação

quem são as pessoas que acham que não vale a pena tentar?
Não vale a pena pensá-las?

avalio
e
num arrepio
respondo:
sim, vale a pena tentá-las!

provocar o sentimento de asas aladas
poesias amarrotadas são melhores do que pássaros borrados
com a tinta da ganância exagerada

Drummond, A FLOR E A NÁUSEA

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo, pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol cosola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes de terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do aml.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém o ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Um flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

dentadura

os pesquisadores científicos não entendem
nós poetas
pesquisamos as dores frequentes latentes de uma sociedade excludente proficiente em identificar os ganhadores e esquecida daqueles que também são gente menos eficiente com menos dentes e portanto gente menos protegida da tecnologia que os afasta da poesia de ter tempo para a alegria  

coelhos

quando passo os pássaros cantam melodia de infância
os coelhos da vizinha esfregam a barriga na batata de minha perna
o cachorro do morador de rua late em agonia querendo me lamber
os hamsters correm para me ver

todos vêem aquilo que vejo neles: a natureza procuram seu lugar

NATUREZA

escorre terra dos meus dedos
NATUREZA
dos meus olhos desabam cachoeiras
NATUREZA
dos meus ouvidos eco de
um grito saudade de águia
NATUREZA
dos meus joelhos pingam verdes pastagens
NATUREZA

o que quero salvar de mim mesmo?

domingo, 8 de julho de 2012

mico

nunca sei para onde vai o circo
por isso digo ao mico
esqueça a ansiedade de saber
faça a sua parte
tire a sorte para o menino querer aprender a ler

sucessivos

INTENSO
aceso
até os dentes
relevo
fresco
relva verde tendendo a azul
certo nexo descreve o quente que a vida necessita ter para me excitar 
cego sigo certo sucessivos sins que invento

fogueira

nas letras
minto certezas
colorindo
azuis
em estados mentais
cinzas
de uma fogueira pequena
mas
fixa
que me mantém acordado de mim
que me mantém aceso e estável
movimento necessário
num mundo louco
em expansão

ilha

esse azul estourando no seu olhar é para mim?
não acredito por que também minto
para mim para ti para qualquer mentira
basta um único respiro
suspiro de homem adulto sem ilusão
continuo seguindo a sensação de ser mar
numa vida ilhada

o sal

Mistura de reflexo e algas
sal e esperanças falhas
o mar
diz ao vento o caminho
sente os tormentos dos olhares famintos
e se encapela
em solidariedade
aos amores solitários
de verdade
sábios sabem
a força do mar de um olhar de uma calma ardente
sem precedentes da quente experiência da vida
 o sal é o que sobra sempre

peito

o frio esfria meus termos meus ternos sufocaram-me e joguei-os fora agora torro miolos congelados que estão na solidão da saudade que arde impressa tatuagem feita num homem feito num lugar que o homem de ferro esconde sempre pois é seu lugar de emoção

Marco Plácido -- HULK

Momentos antes da transformação (antes de começar o show) sempre fico com medo de me emocionar citando todos que contribuíram, de uma maneira ou de outra, para ter chegado ao resultado de agora. Fico pensando que se começar a agradecer a todos depois não conseguirei cantar e com isso acabo não agradecendo e levo comigo um arrependimento.

Então, agora longe do anterior e do próximo show, vou começar:

Agradeço aos meus pais e irmãos, porque sem o senso de família que aprendi não teria coragem de pensar em começar a cantar; agradeço à Angélica e aos meus filhos pelo apoio, corajoso e silencioso (ver meu sofrimento na elaboração dos poemas, matéria-prima das músicas, deve também ser muito doloroso); agradeço aos músicos da banda, em especial ao Tom, que teve a ousadia de me ajudar, mesmo apenas intuindo o caminho; agradeço aos amigos, assíduos, Luiz Antonio, Beth e Fábio, Naná e Pereira, Naná e Salvador, que me aturaram durante anos falando de música e poesia; agradeço à Tia Bel e Fabiano, Miriam Estrella, Ivan Ricci, Paulo José Maria, Cadu Coelho, Andrea Rosane, Acácia Beatriz e Hélson Costa pela leitura dos originais que certamente melhoraram muito com as observações atentas e sinceras; agradeço ao esforço sempre vital de Isabel Scassa e Marco Talavera e, por fim, peço desculpas se esqueci de álguem.


Beijos em todos!



P.S. Ah! O próximo show será no dia 13/07. Plim, plim!

sábado, 7 de julho de 2012

flor no asfalto

A Drummond

a essa hora da manhã os passarinhos ainda dormem
ainda dormem meus sonhos
ainda azuis meus sonos

ainda ando procurando
uma flor no asfalto
uma dor no desmaio
uma cor no ocaso

ainda não foram dormir nos ninhos meus passarinhos

trago avermelhado

vermelho de sangue no cérebro
cor da intensa atividade
inteligência não artificial
tecnologia da força maior
natureza
que alguns chamam de Deus
ele (se existe)
que me proteja já
de mim
dos meus pensamentos amarelecidos com o tempo
que percebo pelas rugas dos outros seres
humanos sempre que lembramos de lembrar
que as outras pessoas exsitem
não apenas para
respirar rezar ou se estragar em
desesperos litúrgicos movimentos cirúrgicos
inúteis
quando desconhecedores
das dores das cores dos ilimitados sensores
desse cérebro avermelhado
que inventa
e eu trago

coirmã

importante na vida é viver
estar vivo é a verdadeira dádiva
diva de ópera
compositor escritor com marra
cantor ator da rede coirmã
nada
nada disso tem importância
amar o amor acima de todas as coisas
ajudar os menos agraciados com a cor do dom de saber (poder) viver
esse o maior talento

Poema do clássico jazzístico KILLER JOE -- "COOL JOE, MEAN JOE (KILLER JOE)" - QUINCY JONES, BENNY GOLSON

Where that killer Joe kat
Where he gone at
When he comin' back he mine
Don't he know that
'Cause I show that
When he come home everytime
And he ain't no good
And I know I should
Let him go when he go but
No that's my killer Joe
U can't have him no more
It's the way he walks and talks
And spits his game
The way he say's his name

Killer Joe
Cool Joe
Mean Joe
Cool Joe
I love him so
Cool Joe

Killer Joe
Cool Joe, mean Joe
Let me know
Cool Joe, mean Joe
Where'd you go

Hey Joe
Killer Joe
Killer Joe, missed you so
Does it show
Hey Joe
Cool Joe, mean Joe
Cool Joe, mean Joe
Cool Joe, mean Joe
Cool Joe, mean Joe

Killer Joe
You've been low
Kiss me slow
Please Joe

sexta-feira, 6 de julho de 2012

manco

quando o sol apagar em minhas retinas
as tintas serão visitadas por algum tipo de arrivista?
que ensina mas não faz que discursa mas se cala na primeira necessidade
que opina e com o pino que poderia ajudar uma criança lança uma granada de bobagens muitas vezes santa na certeza de estar correto em sua experiência manca?

mudança

se eu falhar
o que acontecerá
com minha alma com minha rua com meu país?

se continuar sendo desse jeito egoísta
terei alguma pista alguma cisma
de que um dia poderei mudar?


o que acontecerá comigo se eu me mudar?

poeta 2

quem pintaria um quadro com sombras?
com sobras de lágrimas?
que são tinta num pincel gasto dum homem falho
em tentar entender
o caminho da luz

segredo 2


o poeta não consegue declamar os próprios versos
por um motivo secreto:
não quer de novo encarar a dor que o levou a escrevê-los

cabeludo

quantos atos falhos preciso para tentar desvendar minhas falhas
fácil em criticar quem faz
faço de minhas dúvidas farpas navalhas que cortam os outros couro cabeludo de um sofredor típico da praia

tormentas

as pessoas pensam que se livram das outras dando presentes
desculpe
mas
assim não se livram de mim

quero saber o que lhes ocupa a cabeça
onde arde a ausência
como se dá o momento de inspirar e sair para trabalhar

(porque infelizmente grande parte de nossa gente não gosta do que faz e por isso enfrenta terríveis tormentas)

lembradó

tudo passou

e

não fui eu que passei

uma recordação me faz sorrir de mim
sem dó

uma recordação gemeu e virou um poema
gemeu e doeu
doeu e não se perdeu
não se perdeu e sou eu

dado

aquilo que já era
já era
hera era semente
o passado passou e chegou
ontem
uma lagarta não voava
uma aflição não era grito
e
aquilo ainda não era isso
ontem
a mão não tinha plantado
um menino não tinha cantado
uma letra não tinha virado um poema
e
me dado
uma solução

o mar (revisado)


não jogue luz

sobre minha tristeza

deixe-a seguir azul



(cor do céu

em reflexo

cor de olhos

sem nexo

que seguem

a tristeza da luz)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

o mar

não jogue luz
sobre minha tristeza
deixe-a seguir azul
cor do céu
em reflexo
cor da escolha que fiz em me navegar

martelo

esses olhos
que não são
mas
têm o tom
azul
do céu
reflexo no mar
que tenta me acalmar
são
tremendos
vendavais
febre
nos cristalinos
azuis
mentiras-quebra-rotina
que inventei

el niño

agora já não há mais tempo para o azul
o céu se fechou em mim
dividido que estou
entre realizar e sonhar
prefiro a continuação
desse olhar tênue
adorno de um breve suspiro
de alma
que insiste em me ninar

super-heróis

ninguém percebe que o homem de ferro
é frágil no meio do peito?
que o super-homem cai de joelhos toda vez que pensa na Kriptonita?
que o Batmam na verdade precisa de um menino prodígio?

simples assim: super-heróis somos nós
que sentimos tudo e continuamos no mundo agradecendo e enfrentando novas histórias

moto contínuo

Por que um jovem espera
de um mais velho
que esse pare
de querer continuar?
Continuar é preciso como é impreciso amar voar lacrimejar
ou qualquer outro verbo da primeira conjugação
que poderia ficar escrevendo
por horas dias meses
mas
tenho mais o que fazer
que é viver e não parar de desejar
Por que um jovem imagina desejar mais?
Talvez porque queira se enganar
não há como medir a intensidade do desejo de um beijo de um aceno
depende de tantas coisa que é melhor parar aqui
e apenas agradecer estar com saúde para continuar a querer continuar

Drummond sobre os novos escritores

Considero-os com o máximo de simpatia, porque o espetáculo da vida em movimento e desenvolvimento é sempre bom de se ver. Mas não posso levar a sério as tentativas esporádicas para fazer dos novos um partido literário em luta com os mais velhos. Isso é tolo e não adianta coisa alguma. Querer combater um escritor porque ele já tem vinte anos é um índice da maior pobreza: a deficiência da noção do tempo, e da riqueza que pode haver no tempo anulado e sedimentado.

Sinto-me perfeitamente novo aos meus quarenta e tantos anos, enquanto vejo por aí alguns rapazes dos mais tenros, vítimas de uma circunspecta mentalidade acadêmica, incapaz de aventura pessoal ou literária, preocupados em organizar a sua glória publicitária e invejando friamente os que se tornaram conhecidos antes deles. Esses novos na realidade são os piores velhos, e esses eu não posso admirar, por maior que seja a minha cumplicidade com a juventude em geral.

Desconfio dos que vivem pregando a necessidade de sufocar influências, mas continuam docilmente influídos. Por mim, sempre aconselhei os que me procuram a não continuar a experiência dos mais velhos, e mesmo a reagir contra ela. mas fazer política em torno desses assuntos, atacar os escritores de gerações anteriores para tomar conta da posição que eles ocupam, como se houvesse uma posição material a conquistar, e a vida literária se fizesse em termos de corrida de cavalos, isso é ridículo e triste.

Felizmente, nem todos os moços pensam assim. Digo mais: a maioria deles não pensa assim. O que eu desejo profundamente dos novos é que eles façam ouvir a sua própria voz, ardente e poderosa; que não copiem os mais velhos ainda quando pareçam combatê-los, como também não se sintam presos a nós por compromissos de respeito ou falsa ternura; e que façam coisas novas.

Drummond sobre a crítica

A crítica me interessa na medida em que ela ajude o autor a descobrir-se a si mesmo, sem, contudo, matar-lhe a espontaneidade e certa atmosfera, talvez ingênua, mas criadora de mistério, em que ele, principalmente quando poeta, ama envolver a gênese de sua obra. Outro mérito seu será o de abrir caminho à compreensão do escritor pelo público. É sabido que essa compreensão, para as obras realmente novas e valiosas, vem sempre atrasada, e pode caber à crítica o papel de acerelá-la. Abomino a crítica científica, psicanalítica, biotipológica e política. Querer explicar a obra literária pela neurose, pela glândula, pela classe ou por qualquer outra contingência é um esforço vão, quando não apenas pela revanche contra o criador, tomada pelo pedante incapaz de criar.

caranguejos

os cancerianos somos estranhos
estanhos
brilhamos menos até decidirmos acometarmos em estrelas
normalmente damos um passo atrás e pecamos por pensar
até a hora em que nos achamos prontos e ai saiam da frente somos um sufoco de coragem e determinação ninguém segura nossa estranha segurança estanha porque há muito já estávamos sonsos que somos em despistar nossa vontade de beliscar

trompetista

...emocionar como emocionam-me os trompetistas
difícil encontrar o som certo sem desafinar a melodia
a poesia necessita emocionar
atravessando o tempo soando sendo
sem virar monumento sendo senso estético de um suspiro em palavras que soam

uma planta

ler palavras não é conhecê-las é senti-las e sentindo ter a completa sensação de ardência tênue de ter com elas alguma intimidade verdadeira arte é a de saber significar suspirar por amar chorar por amar amar por amar aprender o gosto de maresia pelas gotas salgadas do mar que ali adiante testemunha nossa cadência tímida cultivar uma planta uma flor como o amor

AGRADECIMENTO (Agradeço o cimento de sua amizade)

nossa vida
são nossas escolhas
eu escolhi
a folha
ao invés do carvão
queimo ideias mas não toco fogo na paixão de aprender
gosto de estar cercado de heras
plantas vivas que espetam quando a mão não entende o jeito de tratar uma pétala
uma flor singela necessita principalmente de amor
e é esse sentimento que me move ao olhar as estrelas inatingíveis como nossos impossíveis sonhos de viver uma vida simples mas cheia de significados

terça-feira, 3 de julho de 2012

resto

em velocidades diferentes vemos a vida passar
um pequeno
descuido desvio inseguro sinistro
põe tudo a perder
e depois da perda
nada mais resta
nada mais
resto eu
em algum lugar que não sei

expectativa

amanhã
quarenta e sete primaveras
se completarão
completo estou?
sem saber como vou?
para onde?
se só sei céu enquanto estou coberto de folhas de flores da família que ouve meus lamentos escritos estivo o peso de minhas falhas claras rimadas fartas de ver o amor me olhar e eu a escrever sem corresponder ás expectativas

impostores

enquanto buscas no outro, algo suposto
busco em mim, e encontro
o desencontro do osso
sem junta
que junte alhos com bugalhos
que junte olhos com remorsos
que junte tudo com o negrume
da incerteza que somos

'Trane

escrever sobre o pesar
é questão de treino
Trane
intenso movimento de sopro
cego gozo de insatisfação
esgar de horas pensativas da emoção de não gostar do cheiro que a vida exala
e remar forte e com direção constante ao sopro de vida necessário à mais um erro de expirar ideias desditas

plástico

pode ser inventário de uma vida?
pode
mas
poesia
é mais
muito mais do que isso
é um apito contra a indiferença
é crença na possibilidade divina
de sermos humanos
é um toque mágico
em que não se deve explicar a magia
nem dar o endereço do mágico
é uma flor verdadeira num mundo de plástico

guardanapo

ainda existe amor?
sim
e como há amor
em minhas retinas
num pedaço de cortina que costurou uma roupa de pierrôt
num abajur de tecido fino que ainda pode suprir-me de luz
num cheiro de arroz com alho
num maltrapilho guardanapo de plástico dos meus oito anos
(cujas costelas eram teclas de piano
em mãos de avó)

os blues

os sonhos ainda se escondem num lugar para lá de longe
fora do alcance de minhas mãos
a solução é sonhá-los pelo cheiro
cheirá-los
azuis
tristes
como blues
intensos e armados até os dentes dos meus desejos de sonhá-los
inteiramente sendo meus

MARCO PLÁCIDO BRASILEIRO (Set List)


(Introdução)

1 – Desafios;
2 – Encantadas;
3 – O Alvo;
4 – Quase Sem Querer;
5 – Minas;
6 – Pedra;
7 – Don’t Stop Dancing;
8 -- Contra;
9 – Complexa Vazão;
10 – Sweet Sina;
11 -- Brigas;
12 – Crazy;
13 -- Jaques Som;

INTERVALO

14 – Little Wing;
15 – Constelação;
16 – Sim;
17 -- À Cecília;
18 – Anunciação;
19 – Cegos;
20 – Versos;
21 -- Inútil;
22 – Truques;
23 – Papai me empresta o carro;
24 -- A Saudade/ Blues do Medo.

Bis: Malandragem (com Renata Rubim) e Minha Alma.

usura

poemas não são palavras
são
purezas d'alma
retrato das falhas
que tentamos
esconder
esconder de quem?
se todos sabem do que se trata
por sentirem tudo do mesmo jeito
do mesmo feitio
singelo
olhos apertados
incorretos
quando buscam perdão

purezas d'alma

Por que Drummond não morreu?
Por que se preocupou em viver
intensamente
sua intensidade
latente, divergente, atenciosamente
nos legou consciência
na época criticada pela inteligência dominante que sempre se preocupa em dominar
ao invés de se preocupar
em vivenciar as mudanças
enquanto vivia
Drummond sorria
das certezas contrárias
produzindo
purezas d'alma

Drummond, resposta ao repórter

Perguntado se a poesia moderna era perfeitamente sentida e compreendida pelo público de então (1942), respondeu o poeta:

"Essa poesia de hoje não é suficientemente sentida e compreendida pelo público, mas não tanto pelo seu falado hermetismo ou pelas liberdades métricas. E sim, antes de mais nada, pelo espírito de conservadorismo que começa na escola primária e leva o indivíduo até o túmulo. Conservantismo do professor, que adorou Bilac na sua mocidade remota e nunca mais pôs o olho em um livro de versos; conservantismo do pai, que ouvira do avô o soneto duro de Alberto de Oliveira e acha nele a perfeição; da namorada, que encontrou na gaveta do móvel materno um álbum cheio de florzinhas e quadrinhas tão comovedoras; dos jornais, escritos por pessoas que geralmente não têm tempo de descobrir novas expressões literárias; da folhinha, do almanaque do elixir paregórico e de outros veículos nacionais da produção intelectual.".

(...)

segunda-feira, 2 de julho de 2012

momo

...e em que frutas me desespero no agridoce sabor da manhã?
em quantos tênues baluartes balançarei minhas incertezas?
com quantas caretas momescas definirei meu novo rosto perante um espelho de reflexo morno?

domingo, 1 de julho de 2012

mentes

não sei se sei
mas sei que ninguém quer saber mais do que eu, nisso
um poema é um poço de loucura
de artifícios que como a vida são necessários para nos comunicarmos socialmente
mente aquele que diz que não mente muito mais do que os dormentes que já nem sentem mais o que é isso

cartada

amanhã
uma nova rodada do jogo da vida virá?
se tiver não mãos um ás de ouros
será um colosso de osso?
dependerá das outras cartas
das outras experiências
ciências impossíveis de controlar?
onde consigo a confiança para dar a primeira cartada?

halo

alheio
alienado
alijado
aleijado
aloprado
alado
halo

pisc'olhos

todos os grandes jazzistas jazem
todos os grandes pintores
também
morrem
todos os acordes
todos os postes
todos os fuscas
todo dia
vários acontecem de morrer
o passado se transforma em fim
de um instante
assim
num piscar de olhos
o presente de viver
pode acabar
num instante
podemos deixar de respirar
então por que
não olhar a opinião alheia
apenas como uma opinião
alheia?

pensamentos contínuos

o tempo passa enquanto bocejo
enquanto arma um vendaval
o tempo passa sempre
e sempre passará
um passarinho perde as asas
e depois de voar
já não conhece a dificuldade anterior ao primeiro voo
o tempo passou e ele esqueceu o sufoco do antes de saber
o tempo continua aqui
comigo contigo consigo voar
em pensamentos contínuos
e mesmo assim o tempo não para para me esperar acabar de pensar
então penso
se não pensasse
se não escrevesse
se não terminasse
tudo continuaria seguindo
o ritmo
seguindo
apenas seguindo
tudo acaba

terreno

o céu azul de hoje´não é apenas um céu azul
é o meu céu azul
e é azul porque estou querendo ver o céu azul
se não quissesse vê-lo não seria azul mesmo sendo um céu azul terreno