domingo, 30 de setembro de 2012

Francisco de Vasconcelos, A UM ROUXINOL CANTANDO

Ramalhete animado, flor do vento,
   Que alegremente teus ciúmes choras,
   Tu cantando teu mal, teu mal melhoras,
   Eu chorando meu mal, meu mal aumento.
Eu digo minha dor ao sofrimento,
   Tu cantas teu pesar, a quem namoras,
   Tu esperas o bem todas as horas,
   Eu temo qualquer mal todo o momento.
Ambos agora estamos padecendo
   Por decreto cruel do Deus menino;
   Mas eu padeço mais, só porque entendo.
Que é tão duro, e cruel o meu destino,
   Que tu choras o mal, que estás sofrendo,
   Eu choro o mal, que sofro, e que imagino.

créu


ser ou ter?

ter ou comer?

comer ou ver?

ver ou crer?

passados

café

quadro

violão

cachecol

lenço

lençol


passados

café

dos passos descansados no lençol
lembro das lágrimas despejadas no lenço
de mesmo tecido, fino, do cachecol
que outrora usei naquela tarde fria
cujo violão era alegria
enquanto olhávamos fixos
o quadro em que nossos antepassados
sorriam de alegrias mínimas

o café passado nos aquecia

cachecol

café
passado
quadro
passado
violão
passado
cachecol
passado
lenço
passado
lençol
passado

(passamos)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

cosmo e damião

na vida ajudar não é obrigatório
na vida corrida que levamos vamos nos distanciando de tudo de todos e às vezes nem percebemos que chove que os sonhos morrem e que com eles morremos todos enquanto nos isolamos com desgosto poderíamos rir de nossas dificuldades e juntos nos ajudarmos com carinho de pessoas normais mas de vez em quando escolhemos fingir não sentir e não sentindo não sorrir e é aí onde começam os problemas todos os problemas que inventamos para correr e nos distanciarmos não dos outros mas de quem somos e aí de vez esquecemos o cosmo e o damião (que é a ilusão)

(doce tentativa absurda)


viver de
rimar
flor com dor
amor com anjo
doce com ilusão
solidão com música

(doce tentativa absurda)

maestros

onde estão os mestres
os maestros
os padres
os pais?

eles ainda existem?

ou perceberam que no mundo virtual de hoje ninguém quer ouvir falar em dificuldades?

Muro de Berlim

uma mão tem cinco dedos
meu pensamento tem quantos cabelos?
exerço um sexto talvez menos de inteligência possível
e me acho um criador?
de quê?
para quem?
ninguém quer ouvir falar nada que seja sério
ninguém quer se curar com remédio
todos querem a facilidade da emoção
da ilusão do futuro
todos foram quebrar uma parte do muro de Berlim
mas
quantos ficaram para ajudar o país?

suspiros

umas das poucas coisas que me tiram a fala hoje em dia é a questão do tempo a maior ilusão da vida é achar que teremos tempo como? se não sabemos quando o fim acontecerá? se não viemos ao mundo com data de validade? o tempo que existe é o presente de estarmos sãos e capazes de fazer aquilo que queremos o problema é que a maioria mal sobrevive como poderia querer? parte pequena que pode trilhar algum caminho prefere se fixar no brilho alheio e aí é que meus pensamentos descobrem meus suspiros

sóis 2

A Daniel Waddel Pessoa

somos
nossos olhos
nossos remorsos
os gostos
o esforço
o sóbrio paladar acre
na vida
somos nós
sós

os outros são
só(s)
uma parte
de nós
de árvore
de pedaços
de histórias
de sóis
de tudo
aquilo que não temos
e por isso
dos nossos desejos...

ouro de tolo

fixo
em mim
uma verdade
os outros são obra
de ficção
essa é a realidade
se não aprendo o que quero
seja língua
bacalhau ou ferro
esqueço de mim e me fixo
no brilho do metal que quero crer
ouro
estanho
ou você

ficção

os outros são os outros
ou são ouro
são o que queremos ver
sentir falar
porque somos nós que queremos ver
o brilho
o cílio
o postiço

nós nos inventamos o tempo todo
e queremos que os outros sejam fixos?

gênios


me esforço no presente

da obra de arte

e sou tratado

como idiota...



quem

vive a ilusão do futuro

ou o passado de atos

que não produziu

é o que então?

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

PINTADOR

pintar o quê? para quem? esse o verdadeiro desafio por anos a fio alguém treina desenho (desejos?) relação de cores para pelas linhas demonstrar suas idiossincrasias manias afonias passa anos tentando ilustrar sua ilusão testando com quais cores e com que ângulo irá dar asas ao corpo que muitas vezes está cansado anestesiado pelo processo e tantas são as vezes da tentativa em vão que às vezes pensa em desistir de definhar por se desafiar e tela após tela acontece o milagre da continuação vida seguindo numa melodia de jazz que desafia a desistência voraz dentro do artista as tintas escorrem dos seus olhos que pingam purgam angústia e carestia pintor seu nome deveria ser pintador

mestre

aquele que conseguir
ouvir verdades
sem inveja
aprenderá experiências
e conseguirá
iludir o tempo
sendo novo
com o trato do argumento
reluzindo
à sabedoria do aprendizado

doloridos

as lembranças que doem em mim
doem azuis
porque escolhi
um blues
para me representar
e não consigo deixar de lembrar
da cor azul de minhas rotinas
antigas
sei que pode ser
falta de imaginação
mas
essa é a verdade*


*palavra a que estamos desacostumados pelas experiências adquiridas

cinza blues

...sempre...
sempre
um poema
com um blues
sempre
pode piorar
frequentemente
a tristeza duma melodia
acinzenta o dia
esfria a sílaba
me põe
para rimar
lágrimas
com
palavras

Henri Matisse, A DANÇA (poema)

A Henri Matisse

Dança
esperança
movimento circular de união
tênue coração sendo formado
pela amizade
crianças mãos
da arte
da vida
que é
intensa e colorida
de verde
de azul
de ocre
pintura
suporte
de nossa tão
desejada
pincelada
(em)
paz

Gustav Klimt, O BEIJO (poema)

A Gustav Klimt

um abraço
com braços
um beijo
com lábios
lascívia?
pornografia?
dia a dia?
simples
como um quadro
dourado
que busca a vida
(busco vida?)
que exala vida
(exalo vida?)
que é a vida
(sou vida?)
possível
entre tintas
entre círculos
retãngulos
e quadrados
(qual forma me qualifica?)

tipicidade

desejos
todos temos
como as crianças
que não sabem das dificuldades
todas ardem
todos fazíamos arte
como dizia Picasso
todos em crianças éramos artistas
o perigo
coragem
doença
ou qualquer outro adjetivo
é como crescer
e não deixar
se perder
essa qualidade

estrelas

compreenda
as regras
existem
e apesar delas
produzo
estrelas

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

uma verdade


o silêncio da saudade é combustível para uma obra de arte

e quando a solidão tem melodia

é poesia

lamento


lamento
sem tempo
para o escorrer da lágrima
blues
sorriso amarelo
em dedos amarelos pelo tabaco da alma
que acende um alento num homem só

novelas

maior desafio da arte moderna
encarar o tempo
e mostrar que aquele pedaço de tela com tinta merece sete segundos que seja para poder comunicar o fato de que estamos, mudos, surdos, cegos e falando pelos cotovelos sobre como os outros desenrolam seus novelos falsificados que sejam

Edvard Munch, O GRITO (poema)

A Edvard Munch

a natureza grita
em palavras
que são tintas
céu azul-solidão
vermelho-sangue
por do sol
encapelado, ensimesmado
a natureza grita
sem solução
eu grito
tu gritas
ela grita
nós gritamos
vós gritais
eles gritam
e
quem escuta?

terr Agilidade


combato o sabor insosso
e portanto
com molho
ardo

ator
dôo o enjôo
pela ausência
de arte
derr
amando
terr
Agilidade

nozes

não conseguimos ouvir o outro porque não conseguimos nos ouvir
se soubéssemos a direção não trombaríamos em nós das árvores que são as outras vozes

masoquista

posso entender o silêncio como um beijo?
carinho de palavras não ditas
muitas vezes perseguidas
pela intolerância
de sofrer por ser seguidor da dor do amor?

Picasso, poema

Deita fora todos os números não essenciais à tua sobrevivência.


Isso inclui idade, peso e altura.

Deixa o médico preocupar-se com eles.

É para isso que ele é pago.

Frequenta, de preferência, amigos alegres.

Os de "baixo astral" põem-te em baixo.

Continua aprendendo...

Aprende mais sobre computador, artesanato, jardinagem, qualquer coisa.

Não deixes o teu cérebro desocupado.

Uma mente sem uso é a oficina do diabo.

E o nome do diabo é Alzheimer.



Aprecia coisas simples.

Ri sempre, muito e alto.

Ri até perder o fôlego.

Lágrimas acontecem.

Aguenta, sofre e segue em frente.

A única pessoa que te acompanha a vida toda és tu mesmo.

Mantém-te vivo, enquanto vives!



Rodeia-te daquilo de que gostas:

Família, animais, lembranças, músicas, plantas, um hobby, o que for.

O teu lar é o teu refúgio.

Aproveita a tua saúde;

Se for boa, preserva-a.

Se está instável, melhora-a.

Se está abaixo desse nível, pede ajuda.

Não faças viagens de remorso.

Viaja para a cidade vizinha, para um país estrangeiro, mas não faças

viagens ao passado.

Diz a quem amas, que realmente os amas, em todas as

oportunidades.



E lembra-te sempre que:

A vida não é medida pelo número de vezes que respiraste, mas pelos momentos

Em que perdeste o fôlego:

De tanto rir...

De surpresa...

De êxtase...

De felicidade..

céu cinzento

o encontro
violento
entre
árvores e vento
produziu
pássaros
de
firmamento

o vento

e esse som?
daonde vem?
é o vento
nos meus
ouvidos
assobiando
solidão

folhagem

as folhas das árvores
bailam
um balé
desesperado
de agarro
á vida
de querer suportar
a dor do vento
que está a tentar
arrancá-las
da origem

ninguém quer terminar

pingos

cachoeiras pingam dos meus olhos findos

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

caçador

em nossos dias
o desafio
do artista
é parar o tempo
tendo coragem
de ouvir os argumentos
dos que dizem
perdê-lo
sem nunca
tê-lo
capturado

domingo, 23 de setembro de 2012

figuras

antigamente
o que era virtual
era a arte

essa a atual e real
dificuldadel:
as pessoas não querem
participar
da atividade artística
como figuras
passivas

obra

não é que o artista saiba mais, menos ou mais ou menos
o artista, pois,  é aquele que concilia coisas
aparentemente
inconciliáveis
que perpassam
por sua emoção
e
ganham razão na
sua
interpretação
chamada
obra
de
arte

balas

enquanto não são feitas
várias coisas
são fáceis
óbvias
só se descobre o valor
 o peso de fazê-las
fazendo-as
portanto
as críticas acabam sendo
ciumeiras
daqueles
que querem chupar
com papel
balas

ovação

me reconheço
em você
e é esse reconhecimento
que transforma
o reflexo do espelho
em verdade
verdes imagens passam a ser plantadas no solo
incerto da desconfiança alheia
que testa as descobertas
até que o poeta
do choro
passe ao coro
dos satisfeitos com sua
ilusão

(que sempre foi emoção legítima sem ovação)

SAPIENS (nova música)


Um simples
S (esse)
Pode colocar
Tudo a perder

Salvo sem esse
transforma
o poeta
em alvo

Uma afirmação
do ser
(sou)
vira
uma palavra
sem expressão
(ou)                                   X 2


Sem sem esse é em
Soco sem esse é oco
Somos sem esse é omos
Sapiens quem somos?

sombra azul

Por que azul?
Porque azul é o céu
portanto o mar
seus olhos
que inflamam
ao me ver
inventar palavras
que substituem
sua sombra
que estimulam
minha sombra
a ficar

RESTART

o resto dos erros (do eros?) que não consegui me livrar
por pensamento
por reza
pela rotina
é o que acaba sendo retorcido
numa obra de arte
vista pelos que não erram
e
por isso não se sensibilizam

mercador

será que ninguém percebe?
nosso problema é de ouvido
se ouvíssemos o relato dos mais velhos
se não fossem mentiras, aprenderíamos algo
talvez que é possível suportar a pressão por nos igualar
que sendo diferentes podemos conviver
que podemos tentar errar e do erro sobreviver

(mas não preferimos
a juventude com sua tolice sobre o tempo)

abacate

sempre escreverei poemas babacas
porque o mundo é babaca
quem explicar aos filhos
sem levantar a sobrancelha

que a cor é uma ameaça
que há faixa de gaza
que carros podem explodir
que com certeza alguém irá rir de você
é o quê?

sábado, 22 de setembro de 2012

vômito

...e a obra de arte
acaba sendo
o resumo
de toda besteira
ouvida
cheirada
olhada
molhada

um encontro entre
o cheiro da coragem e
a consistência do vômito

cantiga

o deserto de seus olhos
me mostra o valor da ilusão
se posso pintar de azul uma solidão
por que encará-la de frente
sem cor
sem frequente ritmo dolente
que me nine
que me engane?

vaias

o desafio do artista plástico contemporâneo
é
conseguir
fazer
o povo
parar
para
vaiá-lo

(por não querer parar para nada nem para entender que a arte é como a vida
cheia de coisas, bonitas ou feias, que não deveriam existir)

gangorra

a vida humana
funciona como numa gangorra
ou
se ajuda
ou
se
é
ajudado

SET LIST OFICIAL


1 – Ainda lembro/Na Estrada (com Renata Rubim)

2 – O Alvo;

3 – Don’t Stop Dancing;

4 -- Sim;

5 – Constelação;

6 – Contra;

7 – Complexa Vazão;

8 – Sweet Sina;

9 – Desafios;

10 – Pedra;

11 -- Brigas;

12 – Crazy;

13 -- Jaques som;

14 – Little Wing;

15 – À Cecília;

16 -- Cegos;

17 – Inútil;

18 – Papai me Empresta o carro;

19 – Malandragem (com Renata Rubim);

20 – Minha Alma.

fogueteiro

algumas verdades são muito claras: quem tem competência para fazer algo não ficará olhando o desempenho do outro gajo que está a fazer
quem tem competência não se enraivece com o talento alheio ao contrário, por saber analisá-lo, aproveita a pólvora alheia e solta seus rojões

esconderijos

alguns críticos, que escondem seus poemas, têm mania de criticar um poema com visão romantizada. Ora, e a visão romantizada de que um poema tem que ser sempre contra algo não está explicitada?

nariz vermelho

Engraçado...! Os sem graça acham graça da graça do palhaço que não conseguem enxergar? Depois quando do nada começam a chorar a quem vão implorar por ombro, amigo num nariz vermelho de sacrifícios...?

solição

diante do desespero da solidão
quantos sãos irão?
quantos sãos ficarão?
quantos são?
quantos sãos?

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

(Nos) Toquem!

muitos músicos tocam muito
muitos sabem tudo e no entanto não emocionam
parecem querer cumprir um contrato de imitar o que já foi tentado
não consideram suas necessidades
como seres humanos que sofrem e tocam que tocam e choram um blues um jazz não apropriam suas dificuldades na vida
não gritam sua própria melodia e aí depois reclama que ninguém está prestando atenção

MMA


...e a dor de viver
é a dor
de um blues
ansiedade de jazz
que jaz
no instante em que descobrimos
o que viemos fazer
nesse enredo
de mascarados risonhos
e
piratas tristonhos
todos fingindo se importar
com os sentimentos que estou a narrar
como se não soubesse da necessidade humana de
derrubar na primeira desconfiança

SONHOS S/A

quando um menino me diz que era triste porque estava longe dos seus um dos quais sou eu fico pensando quantos agora também estão sofrendo e aonde de fome de raiva de medo de tudo por todos que não têm onde caírem mortos imagina se podem imaginar enquanto compramos nosso sossego no céu (alguns ainda acreditam nisso) ou sonhos eletrônicos ou ficamos reclamando do tempo do vento do teto estamos deixando de pensar em como podemos participar mais de uma coisa chamada sociedade que não é esse a nem limitada é totalmente ilimitada como deveríamos ser e fomos há alguns anos

Blues e Jazz

Se blues é saudade
Jazz é ansiedade
e a idade melhora os dois
porque ambos são manifestações
do sofrimento humano
um cão não faz de conta
não relata experiências
nem lacrimeja de desejos
uma lesma apenas lesma
um rouxinol não canta o amor
muito menos a dor de estar vivo

(poeta)

Poema feito a pedido do poeta Bernardo Souza

quando criança
queria ser tanta coisa
astronauta
piloto
palhaço
toureiro
doutor
hoje
sou
feliz
por escrever a paixão de estar
vivo
isso me move
me desentope
me aquece
me amolece

o que sou mesmo?

gajo

Tio
Lá como cá
eles não entendem...

Eles não entendem
nem querem entender...

Eles quem, Bernardo?

Eles, os gajos!

aos 50

o cara rala
mais da metade da vida
para aos cinquenta
voltar a brincar com
carros, motos, barcos
brinquedos que gostava aos cinco, seis anos, que seja!

telespectadores

a velocidade inibe o amor
a velocidade inibe a visão
a velocidade inibe o gago
inibe o difícil
aumenta o medo de tentar
a velocidade da vida nos faz comprar objetos, objetivos
que não são nossos e depois nos vendem que o ócio
é ficar vendo alheia emoção
na televisão:
telespectadores da vida alheia!

Especiais e diferentes

...o que quero dizer é que: tem de se aprender a perder!
num mundo virtual em que todos parecem iguais
em que todos podem correr como o Neymar
em que gordos podem ser jóqueis
em que baixos podem arremessar
em que burros ganham nos argumentos cultos
tudo está desarrumado
e quem disser o contrário está sendo hupócrita
aliás
como quase sempre todos que querem nos convencer de que não somos diferentes
especiais todos sim!
mas
diferentes uns dos outros

irreal

qual é o garoto que pensa com a velocidade de um cometa
que tem de aprender algo com alguém mais velho?
onde estão os mestres?
deixaram de existir?
ou por inteligência ou por experiência
perceberam que não tem mais discurso
num mundo transtornado pela velocidade irreal do mundo virtual?

to be or not

pela velocidade do mundo virtual
os garotos
acabam achando que podem ser tudo
como ganham campeonatos de não sei o quê estrelado
acham que serão os novos Michaels, Phelps, novos físicos nobéís
e aí
quando a onda do mundo real lhes dá a primeira soca
quantos irão encarar a realidade?

quantos terão coragem de perceber que é preciso de tempo para vencer...

ou perder

Rafael Alberti, SEOANE

Finisterre, golpeado.
Ojo que sueña el mar,
color mojado.
Un pincel que se hiere,
que hasta rompe a llorar
y hasta se muere.

Por los caminos de neblina
violeros,
gaiteros,
perros y santos pordioseros.
Una aldea velada en la retina.

El cántaro es de amor
la patata, el pimiento,
la botella y el mozo que se lleva la flor.
Y la lluvia y el viento.
(La lluvia, sí, pintor,
ese constante
pañuelo popular
que ya lava o deslava tu color).

Quema, distante,
el lar
un canto de emigrante.

Y siempre, em tu paleta,
una nostalgia quieta.
Y el mar!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Oxímoros 3

essencialmente incompleto
especialmente ordinário
excepcionalmente animal
ordinariamente cardinal
absolutamente critico
absurdamente estilo

excesso

belo excesso de tristeza
de um azul voraz
firmeza calma
agonia poesia
acidente que salva
satisfaz excessos
beijos com nexos
fim de um começo

Oxímoros 2

Água deserta
Azul voragem
Paixão que espera
Amor selvagem

Antônio Barbosa Bacelar, A UMA AUSÊNCIA

Sinto-me sem sentir todo abrasado
No rigoroso fogo, que me alente,
O mal, que me consome, me sustenta,
O bem, que me entretém, me dá cuidado;

Ando sem me mover, falo calado,
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta,
Alegro-me de ver-me atormentado;

Choro no mesmo ponto, em que me rio,
No mor risco me anima a confiança,
Do que menos se espera estou mais certo;

Mas se confiado desconfio,
É porque entre receios da mudança
Ando perdido em mim, como em deserto.



terça-feira, 18 de setembro de 2012

heróis

super proteínas
super pilulas
super esquinas
forjam
heróis
que se veem heróis
e que são vistos como heróis
em sombras
em espelhos embaçados
de notícias de suor
que exalam
em forjadas danças atípicas
arrítmicas

desencontro

o tempo do nosso desencontro
(conosco)
é a diferença entre o tempo
da velocidade
em que penso
e
da capacidade que tenho
de
correr, nadar, pedalar, trabalhar, amar...

fumaça

...não entendem...

não entendem que enquanto no mundo que chamam de real fingem ser o que não são fingem gostar do que não gostam se iludindo do início da manhã até amanhã e rindo amarelecidos com sapatos enormes em pés pequenos o mundo dos artistas a quem chamam de maconheiros, sem-vergonhas, bichas é o mundo* da imaginação consciente enquanto nos treinamos a expressar a dor de sentir e não mentir para nós mesmos os outros e seus trejeitos fedem a churrasco a fumaça de carro do ressentimento que mentem


*mundo em que o azul é por muitas vezes a dor que sinto num blue que o amarelo é o sorriso que trago em dentes estragados das surpresas preparadas pelas cinzas da vida que eles desdenham sem ao menos conseguir esconder o medo que sentem de dizer sentir

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

GEMO

Ouvindo Moanin' com Charles Mingus


Gemendo de pavor
estupendo valor
de ter coragem de assumir
de ter medo
de exprimir
e luzir tudo aquilo
que há anos estava engasgado
tremendo de pavor
de parecer professor
(sei fazer não gosto de ensinar o óbvio*)
sei que as rimas são partes do valor que trago
rum velho estragado pela opinião de quem não faz
e fala e sabe de tudo de tudo que nunca fez
sabe tirar valor burguês da indignação que produz quem produz

gemo
remo
blasfemo
CONTRA TUDO QUE NÃO SEJA A FAVOR!

* óbvio para quem ninguém quer saber de nada de tudo queremos o todo e do muro um pedaço, sem esforço, do tijolo que forjou a batalha

beirada

é ilusão sentir no olhar de uma criança um pedido de atenção
é ilusão sentir nas palavras que saem ardendo a fome num moço de rua?
é ilusão sentir aquilo que todos temem num hospital numa tarde de Domingo?
é ilusão não poder trocar três palavras com uma senhora que se desconhece no espelho?
é ilusão não encontrar palavras que nos despeçam de nós mesmos numa beirada de cama estranha?

orvalhos

SENTIMENTOS...
imagens que sinto
palavras que sinto
pessoas que sinto
e se sinto, sento e recolho um sentido
num momento
choro, às vezes, normalmente, rio
de tudo isso
que faz parte de nós
(que)
sentimos
sentidos
sentados
(somos)
orvalhos

Besteira

A Victor Cunha

Besteira!
Pensando num poema que mostrasse um pouco de como sinto sua existência só me vem na cabeça besteira...
(Não porque uma coisa está ligada à outra mas muito provavelmente porque tenho tanto a lhe dizer...que acabo anulando tudo e fico mudo...mas tentarei")

de uma maneira simples diria: Você já sabe tudo! Tudo o que quiser conseguirá porque seus dotes são imensos, tens nas mãos a possibilidade de dar vida: as árvores lhe darão frutos, os passarinhos cantarão sua canção, se quiser, fará um prédio, um novo método, um disco voador...
Se quiser, e deve querer!, terá a força de ajudar todos que estarão sempre à sua volta, observando e aprendendo como você se comporta, como conta uma história...
Não deixe nunca ninguém dizer a você o contrário do que estou escrevendo agora. O mundo é seu e de Beatriz é só vocês pararem de brigar!

(Consegui!)

domingo, 16 de setembro de 2012

gaita

todos querem tocar a própria vida
como se o amanhã fosse hoje
como se o passado não tivesse existido
preferem
deprimir a sofrer
ansiar a viver
escondem a expressão* da dor de hoje

preferem
ardências vãs
tarjas pretas
subterfúgios


*expressão da solidão sentida numa melodia de gaita
mal tocada mas minha

girassol

sinto um nome
sinto fome
sinto e some
o instinto some
porque deixei de escutar
minha própria melodia

me perdi de mim
passei a acreditar no que diziam
no que mentiam
de si para si
de si para mim
de mim para mim
insistiam e mentiam
e eu ouvia e não desmentia

as mentiras são tão fortes que mudam o norte dum girassol que por sorte sou eu

ciência

construindo o passado
ansiando o futuro
dois cursos
entre a possibilidade
da verdade
do presente
que magoa porque é o que é
não mentiras
nem ilusões
quantos de nós aguentamos viver conscientes?

máquina moderna

contra as lembranças
a vida real é contra as lembranças
enquanto não penso no passado
compro o presente
no presente
compro
compro sem pensar

enquanto choro recordações
estou parado em mim
e não contribuo para a engrenagem
da máquina moderna

mousiké

arte das musas
poesia, dança, sons
tons
de amarelos
ouro de tolo
todo o ser humano
é artista da própria vida
e
deveria gemer
a própria melodia

Camões, OS LUSÍADAS (fragmento)

(...)
Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho
destemperada, e a voz enrouquecida,
e não do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda, e endurecida:
o favor com que mais se acende o engenho,
não no dá a pátria não, que está metida
no gosto da cobiça, e na rudeza
Duma austera, apagada, e vil tristeza.

Oxímoros

Real ilusão
Novo experiente
Velho são
Poeta prosa
Poema rosa
Silvo silencioso
Romance pomposo

sábado, 15 de setembro de 2012

harmonia

A Carlos Salvador Richa

assim que souber como cantam os pássaros
lhe contarei
e cantaremos uma canção
composta com metade da emoção de saber transformar sensação em assobio
um poema também tem ritmo
e o dia em que descobri essa essência tudo estava resolvido tudo estava reprimido em mim
em nós as árvores se mostram e também têm remorsos de não saberem a humana e estranha compulsão de se mostrar em métrica e versos harmonia que queremos descobrir todos os dias

telefone

subterfúgio para a alma

a música
às vezes acalma
como se fosse um cheiro de doce de goiaba
tentando afastar o cheiro de panela queimada
como se fosse um sol afastando nuvem
como se fosse um cume afastando um rolar de pedra
como se fosse alguém atendendo o telefone

Miles Davis

é como se Ele
tivesse capturado o sentimento-blue
e o jogasse sobre nossas cabeças em cada sentença musical
severo
sério
suado
pingando gotas de conceitos
e preconceitos
que jazem
que fazem Dele
o mestre
o mágico
o sal
pedra
cerda
cera de abelha-rainha
sendo
um Davi
derrubando
nossas
(Dele também)
idiossincrasias

sem solução

Ouvindo Naima, com John Coltrane

um sax
chorando uma melodia
uma lembrança
um nome de mulher
um sopro
suspiro
mel
odioso
de saudade

sal e idade

sofrer
sofrer
e ter
de continuar
a ver
a ser
a querer

um motivo
uma motivação
uma canção* suspira suor saudável de sexo
severo sentido de insegurança
seguindo sem solução


*e canto para espantar o espanto que me consome e de vez em quando some quando há música

Olho

Ouvindo Oleo, com Miles Davis


O olho olha
e absorve paisagens mortas
o olhar diz quase tudo
diz quando não queremos estar ali
aqui
acolá
olho um olho morto
e desejo tanto a ilusão
desejo
chorar até a exaustão
e não pensar em nada
pois
tudo acabou
na ausência

ferida

Ouvindo If I Were a Bell, com Miles Davis


...e se uma campainha soasse
e me avisasse que no mundo quase todos os ditados são bobagens
"o importante é saber quem se é"
e por acaso conhecestes alguém que sabe verdadeiramente quem é?
onde está esse cidadão
Será que o Kane sabia?
duvida?
tenho certeza disso
somos a soma de nossa educação, caráter e manias*
outro é aquele:
quem com ferro fere com ferro será ferido
amigos, todos seremos feridos não pelo outro
mas pela vida
inexorável
na sua tão temida despedida 


*muitas delas adquiridas cedo e depois temos medo de nos analisar

preferindo acreditar na opinião alheia que alheia está e ficará



o nó

...e se fôssemos morrer agora?
escutaríamos nossos gritos de amor?
passariamos a escutar as palavras que uivamos para nós mesmos e nem ao menos conseguimos pensar?
seríamos mais felizes ou menos tristes por tomar conhecimento do outro*?
quando e em que altura do sufoco que vivemos saberíamos discutir algo em nossos pensamentos?
sendo dois podendo escutar um único soluço essa seria a solução
sem saber mas estando mais confortado por ainda não ter passado desato o nó dessas emoção e sigo




* quem é o outro que também sou alma estranha que não acalma excita a sábia mania de querer mais

necessária palavra

...esse sol é real?
e essa chuva miúda que suja meus olhos é necessária?
onde acho palavras que expliquem a emoção de estar molhado e seco ao mesmo tempo?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

ex-pierrots

Ouvindo My Favorites Things, com John Coltrane

senhores
dentre minhas coisas favoritas
estão
a poesia.
de olhar o mundo com vontade de versos
a ambrosia,
de comer até o olho não aguentar mais de tanta felicidade
a acrobacia,
de tomar banho de bacia para economizar
água
e gastar energia
sonhando em escrever rimas que nos tirem do marasmo
da anorexia da fantasia de ter de aturar a realidade falsa dos sorrisos de ex-pierrots apaixonados
sem tempo de demonstrarem o verdadeiro choro dos palhaços

lua

...e essa dor de se perder compensa a razão de ser...
novo
um príncipe
composto de água de sentimento
sorriso
fixo na determinação de continuar
na emoção de colaborar sendo
o mesmo
lua em posição de buda
nuca fresca serena intensa
esperando a vida
aprontar
e com ela
adormecer na ilusão
sempre na doce ilusão
de continuar

goiabas

A Jaqueline Akemi

olhos felinos
esperam
inspiram
versos
certos?
seguem um assobio
interno
alguma coisa me diz que tudo vale a pena
não sei por que me veio
esse sentimento
(insisto*
não sei por que o veio)
incerto
sigo sério sem razão
sigo o ritmo
que o cheiro de amor
me leva a sorrir
e insistir

*insisto em tentar sonhar
o sonho do nome que vejo num instinto de menino
que aprendeu a amar

melodia-poesia

Ouvindo Kind of Blue de Miles Davis e lendo uma compilação dos poemas de Michel Deguy
vi que tinha um novo objeto de desejo
fazer um livro sobre esse ensejo
misturando
o som do azul quebrando no mar
com a melodia* simples ali implícita

*melodia azul como o dia em que descobri a força do vento da poesia

credo-rum

quando escrevo azul
num blue
não me refiro à cor azul
é do sentimento-blue
de que trato
do trago do rum azul
que me ilude
que me faz sorrir
que me faz querer acreditar
que tudo não é ruim

azul piscina

Ouvindo Killer Joe, com Benny Golson e Art Farmer

seu punho é azul
o barulho de fuzil
vem do sul
daquilo que todos chamam de bairro
do laço que pretende
prender uma criança-cavalo
potro que corre solto pelas esquinas
cheirando (a) tinta
azul
requer cuidado cinza
cigarros queimam os pés dos que correm
e queimam a boca dos que falam:
AZUL!

(mentira azul é sua sina)

decidido

penso e o pensamento é um perigo
um pensamento nos põe para pensar como a vida poderia ter sido se continuasse*...


*se voasse se se amasse se não magoasse viver se não doesse crescer se não ardesse se perder se aconchegasse se chegar perto de quem se gosta se se gostasse de si 

Piratas

Ouvindo So What com Miles Davis


aonde vamos parar?
com quê polícia
teremos que ressuscitar?
onde estão estacionando nossos desejos?
como pode bocas abrirem sorrisos de velórios em enterros?
o aconchego do sexo sempre é inteiro?
e as boas notícias serão trazidas por quem?
como quero respostas se não paro para escutá-las?
brigo a briga da vida real e a única certeza é a de que nada sei?!
onde arrumo um monte de revistas para fazer uma escada?
como posso queimar livros e não querer ter uma sociedade de piratas?

antigos ensinamentos

quando descobriremos que a ilusão é que é real?
que a realidade da vida
(vida real)
é fingida
vendida pelos mais antigos que já se enganaram
e por engano
fingem não saber?
e continuam a enganar para sobreviver das metiras deslavadas que gostam de dizer ter experiência (?!)

jaz

...vem...
palavras vem
vem voando e quase me acertam
setas
certas
sozinhas
vem chegando
vem cegando
derrubando cercas
isolando-nos
conscientizando-nos
amarrando-nos
às nossas (in)certezas
soando com um solo de sax

corpo que jaz

real ilusão

existe uma linha tênue
entre
escrever emocionado
e emocionar por escrever
o que deve ser escrito
tenho lido
tanto e são tão poucos os momentos em que me emociono de fato
alguns poetas confundem escrever com um relato
quando o escrito deve ser um grito
assustado
de um ser humano abismado com a falta de percepção dos outros que adoram a ilusão da realidade

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

estilo

murmúrio de um rio

morte anunciada

relevante maneira de se apaziguar


murmuro sozinho

um estio

um estado de própria certeza

difícil de acreditar

Michel Deguy, (HAUTERIVE)

    E esse escritório nos campos, encostado à orla do bosque que me olha a nuca pela grande janela de seu fundo, onde eu trabalhava sem cronômetro, travessia lenta da tarde nessa barcaça cimentada ao cais, pontuada por suas visitas. Pois você era minha visitante, vindo da casa com a criança nos braços, depois pela mão; você aparecia pelo lado do campo. E o que não nos dizíamos, o que não teremos nunca conseguido dizer, dava a profundidade insondada, como a altitude oceana sob a braçada preguiçosa do nadador, a nossos sempre menores ditos.
    A frustração de sua existência, que era equilibrada apenas pela promessa do pouco de revelação amanhã -- afinal chegaria o dia de são nunca --, a promessa foi num único lance renegada, deposta pela morte anunciada, que veio em alguns dias.
    Está acabado, murmura a noite: murmúrio que não se escreve nem se ouve -- Mane-Thecel-Pharès só na minha cabeça.

Michel Deguy, É A PRIMEIRA VEZ

    É a primeira vez que a deixo sem que você esteja aqui. Não ouvirei mais sua voz cicatrizada há tantos anos, cobrindo mal sua ferida de há mais anos ainda, a voz quando eu telefonava de longe e para você tudo estava terminado para sempre por alguns dias, que dizia a injustiça e o abandono contra qualquer verossimilhança, já que poucos dias depois retomava seu curso a outra injustiça, a cotidiana, sua voz sem razões, e você tinha razão tantos anos antes já que no final seria abandonada, você sabia disso, sua voz asfixiada pela ausência e pela insensata separação, seu ser secado pela súbita, evidente, fulminante fatalidade, a falta de ser, a falha do que tinha sido prometido, a falta de estar juntos, a cruel falha infligida, a inflexão vitimária, seu ser einfectado de provas.
    e no lugar do uníssono a recíproca, a instantânea, a brutal ferida pelo telefone, como num ataque de esgrimistas vulneráveis, tocados, tocados ao mesmo tempo pela ponta cega do outro pela milésima vez "oh furor dos corações maduros pelo amor ulcerados"
    é a primeira vez que a deixo sem que você esteja aqui para sofrer, e em vez de receber pelo menos um abrandamento da pena, de pelo menos não fazer mais você sofrer, é meu abandono, o que eu desejava, citando o amor taciturno e sempre ameaçado, que torce a esponja do ventre e me muda em carpidor, como se a viagem agravada tantos anos por essas más condições, esse contágio de erros recíprocos, tivesse encontrado aí seu regime de melancolia, sua tonalidade de fracasso inevitável, do qual alimentar-se e à sua interrupção ceder sem lamentos.
    Acordo na lagoa equatorial, bem antes da aurora deles, como de costume, e é para o aniversário e seu alarme, há um mês minha mulher morria, não posso dizer você morria, com um você enlouquecedor, sem destinatário, e digo mesmo "morria", não perecia ou lia ou viajava ou dormia ou ria, mas "morria", como se fosse um verbo, como se houvesse um sujeito para esse verbo entre outros.

Loucos (música)

Loucos
são aqueles
que fingem gostar
de um pedaço de parede

Loucos
são aqueles
que gostam de ver
precipícios numa rede

Loucos são
Loucos são
Loucos sãos
Loucos sãos                 X 2



Loucos
são aqueles
que fingem gostar
de um armário numa rede

Loucos
são aqueles
que gostam de ver
quadros falsos na parede

Loucos são
Loucos são
Loucos sãos
Loucos sãos


De repente, vi de um carro sair
estranho ser
que me chamou de diferente

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

membro

lembro, antigo membro
sendo atual
recordação, antiga emoção

Viv'alma

A Vilma

rosto
de anjo zangado
voz pouca
pelo excesso
de noites mal-dormidas
simples vida
de árvore
que dá sombra
a todos
filho
que não gerou
herdou
o amor
de quem a fez
a tez clara
realça
a solidez de caráter
arte
de compartilhar
o que não tem

nosostros

do zero aos sete anos
formamos nosso caráter
dos sete aos vinte e um
ouvimos os nãos
dos vinte e um aos vinte e oito
dizemos os nãos
dos vinte e oito aos trinta e cinco
nos casamos
dos trinta e cinco aos quarenta e dois
nos separamos

depois de quarenta e dois anos
nos perguntamos:
terei coragem de buscar em mim quem eu era?

terça-feira, 11 de setembro de 2012

poça olímpica

estragamos o presente
dourando pílulas de histórias passadas
inacabadas

estragamos o presente
por esquecermos do passado
presente nos gomos de tangerina
que escolhemos não sonhar

estragamos o presente ansiando
ansiosamente o futuro
pintando sempre de ouro nossas mentiras-de papelão-medalhas
nadamos sozinhos numa poça de saliva
fingindo estar numa final olímpica

pl ateia

tempo presente muito quente tempo onde o mais difícil é se concentrar
a todo momento somos chamados a nos desconsertar
a nova banda, da música
o novo bando, da política
tudo nos convida a nos esquecermos de nós
não nos admiramos no presente de estarmos vivos
e pensando
(pensando?)
o passado é desvalorizado pela nova juventude
febre cristã
febre evangélica
febre ateia
todos certos da incerteza eterna

hinos

os poetas não inventamos nada
nada
apenas ouvimos a melodia contida na vida
e dela fazemos hinos
simples manifestação da emoção de estarmos vivos

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

mico

todos correm e têm medo de se lembrar
de tudo o que os trouxe até aqui
da emoção de conseguir chegar
sem bem saber o lugar
em que estão
todos sãos?
são todos os que estão esperando
o que mesmo?
o tempo passar
para depois começar a se lembrar
de quem poderiam ter sido?

senil

"...o pulso esquerdo esculpia a virilha"
o pulso direito derrotava-a
e a água escorre como de cachoeiras literárias
barulho de palavras
devassas
seiva
solitária
desperdício senil

Michel Deguy, TENDO EM VISTA...

Tendo em vista você por meus cuidados trilobada Eu
    Haste cuidada por suas mãos
O hálito requerendo uma palavra que a invagine
Eu é um outro eu amando esta aqui
Por esta aqui um outro eu simulando o semelhante



Ser um ser qualificado como uma criança
    Bordado de atributos dessa sua boca
Amando a súplica das línguas moventes
O contravento das faces ligadas a contra-suplício
Ou o enxerto de delícias quando seu dorso me olha



O pulso esquerdo esculpia a virilha
O lago nu do suor refrescava
    Será que a abandonei
    Eu o eixo do alicerce
    Você o jardim suspenso

Michel Deguy, TERIA SIDO POSSÍVEL

Teria sido possível dar-lhe a morte, quero dizer confiá-la à morte com mais ternura, olhando-nos mais vezes um ao outro nesse e através desse saber, de sua morte, na proximidade cada dia dessa morte? Deitá-la ternamente, amortecê-la como se adormece uma criança, cobrindo-a, acariciando-a, cuidando-a na morrição, com dor e lágrimas deixadas no rosto, acompanhando-a até
    ... possível se tivéssemos sido ainda mais velhos, e também menos pudicos há tantos anos, mais confiantes num passado que teria sido menos contencioso, trocando amor contra morte, morte com amor
    também, claro, se eu a tivesse abandonado menos na porta das igrejas, se rezar tivesse tido sentido, mas isso também eu tinha tirado de você, eu tinha secado também sua alma piedosa, subtraído o
    se eu tivesse sabido falar melhor das coisas na ordem
de nosso dia, tais como

                                                                                                                                                                                                      se
retira, e do suicídio, e


    dilacerando

poeta-pai


aqueles cílios distraídos

olhando um jogo de vídeo game

quando me olham são o mundo real

transformando um sentimento em palavras

são águas de rios se juntando e num oceano transbordando em letras

são certeza

são força vital

de que um poema necessita para existir

porque nutrido pelo filho-poeta-pai

Michel Deguy, CONTO

Certa noite havíamos atado uma só cintura
Você me cochichava um conto ao ouvido de neve
          E me dizia estou emocionada
E já havíamos transposto vários grandes intervalos
Realizado arcos de ausência maiores que os de Avignon
E voltamos a nós através de vaus tomados pela cheia

choro

choro
por me lembrar do tempo
em que os abraços eram dados com braços
que tangerinas eram conhecidas
nos pés
tempo em que uma música de amor
sempre falava em coração
e tempo em que nos parques
árvores sofriam em canivetes o mal do amor
choro e continuo chorando a dor da descoberta
de um mundo que poderia ser melhor se não fosse nossa vontade de estragá-lo
com nossas fraquezas propagandeadas pela televisão e fofocadas
à exaustão pela tecnologia
que dizem salvará o mundo

jacentes

nascentes

jacentes

marés antes

sorridentes

jazem

por falta

de rios

Michel Deguy, FABRICAÇÃO

A qualquer preço quero entrar na língua, presentear as possibilidades de dizer com este extravio em direção do que agora recebeu o nome de você, do que se chama enigma -- este pátio, este limiar, estofados, estas portas de Paris para onde você foi proscrita, e gostaria que o poema se tornasse romance atraindo para si os gestos da cozinha, as frases de telefone, o uso do vento, a insignificância daquilo que nos separa da morte; a qualquer preço redoar à língua, tornada túmulo, tudo aquilo que nos dá que chamamos seu exterior, e rebater sobre ela esta vida com a pulsação de que fosse capaz, em um barroco obscuro monumento a seu erro, criticsado por outros; fugindo pelo pensamento* em sua floresta de palavras arrancadas da noite (bistre, quilate, ponctura) e relapso com o léxico, o emudecimento e as frases familiares, como uma prova em suma de velocidade sobre obstáculos através da mata, cuja destinação mortífera e negligente arqueja até o branco pé de página, no reverso, o banco de repouso, ufa! E de igual maneira atravessar ao lê-la uma biblioteca num salve-se quem puder trazendo livros em meu livro, re-suscitando, e destruindo sem descanso para salvá-las do desastre as páginas admiráveis impossivelmente condensadas no poema



* fugindo por exemplo fugindo
   do grave no centro do mais sério
   mesmo no modo como você mostra
   um exemplo ensudercido na conversa
   e rápido como um deus que erra um rapto 

Michel Deguy, A HISTÓRIA

Zurra ali talvez um asno -- um ruído. "Comaparte", diz o livro, bizarro. Vento vira feito mesa. A morte pendura crianças em seu porta-maxilares. À estiva ele está entre a vida e a morte. Está onde a indiferença prosperou, o luto encolheu e a jura de amor é adiada. Os flancos do basculante despejam sob a polar. O dia não dita sua lei ao sono. Entretanto em toda parte corre perigo a vizinhança.

domingo, 9 de setembro de 2012

QUINTANARES

em barcos ímpares
singulares
sofro da maledicência dos mares
ronco bruto das marés
angulares velas
velhas
cismas milenares
pele dos palmares
ardem
navegam
circulares
espetam medos
espetaculares
sem cantares
sem quintanares
cem lares
por amares 

Michel Deguy, CARDIOGRAMA (MAIO)

O Sena era verde em seu braço
Para além da ponte Mirabeau sob
as colinas como uma respiração
A periferia nos aspirava
Queria tanto seria tão
bom que você pensasse em coisas boas
mas a coragem agora de
um coração como um prisioneiro furioso como um
( coração
extirpará do lírico o remorso de si!
A expansão do dia nos privou de dias
A vazante da noite dá às noites seus contornos
Oh meu amor paradoxal! Nos privávamos de poesia
Mas a coragem será a de privar o poema
do gosto de nada sobre o gosto de tudo

Michel Deguy, MOVIMENTO DE MUNDO...

E como vai a vida que não é eterna?
Houve a claridade   Houve o enigma
E então foi feito


Houve o engma.   Houve a claridade
Ser   veio a ser   isto
Houve o enigma houve a claridade
E então fez-se a terra no centro da mesa


Quem senão ser´a força dos fracos?

Michel Deguy, ESTA MORTA

Esta morta tão parecida com quem podemos dizer tudo
Tu morta amada matada muda ida ao longe tão perto
Ela retirou o que dissera em si mesma sepulta
E nós com gestos com flores para lembrar
Em busca do gesto que deu o dado dos sábios
(Ele fez-se presente)
A dança sem modelo que conduz a tal modelo
Onde o pintor naturaliza a nudez

Michel Deguy, OS DIAS NÃO ESTÃO CONTADOS

Saibamos formar um cortejo de deportados que cantam
Árvores com flancos de preces
Ofélia no flutuar do tempo
Assonâncias guiando um sentido ao leito do poema

Como designar aquilo que dá o tom?
A poesia como o amor arrisca tudo nos signos

a penas

queria poder aprender com você
queria poder aprender
queria poder deixar de ler, deixar de ver, deixar de ser
queria apenas respirar o ar
e deixar de pensar
deixar de pensar e brincar de sonhar
queria deixar de deixar e estar

apenas estar

loucura nua

sem cerimônia
serramos
sérios
nosso futuro
esquecendo
que somos sementes
e pretendendo
por incrível que pareça
comer os frutos
que não plantamos?

quantos enganos!

potes

diferença grande existe
entre cativar solidão e cultivar
palavras
são potes d'água
aceitam todo o tipo de impaciência
inclusive a ciência de fingir fazer o que já devia ter sido feito

(quem aceitará a missão de fazer o que deve ser feito?)

selva de pedra

A Whitman

folhas de relva
selva de pedra
cheiro de acelga
plena
perto do profeta
poeta
que salva
que serra
palavras
árvores
da sabedoria
que sabíamos
um dia

sábado, 8 de setembro de 2012

consciência


Numa manhã um bebê nasceu
a sede de saber dos pais o acolheu
doeu?
doeu
na água era mais fácil nadar

a demora da caminhada
às vezes leva uma vida inteira de nada
e a sorte de nascer na família certa
com a dose diária de amor
sempre fez, faz e sempre fará a diferença

a escola ensina que os amigos existem
mas
muitas vezes as críticas
acabam ensinando mais
muito mais queremos
e muito mais iremos lutar para
obter
o quê, com quem, onde e quando

são perguntas de que não nos livramos facilmente
e a vida segue frequente na rotina que nos alivia de pensar

(para quê preciso de arte?)

dizemos todos
quase todos que no momento certo saberemos como nos expressar
só que a falta de treino muitas vezes acontece naquele momento crucial em que deveríamos ter aprendido a nos posicionar
não houve conversa
não houve som
agora só há solidão

beber?
comer?
foder?
ou correr?
para onde e de quem?

nos escondemos em nossas ilusões
e muitas vezes em ações torpes
que nada resolvem e nos atrasam na busca por saber quem somos
e até onde alcancei é aí que mora o perigo
de repente nos vemos aflitos
sem amigos
sem parentes
sem ter em quem confiar
(sem ninguém)

e como queremos ser alguém sem ter com quem brigar?
novamente a rotina nos impede de nos motivar e na maioria
das vezes escolhemos em qual evento iremos descontar
fulano é metido!
sicrano é bicha!
o síndico ladrão!
a cantora sapatão!

e a vida continua seguindo sem emoção
ou com a emoção adulterada por drogas, lícitas ou não, e opiniões sobre relacionamentos de pessoas que nem ao menos conhecemos (?)
loucura de uma sociedade totalmente pirada na ânsia exagerada pelo sucesso imediato

cansado disso tudo resolvi um dia por exaustão fazer um poema em homenagem ao meu irmão falecido, chamado Frederico e bom... cá estou a falar da dor de viver consciente

Juan Cristóbal, Fragmentos

1

                                       a Jorge Teiller


Quando bebíamos as cervejas eram azuis
Com teus olhos de morango nu inventavas o mar e sua cólera incerta
Em teus longos cabelos de outono cresciam pombas adorando o orvalho
É mais certa a solidão do que o tempo dizias
E a claridade dos caracóis alçava seus anéis de fogo
Quando bebíamos as cervejas eram azuis
Nunca tiveste uma ideia fixa do sonho
Teus filhos aprenderam a lançar maçãs ao céu
E sorrias não sem antes saber o que era a sorte
Buscaste a paz depois do combate
E a chuva sucedeu à vida.


IRENE

1
Minha mãe foi operária
Nas manhãs se vestia da cor dos telhados
E nas noites lia o coração de todos os rapazes

Jamais entregou seus sonhos ao canto dos pássaros
Nem sua vida às árvores que morriam como o homem
Com a fumaça das fábricas

Um dia
A chuva não distinguiu as letras de suas mãos
E a deixou como uma pomba trespassada
Nas janelas da rua


7

                                         (Ao Ernesto Cardenal)

Nunca te perguntei quem foste
Te quis como eras

Jamais te falei da solidão ou dos trigos
Simplesmente construí minha vida
Com teus silêncios e temores

Gravei em mim teu olhar como um ramo de açucenas
Que foi para mim
A única esperança de meus bosques

Fui-te franco, também me foste
Por isso jamais houve entre nós
Mentiras e rancores

Agora
no entanto
Tudo é mais simples
Tua morte converteu-me
No órfão mais triste da noite.

José Watanabe, O ESQUILO

Um esquilo contente, diário, vem ao meu balcão.
Apanha nervosamente o pão que lhe deixo e foge para o
bosque.
Sua fuga parece guiada
por outro esquilo que sai de si mesmo e o antecede
um segundo
sempre,
e atrás dele vai deixando ainda outro, um ágil traço
que se desvanece milagrosamente no ar ordinário.
Assim o esquilo vai, como um curioso jogo ótico de
velozes
            figuras
que nunca se encaixam.
Como a vibração de álguem que corre atrás de
uma      
 
         cerca.


Este foi um exercício muito subjetivo de descrição
que escrevi antes da cirurgia num hospital de
Hannover.
Ficou inacabado
porque não soube conduzir com clareza seu sentido.
Talvez quisesse falar dos animais de vida vibrátil
e também capazes de ser de quietude
como o esquilo que se recolhe ao fundo de uma cova
e hiberna
fetal
quase morto
          e o tempo passa, mas não para ele.
Ou acaso quis falar de ressureições. Eu buscava
desesperadamente esse sentido. Sim,
porque quando o esquilo volta, traz ainda
a incredulidade de seu despertar, transforma-se,
         e, eventualmente,
é uma mulher, o verão, ou qualquer contentamento.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Eugénio de Andrade, SOBRE O CAMINHO NADA


Nada

nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra

Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença

Não colecciones dejectos o teu destino és tu

Despe-te
não há outro caminho



errados

os palhaços estão errados
por temerem as crianças
futuros adultos como ele travestidos
os cantores estão errados
por temerem a microfonia
como se a vida bailasse em silêncio
os pintores estão errados
por temerem cheirar as tintas
que exalam defeitos da realidade colorida
os agricultores estão errados
por temerem a carne
do gado que criam, em solidão, como as crianças
os poetas estão errados
por não temerem escrever palavras
que não signifiquem esquecendo que elas nasceram para comunicar

roqueiros

cantavam como se não fossem viver
cantavam o sentimento da morte em vida
cantavam aflitas notas acordes mais acordes e não dormiam consumiam pelas drogas consumidas consumiam-se
e não dormiam não dormiam para não morrer
sem saber como a vida
era
e tinham tudo etinham pressa e alguns descobriram antes do tempo seu nosso destino

soldados


onde estão os generais que ganhavam guerras com declarações de amor de canhões?

eles se foram por que morreram ou por que nós acabamos com sua munição?

eles se foram deixando saudade de pólvora?

eles nos deixaram mesmo ou somos soldados soldados em memórias de pátrias amadas?

Um país chamado Brasil 2, a missão

independentemente do nascimento
somos mais nossos olhos e sentimentos
do que um pedaço de chão
até porque nenhum país sabe a sensação de se sentir só
nenhum país destruirá um mínimo muro que seja para nos proteger
ao contrário
vários países mandaram seus filhos morrerem por algo que chamaram de nação
que na verdade não existe como chamar de pátria amada
quem te manda para o fim do mundo
para não ter futuro?

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Eugénio de Andrade, PASSAMOS PELAS COISAS SEM AS VER



Passamos pelas coisas sem as ver,

gastos, como animais envelhecidos:

se alguém chama por nós não respondemos,

se alguém nos pede amor não estremecemos,

como frutos de sombra sem sabor,

vamos caindo ao chão, apodrecidos.



Eugénio de Andrade, SOBRE A TERRA



Sei que estou vivo e cresço sobre a terra.

não porque tenha mais poder,

nem mais saber, nem mais haver.

Como lábio que suplica outro lábio,

como pequena e branca chama

de silencio,

como sopro obscuro do primeiro crepúsculo,

sei que estou vivo,

vivo sobre o teu peito,

sobre os teus flancos,

e cresço para ti.





Eugénio de Andrade, ROSA DO MUNDO



Rosa. Rosa do mundo.

Queimada.

Suja de tanta palavra.



Primeiro orvalho sobre o rosto.

que foi pétala

a pétala lenço de soluços.



Obscena rosa. Repartida

Amada.

Boca ferida, sopro de ninguém.



Quase nada.





domador

domar o tempo
não é lutar contra ele
é acostumar-se a tê-lo
como presente
lutando para não ser ausente
do presente de desfrutá-lo
mágico
de absoluto controle
do truque que é fingir esquecê-lo
cativando sabor de ilusão

terça-feira, 4 de setembro de 2012

César Calvo, NOTURNO DE VERMONT

Contaram-me também que lá as noites
têm olhos azuis
e lavam seus cabelos com genebra.

É verdade que em Vermont quando sonhas
o silêncio é uma brisa de jazz por sobre a relva?

É verdade que em Vermont os gerânios
inclinam-se ao crepúsculo,
e em tua voz, na hora de meu nome,
em tua voz, tristezas?

Ou talvez, em vermont enfeitada de outono
beijada a cada tarde por um idioma pálido
submerges a cabeça no esquecimento.
Porque, diariamente, em barcos de neve,
não me chegam
tuas cartas.
E como o prisioneiro que segura
com sua longínqua fronte
as estrelas:
chamuscadas as mãos, diariamente
te busco entre a neve.
Nem o galope do mar, atrás ficaram
imóveis seus cascos de diamante na areia.

Porém, um vento mais belo
amanhece em meu quarto,
um vento mais carregado de naufrágios que o mar.

(Que a lua inatingível
desmadeixam tuas mãos
enquanto o tempo temporal batendo
como uma porta de silêncio soa).

Do vento te escrevo.
E é como se as palavras navegassem
nos frascos de nácar que os sobreviventes
lançam ao vai-e-vem das sereias.
Ao longe escuto
o amassado celofane do rio
descer pela ladeira
(um silêncio de jazz por sobre a relva).

E pergunto e pergunto:

É verdade que lá em vermont
as noites têm olhos azuis
e lavam seus cabelos com genebra?

É verdade que lá em Vermont os gerânios
outonam as tristezas?

É verdade que lá em vermont é agosto
e no mar, ausência...?

César Calvo, AQUELE BELO PARENTE DOS PÁSSAROS

Aquele belo parente dos pássaros
que escondia sua sombra da chuva
enquanto tu conduzias,
sobre ardentes cadernos, o voo de sua mão.
O menino -- lembras? -- aquele que subia
pelo estame encarnado do verão
para contar-te rios de perfume,
cabelos louros e país de nardos
Teu menino predileto ( se o visses!)
é a alma de um cego que pena entre cactos.
É hoje o outro, o sem-rir, o pálido,
raivoso jardineiro de outonos enterrados.

E sabendo disso o quiseste tanto?

Acostumaste-o ao mar,
ao sol,
ao vento, para que hoje ande respirando asfixias
num poço de náufragos?

Para esta pobre condição de neve
defedeste suia luz de apaixonado?

Poesia, não quero este caminho
que me leva a pisar sangue no prado
quando a lua nos diz que é orvalho
e minha alma jura que é espanto.

Poesia, não quero este destino!
Leva tuas sandálias!
Devolve minhas mãos!

O final da história há de contar as estrelas
e as folhas que cobrirem meu sonho sepultado.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

equação

solidão = consciência = ciência da razão = verdade
ou seria

verdade = ciência da razão =  consciência = solidão?

trique- trique

o tempo
não existe para quem já está morto
e estar morto não é morrer
é não fazer em vida
é não ter como errar
é se prevenir e parar
e parando continuar
a apenas respirar
sem se dar conta da rotina
e até desejá-la

(truque que a vida ensina)

Ela

olhos olham bocas prendem a última opinião braços abraçam dificuldades inteiras e nada disso é novidade
nada consegue ser mais novidade depois da consciência o problema é o que fazemos com ela
um hino um tiro um simples aceno de mão

o segredo

o segredo é o medo?
então não expondo o tremular do meu queixo
terei sossego?
como se as outras pessoas também não sentíssem o mesmo?

(se esse é o segredo que queremos guardar quanta perda de tempo!)

Charlatães


Charlatães!

Charlatães não são os que fazem previsão do futuro mas aqueles que desejam saber o futuro

ou não sabem que o que virá é doença e morte?!

Procurem a arte...é mais barata e imprevisível!

domingo, 2 de setembro de 2012