sexta-feira, 30 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 30 de setembro de 2016 -- sangrantes

sangrantes

Por que queremos ser máquinas se sangramos?

Será que achamos que enganamos alguém dizendo não nos importar com o calor d’África que nos consome o humor?
Por que tanta vontade de exibir-nos em atléticas maneiras estrangeiras se dormimos ouvindo nossas antigas cantigas de roda?
Por que necessitamos afirmar que podemos tudo quando não conseguimos nem ter amigos que ouçam nossas mentiras?  

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 29 de setembro de 2016 -- estrangeiros

estrangeiros

ACABAREMOS

E talvez sem últimas palavras
(isso ninguém me disse eu senti porque meu irmão aos trinta anos se foi de repente)
Sem últimas palavras que ajudem a deixar uma mensagem
(Alguma mensagem precisa ser deixada?)
Essa sensação de que está faltando algo
Talvez seja uma sensação de ansiedade ou talvez de fome
Como se tivesse que correr daquela catastrófica palavra que não gostamos de dizer o nome
Sentimos
Temor pavor dor
De em algum lugar em algum momento
Nos abandonar
Sem sabermos se ainda seremos nós mesmos

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 28 de setembro de 2016 -- MÁQUINAS VOADORAS

MÁQUINAS VOADORAS

Olho o papel em branco
(na verdade a tela em branco)
Nenhuma imagem vem à mente
(e eu preciso de imagens para escrever)
Nenhum jeito de falar
Nenhum assunto que não esteja nos jornais
Um calor infernal provoca gotas de suor na testa
E nada vem
Nada

De repente ouço um pássaro tentando imitar uma máquina de ar condicionado
Acionado pelo vizinho
E penso:
Até os bichinhos sem saber querem ser máquinas
(será que é para não morrer, será?)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 27 de setembro de 2016 -- Fuga e mistério

Fuga e mistério

O reflexo que vejo no espelho é meu
Ou
Estou enxergando o que me disseram de mim?
A vida é mesmo assim
Ou aceitei que fosse e agora tusso ressentimentos?
Esse cheiro que exalo é meu ou da roupa que aceitei comprar?
Para ver-me inteiro preciso antes quebrar em cacos essa velha imagem?

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 26 de setembro de 2016 -- Natureza: doente

Natureza: doente

Enquanto respiro por uma narina, rinite,
Uma floresta num canto do mundo queima

Enquanto resmungo palavras inaudíveis, indescritíveis,
Uma ilha em algum lugar do mundo é tomada pela água

Enquanto lacrimejo por desejos, cerejos,
Algum pássaro morre e terminada está sua extinção

Enquanto humano, sangro,

pelas florestas pelas ilhas pelas narinas...

domingo, 25 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 25 de setembro de 2016 -- olhos, estrelas e flores

olhos, estrelas e flores

...e o susto continua
em cada esquina do mundo...

e eu imundo de esperança
inundo-me de ilusão...

em cada pedaço de terra há uma lágrima de um cidadão para outro cidadão
que desconhece que as palavras preenchem uma vida...

todos os dias com chuva ou sol
seguimos
o cheiro de verde da natureza nos devolve as possibilidades...

na cidade as estrelas não conseguem brilhar
mas meus olhos insistem em te buscar...

no súbito absurdo do silêncio

declamo flores... 

sábado, 24 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 24 de setembro de 2016 -- UM BLUES UM JAZZ

UM BLUES UM JAZZ

Um blues
Na sua secura é perfeito
Pela sua textura não há espaços para a ilusão
É a explanação da verdade nua e crua
Tom de azul acinzentado

Um jazz torce e distorce a verdade
E nele cabem digressões variações harmônicas e melódicas que nos impõem um pouco mais de liberdade
Podemos sofrer e talvez até sorrir de alguma coisa

Num blues como na poesia não há espaço para a alegria

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 23 de setembro de 2016 -- ETs

ETs

É muita tristeza num dedo desesperado pelo encontro
Não sei falar não sei gritar nada que não seja
TOLOS!
Enquanto escolhemos rir do outro talvez eles também estejam esticando um dedo de prosa
Desejando apenas um olhar quiça de arrependimento
Não sei falar não sei gritar
PORCOS!
Àqueles que não sabem amar
E ficam mirando a vida alheia na certeza de que atrapalharão uma emoção legítima
Sim sempre seremos porcos enquanto escolhermos viver nos sujando na terra de intrigas
Ao invés de olhar o céu e o voo dos pássaros e qual Ícaro apenas desejar antes da queda conhecer o calor do sol 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 22 de setembro de 2016 -- Sedentos

Sedentos

A Helena Soares

Ouço
Um mar dentro dum mar
Ouça
Um mar dentro dum oceano
Ouço
Um mar dentro dum eu te amo
Ouça
Um céu de lágrimas
Aberto
Bravio
Salgado
Arredio
Ouço
Um céu sedento de lágrimas
Ouça
Um mar sedento de lágrimas


(Esse gosto de saudade é água...)

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 21 de setembro de 2016 -- Chor’ilusão

Chor’ilusão

À memória de Carlos Drummond de Andrade

Drummond
Sua flor
No asfalto nos fez florescer
Rompeu-o com a força da poesia
Se deu por sua vontade de criação
Da força do seu pensamento em dedos
Nasceu cresceu e nos envolveu
Em esperança
Uma semente contra tudo foi germinada
Na cabeça e no meu sorriso
Finjo não perceber mas penso:
A vontade de invenção nunca será derrotada

terça-feira, 20 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 20 de setembro de 2016 -- CALMANTE

CALMANTE

Os livros nos contam histórias e descobertas
Mas só entenderão as descobertas
Os que já se descobriram
Os cobertos de razão não conseguem aprender sob forte emoção
Expostos ao tempo com seu temperamento temem o vento temem cada momento que não entendem...

(Às vezes não entender descansa a alma e nos acalma)

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 19 de setembro de 2016 -- Imperfeita harmonia

Imperfeita harmonia

A Thelonious Monk

Onde encontro a emoção
De navegar pelo mar de teclas dum piano apaixonado?
Por onde encaminho minhas rimas em melodias que ainda não têm harmonia
Que ainda cismo em cobrir de perfume de tristezas?
Com quantas certezas escreverei um romance?
(Será que é por isso que não consigo?)
Por que usar o gatilho de ouvir Monk ou Baker ou Miles ou Coltrane toda vez que quero escrever sentido
Como se estivesse no meio deles contando uma nova derrota ansiando por um novo amanhecer? 

domingo, 18 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 18 de setembro de 2016 -- HEART ATTACK

HEART ATTACK

A arte serve para nos afastar da crueldade da vida real
O artista na maioria das vezes também quer se livrar da própria crueldade que aprendeu para tentar lidar com a maldade que grassa por aí
Expressa nas calúnias e difamações jogadas ao vento pelos que querem a vida sem movimento na certeza de que o silêncio é a melhor resposta para o medo de viver
Reparem que nós mesmos nos irritamos com a falta de silêncio quando deveríamos nos ligar mais no que está sendo dito e menos em quem está falando
Desqualificamos discursos porque não gostamos do interlocutor
Grande asneira às vezes da onde menos se espera sai uma pérola
Devemos duvidar do que ouvimos sim mas duvidar com arte
Pretendendo negar ideias vazias ou mentirosas
Com ideias e argumentos gordos e entupidos de verdade
E esse treino de identificar o vazio e a mentira é o treino diário do artista confrontado que está com a realização de uma obra que almeja ser chamada de obra de arte mas que na prática num primeiro momento é apenas ilusão de comunicação

sábado, 17 de setembro de 2016

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 16 de setembro de 2016 -- O bluesman e o sambista

O bluesman e o sambista

A pureza do blues está na crueza Um blues é cru porque a vida daquele cara sem dentes que abre a boca para cantar é dura sem frufrus a vida daquele cara se parece com a dos caras do morro que cantam samba de raiz que agora ninguém quer ouvir Porque todos queremos a facilidade da alegria pior coisa que a axé music trouxe para o mundo Uma alegria de carnaval falsa todos sorrindo do quê? para quem? O bluesman como o sambista das antigas grita Grita solidão grita juntando as mãos numa oração possível para quem já não acredita em quase nada que não seja DOR

A dor de tentar entender de viver 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 15 de setembro de 2016 -- Olhos de mel

Olhos de mel

A Acácia Beatriz

Sempre serás a menina de olhos de mel
Mãe de meninos
Tens a naturalidade da natureza quando evoca os espíritos do bem
Para proteger todos a quem quer bem
Signo de amor e amizade
Sabe como todos nós
Sofrer com os pequenos senões que a vida nos apresenta
Ri de anões de circo porque tens a risada solta das crianças levadas
Que todos fomos um dia 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 14 de setembro de 2016 -- makemake

makemake*

Respiro palavras
Escrevo desejos

Ouço palavras
Canto desejos

Vejo palavras
Pinto desejos

De desejo em desejo, agosto, me vejo e observo dentro de mim uma saída

setembro


*desejar, em havaiano

terça-feira, 13 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 13 de setembro de 2016 -- (herança)

Chet Baker
Canta como se estivesse com dor
Apesar da carcaça frágil
Canta com o peso da dor de viver
Viveu vive viverá em interpretações que ensinam e ensinarão muitos a cantar
Alguns a viver
Sua entrega era louca porque suicida
Não se negava nada
Não se privava de nada
Vivia como se
Mergulhasse de muito alto num balde sem água
Por isso nos encantava quando nos olhava com seus olhos sem esperança


(herança)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 12 de setembro de 2016 -- PESCADOR

um pescador todo dia na madrugada pesca o alimento que o manterá procurando outro dia de trabalho seu amanhã começa na tarde da mesma noite do mesmo dia não há tempo para angústias existenciais porque sua maior angústia é ter o que comer no dia seguinte que praticamente não termina

por isso seu nome é PESCADOR, senão seria pecador

domingo, 11 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 11 de setembro de 2016 -- suprassumo

suprassumo

Quando depois de uma multa entro no carro e sou abordado por uma mendiga que pede uma ajuda

Ajudo e acho que sou um afortunado não por poder pagar a multa mas pela capacidade ainda absurda de escutar uma outra voz que esta sim não tem para onde ir nem como se colocar num mundo capitalista sem crença sem nada que possa nos fazer entender que nascemos para viver e deixar viver não para transformar pessoas em mendigas suprassumo de quem não deveríamos ser

sábado, 10 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 10 de setembro de 2016 -- Pequenas perguntas

Pequenas perguntas

Vendo um quadro de Jeannette Priolli
           
pequena pintura
dum azul misterioso
você pode me responder
o que quero saber
é se você como eu também não gosta do escuro?
se você vê o mundo muito colorido de mentiras?
pequena pintura me diga?
com quantas tintas pintamos
o som a sombra a cor duma respiração de paixão? 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 08 de setembro de 2016 -- CONDOR

CONDOR

Sempre com dor

Vou dormir
Acordo
Respiro
Engulo um café
Nado
Tomo banho
Volto
Saio
Embarco
Trabalho
Discuto
Almoço
Trabalho
Tomo café
Reúno
Trabalho
Embarco
Volto
Respiro
Tomo banho
Vejo televisão
Leio
Poemo

Sempre com dor

Condor

Penso no perfume da flor

E na cor do amanhã

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 07 de setembro de 2016 -- Políticos DXVI

Políticos DXVI

À memória do Brasil

...E agora que estamos perplexos porque
Descobrimos que os políticos nos representam plenamente
Se não trocássemos votos por pão dentaduras empregos
Estaríamos inteiros para afirmar querer tirá-los do poder
Mas não podemos tirar quem somos quem está lá vendendo o que queremos comprar

terça-feira, 6 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 06 de setembro de 2016 -- Palavras lapidares

Palavras lapidares

A Luiz Plácido

Nada tema
Na vida só há um problema
Viva sinta doa se doe
Cada segundo é nosso e deve ser vomitado
Mesmo com medo devemos mergulhar de cabeça
Os galos cantam os grilos trilam e
Nós choramos
Mas continuamos
Na esperança tanta de continuar
Para poder gritar
Nossas verdades
Não acabarão em lágrimas
Acabarão em palavras lapidares

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 05 de setembro de 2016 -- QUANDO FECHO OS OLHOS E DOU AS PRIMEIRAS BRAÇADAS

QUANDO FECHO OS OLHOS E DOU AS PRIMEIRAS BRAÇADAS

Sinto a dor do esforço
A dor de fazer algo que não gosto para o bem da saúde do meu corpo
Que sofre e dói
Dos olhos saem lágrimas disfarçadas em braçadas
Ótimo lugar para chorar, penso
E às vezes faço rimas naqueles vinte segundos entre uma raia e outra
Sim, sou vagaroso porque levo o peso das minhas lembranças
Que não saem de mim com a facilidade que troco de camisa ou de sunga
Ficam em mim estão em mim como cracas de navio
Vem e vão vão e vem denunciando o tempo
O tempo em que penso em tantas recordações
São tantas sou tantos que suo e quase não saio do lugar
Fico imaginando: se filmassem esse corpo parado no meio da piscina
Tentando respirar... 

domingo, 4 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 04 de setembro de 2016 -- Anjos ou formigas

Anjos ou formigas

Depois dum post no facebook de Ro Krug

Um anjo caiu
e não lhe foi permitido guardar as asas
o tempo, esse nosso inimigo
é o que dá a necessidade de asas
por isso as rouba
quando a felicidade acaba
e nos transformamos...
nos transformamos nas formigas carregadoras de sonhos que não acabam...

sábado, 3 de setembro de 2016

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 02 de setembro de 2016 -- A borboleta e a lagarta

A borboleta e a lagarta

Um dia ouvi do meu filho Victor que um professor
Disse que uma poesia não podia começar com letra minúscula
E desde então começo quase todos os meus poemas com letra minúscula...

Meus poemas não são poesias porque são meus e doeram em mim
Quando trato das minhas palavras as trato com carinho pelo nome
POEMAS
Poesias são as palavras alheias
Forasteiras que não cresceram em meu coração
São o que são às vezes me emocionam às vezes não


É como se a poesia fosse uma borboleta e o poema a lagarta 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

366 dias com poesia, 01 de setembro de 2016 -- Roma III

Gostaria de dizer antevê-lo
Estou tentando tentado a dizê-lo
Signo antítese da dor?
Confessor de nossa humanidade já há muito perdida
Pedra preciosa símbolo da magia
Motivador censor professor
De tantas e tantas horas achadas
Célebre cérebro célere agitador
Conquistador dos sete mares
Apreciador de paragens europeias
Se esconde em Roma?
                          

ROMA III