quinta-feira, 30 de maio de 2013

365 dias com poesia, 31 de maio de 2013 -- Raivas

Raivas


Conflito de gerações:
O pai com raiva do descompromisso da juventude do filho
O filho com raiva do medo que o pai sente de viver

365 dias com poesia, 30 de maio de 2013 -- enfermos

enfermos


À memória de tia Ana Josefa

Um corpo enfermo duma mente sã
Perguntou-me se me sentia bem
Isso aconteceu efetivamente
E amém
Tive a oportunidade de aprender não temer ajudar
Seja lá quem for, onde for
Por que ter medo de hospital, cemitério etc.
Se sabemos que vamos morrer? (isso não podemos esquecer)
Então por que não ajudar quem precisa?
Por que não tentar curar nossas feridas
Deixando de ferir e olhando a vida duma nova perspectiva?

quarta-feira, 29 de maio de 2013

365 dias com poesia, 29 de maio de 2013 -- fotossíntese

fotossíntese


papai
eu quero entender a natureza
se fazemos parte também de um plano maior do que comprar brinquedo e estudar?
quando começamos a plantar uma ilusão de medalhas?
quando beijaremos o escudo protetor do amor?
você consegue me explicar por que precisamos chorar sozinhos enquanto lembramos de vozes emitindo som?
luz de desconsideração? onde estão as razões do sol continuar nascendo se ainda estamos sofrendo?
e ao crescermos saberemos sonhar?
estaremos prontos para andar ou precisaremos nos apoiar nas pernas alheias? veremos o sol nascer com olhos de sorrisos? e os gritos serão por nossas alegrias ou desgostos dos outros por estarmos felizes? seremos eternos? ou apenas aprendizes da fotossíntese?

terça-feira, 28 de maio de 2013

365 dias com poesia, 28 de maio de 2013 -- violetas

violetas


não descanse seus olhos
em desanimado instante azul
aqueça-os com a tinta de lágrimas
secrete
segredos
umedeça os dedos
e exploda em mistério

imagine um respiro de violetas
e se perca
nesse jardim de possibilidades vis

segunda-feira, 27 de maio de 2013

365 dias com poesia, 27 de maio de 2013 -- Azul!

Azul!


Ouvindo Almost Blue, com Chet Baker

Quase azul...
O mundo quase azul
Não é azul
Com certeza
Está mais perto do cinza
De uma esquina sem vento
De um discurso sem argumentos

Quase azul...
Um adeus sem mãos...
Um beijo sem emoção...

Tudo que é quase
Nunca existiu
Tudo que é quase
É apenas uma fração
Uma abstração
Do que poderia ser
Então não é o que deveria...
Então não sou eu

(Não sou quase nada Não quero ser quase nada Muito menos quase azul)

domingo, 26 de maio de 2013

365 dias com poesia, 26 de maio de 2013 -- Régua

Régua


Rindo ruminei resolução
Recorrer
Reviver
Ressurgir
Reunir
Repetir
Raridades
Rudes rubras
Realmente
Reinventar-me
Roda refundida
Rimas rainhas
Ruínas retintas
Rodopiando
Reto

Régua

sábado, 25 de maio de 2013

Rubem Braga, crônica: Da Praia (Fim)

(...)

Assim anda o homem solitário na longa praia. Mas aqui a praia não é deserta. Atrás de nós estão os edifícios fechados, e a cidade que desperta penosamente. Parados entre a solidão do oceano e a solidão urbana, estamos entre o mundo puro e o infinito de sempre e o mundo precário e quadriculado de todo dia. Este é o mundo que nos prende; estamos amarrados a edle pelos fios de mil telefones.

  E ainda somos abençoados, porque vivemos nesta cidade perante o amplo mar. Quando nós, homens, erguemos uma cidade, quantas vezes somos desatentos e pueris! Há cidades entre montanhas, e são tristes; mais tristes são aquelas em que vegetamos no mesquinho plano sem fé, limitados a norte, sul, leste, o este pelo mesmo frio ciemnto que erguemos. Se todas as esquinas são em ângulo reto, que esperança pode haver de clemência e doçura. Apenas o céu nos dá a curva material de que temos sede. Mas o homem, por natureza, pouco olha o céu; é um animal prisioneiro da grosseira força da gravidade: ela puxa nossos olhos para o plano, para o chão. Plantai a vossa povoação junto a um rio, e estareis perdoados; tendes a fluir melancólico das águas para levar as vossas canoas nas monções do sonho.

  Mas deixemos o mar; entremos por esta rua. Estrondam bondes. A lenta maré humana começa a subir. Os açougues mostram a carne vermelha a uma luz cruel; as filas se mexem inquietas, sem avançar, velhas cobras de barriga vazia. Voltemos para casa, e sejamos humildes. O mundo é seco. Não mais sonhar em remover as povoações para beira mar oceano, sem abrir caminhos para a fuga da tristeza humana. Estamos outra vez quadriculados em nosso tédio municipal: a torneira não tem água. Ajoelhemos perante a torneira seca: e, embora sem lágrimas, choremos.

Junho, 1946.

365 dias com poesia, 25 de maio de 2013 -- (um segredo)

(um segredo)


(esse é um segredo, por isso escrevo calmo e baixo: Todo o tempo devemos ser nós mesmos -- aquela criança entre os oito e os doze anos, lembra? --, devemos parar de tentar imitar nossos inimigos que são os outros quando cismam que devemos imitá-los nas piores coisas – inveja, calúnia, difamação --, devemos ao invés de aprender ensinar o amor de parar para conversar, prestar atenção na dificuldade alheia, tentar, pelo menos tentar, ter um mínimo de paciência. Estou escrevendo tudo isso também para mim, pois sempre exigimos respeito, mas acabamos nos esquecendo de respeitar as diferenças: fulano é gordo, o artista bicha, a cantora sapatão, FODA-SE! Gostaria de ouvir: fulano é um exemplo de médico, apesar de gordo; sicrano é um puta professor de inglês, se é bicha ou não, não tenho nada com isso, a cantora sempre me emociona quando canta Ronda...Deveríamos passar a olhar menos a cor da pele e do cabelo para imaginar a dificuldade que o outro tem de aturar nossa presença no planeta)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Rubem Braga, Crônica: Da Praia (1)

Lembro que olhando pela porta do bar vimos a indecisa aurora que animava as ondas. Erguemo-nos, saímos. O oceano amanhecia como um poderoso trabalhador, a resmungar; ou como grande, vasta mulher, entre murmúrios; ou como árvore imensa num insensível espreguiçamento de ramos densos de folhas. No seio da imensa penumbra nascia um mundo de solidão perante nossos olhos cansados. Era um mundo puro, mas triste e sem fim; um grande mundo que assombrava e amargava o pobre homem perdido na praia. Agora todos haviam partido, eu estava só. Não tinha um amigo, nem mulher, nem casco de canoa, nem pedra na mão. A maneira mais primária e raivosa de comunicação com o mar é ter uma pedra na mão e lançá-la. É um desafio de criança ou de louco; é um apelo.

  Para um homem solitário da praia o mar tem uma vida de espanto. Já nadei em uma praia solitária de mar aberto; tem um gosto de luta e de suicídio; dá uma espécie de raiva misturada com medo. Não apenas imaginamos que naquela praia selvagem grandes peixes vorazes devem se aproximar, e a cada instante julgamos pressentir o ataque de um tubarão; também sentimos, na força da onda que rompemos, uma estranha vida, como se estivéssemos lutando entre os músculos de um imenso animal.

  Para o sul e para o norte a grande praia deserta; baixos morros selvagens e arenosos, num horizonte morto; e o mar sitiando tudo, acuando tudo, com seu tumulto e seus estrondos. Mais de uma vez vagabundei sozinho em canoa pelas costas desertas. Mas montado em canoa temos um domínio: jogamos um jogo com a água e o vento, e ganhamos. O homem só na praia, perante as ondas mais altas que ele, esse é de uma fraqueza patética. Pode desconhecer o mar e seguir caminhando em silêncio pela areia; se o faz, porém, sabe que está fugindo a um insistente desafio. Sua linha de movimento, ao longo da praia, com o mar bramindo a seu flanco, é uma perpendicular constrangedora às grandes linhas de ação da natureza. A espuma das ondas que lhe chega aos pés ou deles se aproxima, ora mais, ora menos, acuando-o de um lado, lembra-lhe que não deve andar em reta, mas se afastando e se abeirando do mar, para ter, nessas oblíquas, uma ilusão de que não se desloca fora do eixo da natureza. Só o vento, não soprando do seio da terra nem do centro do mar, mas empurrando-o pelas costas ou batendo-lhe a cara, pode restaurá-lo no ritmo do mundo. Em purrado pelo vento, ele está de bem com a natureza e se deixa levar, embora com um vago ressentimento. Contrariado pelo vento, ele põe em jogo seu instinto de luta, e sua marcha mais banal tem um secreto sabor heroico. (CONTINUA)

Rubem Braga, Crônica: Um Sonho de Simplicidade

  Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou os amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?

  Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor, me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.

  A vida bem poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava a água fresca da talha, e a água era boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.

  Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo do Acre? A gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chegamos à choça de um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto ao fogo, depois me deitei numa grande rede branca -- foi um carinho ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e vozes distantes de animais noturnos.

  Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira; coversamos muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras almas?

  mas para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas...Seria preciso fazer algo de sólido e singelo; tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo, mas deixasse a alma sossegada e limpa.

  Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. É apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de nada, precisamos apenas viver -- sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.


Março, 1953.

365 dias com poesia, 24 de maio de 2013 -- ousadia

ousadia


A maior ousadia do poeta
É inventar-se poeta
Num mundo com tanta violência
Brincar com as palavras
Parece grande coragem
Para um menino que até há pouco
Não sabia chorar

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Rubem Braga, Crônica: O Mistério da Poesia

  Não sei o nome desse poeta, acho que boliviano; apenas lhe conheço um poema, ensinado por um amigo. E só guardei os primeiros versos: Trabajar era Bueno en el Sur... Cortar los árboles, hacer canoas de los troncos.

  E tendo guardado esses dois versos tão simples, aqui me debruço ainda uma vez sobre o mistério da poesia.

 O poema era grande, mas foram essas palavras que me emocionaram. Lembro-me delas às vezes, numa viagem; quando estou aborrecido, tenho notado que as murmuro para mim mesmo, de vez em quando, nesses momentos de tédio urbano. E elas produzem em mim uma espécie de consolo e de saudade não sei de quê.

  Lembrei-me agora mesmo, no instante em que abria a máquina para trabalhar nessa coisa vã e cansativa que é fazer crônica.

  De onde vem o efeito poético? É fácil dizer que vem do sentido dos versos; mas não é apenas do sentido. Se ele dissesse: Era bueno trabajar en el Sur não creio que o poema pudesse me impressionar. Se no lugar de usar o infinivo do verbo cortar e do verbo hacer usasse o passado, creio que isso enfraqueceria tudo. Penso no ritmo; ele sozinho não dá para explicar nada. Além disso, as palavras usadas são, rigorosamente, das mais banais da língua. Reparem que tudo está dito com os elementos mais simples: trabajar, era bueno, Sur, cortar, árboles, hacer canoas, troncos.

  Isso me lembra um dos maiores versos de Camões, todo ele também com as palavras mais corriqueiras da línga:
  "A grande dor das coisas que passaram."

  Talvez o que impressione seja mesmo isso: essa faculdade de dar um sentido solene e alto às palavras de todo dia. Nesse poema sul-americano a ideia da canoa é também um motivo de emoção.

  Não há coisa mais simples e primitiva que uma canoa feita de um tronco de árvore; e acontece que muitas vezes a canoa é de uma grande beleza plástica. E de repente me ocorre que talvez esses versos me emocionem particularmente por causa de uma infância de beira-rio e de beira-mar. Mas não pode ser: o principal sentido dos versos é o do trabalho; um trabalho que era bom, não essa "necessidade aborrecida" de hoje. Desejo de fazer alguma coisa simples, honrada e bela, e imaginar que já se fez.

  Fala-se muito em mistério poético; e não faltam poetas modernos que procurem esse mistério enunciando coisa obscuras, o que dá margem a muito equívoco e muita bobagem. Se na verdade existe muita poesia e muita carga de emoção em certos versos sem um sentido claro, isso não quer dizer que, turvando um pouco as águas, eleas fiquem profundas...

Fevereiro, 1949.


365 dias com poesia, 23 de maio de 2013 -- MIAMI

MIAMI


Miami
Bichinho
Sonho com isso!
(Sou de classe média
Brasileiro até o mindinho!)
Funcionário público padrão
Consigo pensar em inglês e errar em frânces
Porque eu estudei
E ninguém tem nada com o fato de eu sonhar morar em Miami
Sim, Miami!

Lá as coisas funcionam
Lá os risos têm mais dentes
Os sisos são mais frequentes
Lá me sinto mais importante
Terei dois carros e uma estante
(com livros falsos, que seja!)
Lá para falar rápido
Me esforçarei em não pensar...acho!

Lá tudo é comprado
em araras nos supermercados
Que são super
Como quase tudo...

Lá me sentirei artista de cinema...
Comerei em inglês
Arrotarei em francês
Lá o sol não arde
Lá é a terra da oportunidade...

Colorido artificial?
Quem disse
Que não é bom viver uma ilusão com sotaque?!

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Rubem Braga, Crônica: A mulher e seu passado

  Ela conta a história de uma freira que a atormentava no internato, em seu tempo de menina; de um homem que a fez viver longamente entre o desespero e o tédio, a revolta e a humilhação. E fica meio magoada porque a tudo eu sorrio, porque eu não apreço participar do sentimento com que ela fala contra essa gente que passou. Afinal ela também sorri: "Você é meu amigo ou amigo da onça?"

  Sou seu amigo. Mas rico ri à toa, e eu me sinto vertiginosamente rico porque estas histórias, alegres ou tristes, ela me conta de mãos dadas, junto de mim. Digo-lhe isso; mas não lhe confesso que aprovo e abençoo todas as coisas e pessoas que povoaram seu passado, e tenho vontade de dizer:

  "Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que te adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a maiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com a concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela; e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranquilo, e o tédio; e a mulher anônima que te vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentaram te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: "moça linda..."; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu."

365 dias com poesia, 22 de maio de 2013 -- NONINO

NONINO


Ouvindo Adios Nonino, de e com Astor Piazzolla

Esse olhar se transformou
Naquele olhar
Vazio
Som de mar
Cinza
Aquele olhar não era meu
Nunca me pertenceu
Mas
Em poucos anos
Passou a ser
Esse outro olhar
Em que demonstro
O monstro de decepção
Que me tornei
Entornei
Claudiquei
Desisti de mim
E meus olhos não mentem
Quando no espelho me vejo avô (sem sombra de avó)

(Fim de ano sozinho sem o colorido barulho do amor)

terça-feira, 21 de maio de 2013

365 dias com poesia, 21 de maio de 2013 -- FINGIMENTO

FINGIMENTO


--Vocês fingem que eu não existo
E eu finjo que vocês existem!

(Isso foi dito por Renato Russo,
lá pelas tantas em Brasília, nos idos dos anos oitenta).

(CUIDADO! Citações podem ser mentirosas!)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

365 dias com poesia, 20 de maio de 2013 -- desenho infantil

desenho infantil


...a diferença é a que sonhamos
mas
escondemos
nos escondemos
nos anestesiamos
durante anos
não tentamos
estamos
destreinados
desmobilizados
desmotivados
e coitados
às vezes nem conseguimos fingir gostar de um desenho infantil
(que carrega tudo
todo o universo
sem estudo
de um ser que sabe sem saber que sabe, PORQUE É NATUREZA)

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Rubem Braga, crônica: Mar (FIM)

(...)

  Mar maior que a terra, mar do primeiro amor, mar dos pobres pescadores maratimbas, mar das cantigas do catambá, mar das festas, mar terrível daquela morte que nos assustou, mar das tempestades de repente, mar do alto e mar da praia, mar de pedra e mar de mangue...A primeira vez que saí sozinho numa canoa parecia ter montado num cavalo bravo e bom, senti força e perigo, senti orgulho de embicar numa onda um segundo antes da arrebentação. A primeira vez que estive quase morrendo afogado, quando a água batia na minha cara e a corrente do "arrieiro" me puxava para fora, não gritei nem fiz gestos de socorro; lutei sozinho, cresci dentro de mim mesmo. Mar suave e oleoso, lambendo o batelão. mar dos peixes estranhos, mar virando a canoa, mas das pescarias noturnas de camarão para isca. Mar diário e enorme, ocupando toda a vida, uma vida de bamboleio de canoa, de paciência, de força de sacrifício sem finalidade, de perigo sem sentido, de lirismo, de energia; grande e perigoso mar fabricando um homem...

  Este homem esqueceu, grande mar, muita coisa que aprendeu contigo. este homem tem andado por aí, ora aflito, ora chateado, dispersivo, fraco, sem paciência, mais corajoso que audacioso, incapaz de ficar parado e incapaz de fazer qualquer coisa, gastando-se como se gasta um cigarro. Este homem esqueceu muita coisa mas há muita coisa que ele aprendeu contigo e que não esqueceu, que ficou, obscura e forte, dentro dele, é um dos teus, e ainda pode comparecer diante de ti gritando, sem glória, mas sem remorso, como naquela manhã em que ficamos parados, respirando depressa, perante as grandes ondas que arrebentavam -- um punhado de meninos vendo pela primeira vez o mar...


Julho, 1938.

Rubem Braga, crônica: Mar

  A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho. estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos contava que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a maré, que é menor que o mar, e a marola, que é menor que a maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enorme e duas lagoas. Mas o menino explicava que não. O mar entrava pela maré e a maré entrava pela marola. A marola vinha e voltava. A maré enchia e vazava. O mar às vezes tinha espuma e às vezes não tinha. Isso perturbava ainda mais a imagem. Três lagoas mexendo, esvaziando e enchendo, com uns rios no meio, às vezes uma porção de espuma, tudo isso muito salgado, com ventos.

  Fomos ver o mar. Era de manhã, fazia sol. de repente houve um griot: o mar! Era qualquer coisa de largo, de inesperado. Estava bem verde perto da terra, e mais longe estava azul. Nós todos gritamos, numa gritaria infernal, e saímos correndo para o lado do mar. As ondas batiam nas pedras e jogavam espuma que brilhava ao sol. Ondas grandes, cheias, que explodiam com barulho. Ficamos ali parados, com a respiração apressada, vendo o mar...

  Depois o mar entrou na minha infância e tomou conta de uma adolescência toda, com seu cheiro bom, os seus ventos, suas chuvas, seus peixes, seu barulho, sua grande e espantosa beleza. Um menino de claças curtas, pernas queimadas pelo sol, cabelos cheios de sal, chapéu de palha. Um menino que pescava e que passava horas e horas dentro da canoa, longe da terra, atrás de uma bobagem qualquer -- como aquela caravela de franjas azuis que boiava e afundava e que, afinal, queimou a sua mão...Um rapaz de quatorze ou quinze anos que nas noites de lua cheia, quando a maré baixa e descobre tudo e a praia é imensa, ia na praia sentar numa canoa, entrar numa roda, amar perdidamente, eternamente, alguém que passava pelo areal branco e dava boa noite...Que andava longas horas pela praia infinita para catar conchas e búzios crespos e conversava com os pescadores que consertavam as redes. Um menino que levava na canoa um pedaço de pão e um livroe, e voltava sem estudar nada, com vonatde de dizer uma porção de coisas que não sabia dizer -- que ainda não sabe dizer. (CONTINUA)

365 dias com poesia, 19 de maio de 2013 -- Eternidade

Eternidade


Não somos eternos
Porque não acreditamos na eternidade!

Quando planto uma árvore
Sobrevivo nos frutos
Faço parte do mundo
Na parte mais saborosa

Quando escrevo um livro
Sobrevivo
Nas palavras escritas
Que um dia serão lidas
E repetidas
Quando emocionarem

Quando gravo meu canto
Mesmo que seja num canto mais afastado do planeta
Não há imensidão que não reconheça que estava com a razão
De acreditar na eternidade da emoção

365 dias com poesia, 18 de maio de 2013 -- Pedaços inteiros

Pedaços inteiros


Se há uma consciência que comanda
Nosso Universo
chamada por muitos de Deus
Então Deus é consciência...

E é por isso que quando conscientes
somos pedaços d1Ele...

E é por isso que não morremos
quando acabamos
Fisicamente e
Voltamos
Inteiros formando o universo que comandamos?

365 dias com poesia, 17 de maio de 2013 -- acres

acres


Com quantos acres ocres
Se faz um quadrado de verde hálito de hábitos silvestres de emoção rupestre de arte desenganada de amanhãs?

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Rubem Braga, crônica: Véspera de S. João no Recife (Fim)

(...)

João, eu não tenho mais dezenove anos, estou na rua e não na trincheira, mas esses estampidos na noite transformam a noite. João, alguém canta, moças cantam nos bailes dos palanques, entre canjiquinhas, milho verde, folhas, flores, fogueiras, abraços, olhares, amores, e outras noites me cercam. Eu tinha treze anos e aquela noite ela subitamente me amou. Me amou talvez apenas um minuto, sentiu uma ternura e me deu aquele lenço de seus cabelos. Era um lenço grande, de flores encarnadas e azuis, e aquela chita estava sempre em volta de sua garganta ou amarrada em seus cabelos. Eu dormi na praia e o lenço tinha um cheiro terno e quente de cabelos castanhos, e aquele cheiro me entontecia e nunca em noite nenhuma eu amei nem amarei mais amada com amor assim. João, naquela noite também havia cantos, e o vento do sudoeste no ar escuro tinha o mesmo cheiro.

  João, são muitas noites antigas que me prendem no meio desta noite. Pobres as noites sob as lâmpadas da redação, mesquinhas as noites de trabalho insincero, tristes noites sem ternura noturna.

  João, o povo, na noite imensa, festeja a ti. Há fogueiras e amores e bebedeiras, mas eu não irei a festa nenhuma. Amanhã, João, esse povo continuará na vida. Por que o distrais assim com  teus fogos, João? Amanhã, os pobres estarão mais pobres e os ricos os esmagarão, e muitos homens irão clamar nas cadeias, como tu clamavas. João, amanhã outra vez a miséria dos donos da vida continuará deturpando a beleza da vida; as moças suburbanas irão perder a beleza no trabalho escravo; as crianças continuarão a crescer, magras e ignorantes; o suor dos homens será explorado. João, João, inútil João; o povo está gemendo, as metralhadoras se vioram para os peitos populares. Ninguém dividiu as túnicas, nem os pães, como tu mandaste, João, inútil João.

Junho, 1935.

365 dias com poesia, 16 de maio de 2013 -- Jobim, Carlitos e Elis

Jobim, Carlitos e Elis


vi a tristeza de Carlitos no rosto de Elis
quando ela cantava: “Triste é viver na solidão, na dor cruel de uma paixão...” ouvi a tristeza de Jobim na voz de Elis
vi vejo sinto
o triste existe desde o princípio
o combate a ele é que nos deixa cansados mas em paz

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Rubem Braga, crônica: Véspera de S. João no Recife (II)

(...)

  Os fogos pipocavam pela noite adentro. Uns tinham estalos secos, intermitentes, esparsos; outros rebentavam roucos; outros chiavam; outros crepitavam; outros erram urros de pólvora. Eu não estava no meio da noite, eu estava no centro de muitas noites. E muitas noites antigas avançavam, negras, sobre mim, e eu as reconhecia, penosamente. Estava deitado na trincheira, fazia três abaixo de zero. Os fuzis inimigos amorosamente derrubavam folhas sobre mim, as balas passavam com uns silvos finos e iam morrer no fundo do mato. Eu bebera cachaça, estava deitado na terra fria da trincheira e, pelas montanahs enormes, pelos buracos dos vales fundos, as metralhadoras crepitavam, crepitavam.

  João, eu as conhecia pelo sotaque; eram todas estrangeiras. Aquela do oeste era Horchkiss pesada, a que estava embaixo era Colt, uma cacarejando em nossa frente era Zebê, e centenas de máquinas cuspiam fogo. Agora, sobre o meu crânio, assobiavam apenas os fuzis Mauser dos caçadores de trincheiras, e longe, do outro lado da linha, do outro lado da noite, rocou um Schneider. Nas primeiras noites, João, eu não podia dormir, e as granadas, quando rebentavam a cinquenta metros, rebentavam dentro do meu peito. Agora eu desistira de ter qualquer medo, e o metralhar imenso me dava sono. Eu apenas temia morrer não tendo nome nenhum de mulher para dizer as palavras do fim. Eu voava nos caminhões de munição, acossados pela metralhadora nas estradas, sobre o abismo, nas curvas onde as balas furavam as carrocerias, a toda velocidade, de faróis apagados na noite escura, sacolejando e roncando terrivelmente. Mas para mim não era mais uma noite perigosa: era apenas uma garnde noite triste. Eu não queria matar ninguém, não me importava se alguém me matasse, e dois sargentos me olhavam com ódio, murmurando que eu era um espião. Eu era espião, João, João; eu era um espião da vida, no meio da morte. Eu ainda não tinha vinte anos, não tinha mais nenhum deus para me entender depois da morte, não tomava banho há um mês, estava sujo e magro, meu lápis de repórter quebrou a ponta. Havia esse mesmo crepitar de fogos pela vasta noite, e, junto dos acantonamentos, as fogueiras se acendiam para os soldados gelados. Meu papel de repórter estava sujo da terra das trincheiras, eu já não escrevia nada. A guerra era demasiado estúpida para não me fazersorrir, eu não reconhecia aliados nem inimigos; apenas via homens pobres se matando para bem dos homens ricos; apenas via o brasil se matando com armas estrangeiras. No fim, João, eu berrei contra os comerciantes da paz que haviam sido os comerciantes da guerra, e, entretanto, eu não conhecia o mecanismo das carnificinas; e me chamaram de cínico, quando somei os contos de réis que custava a moret de um soldado e disse que tal morte era muitas vezes mais cara que um naufrágio de primeira classe no Príncipes Malfalda, só contando munição gasta. Eu não era cínico, João, eu, pelo menos, jamais fui cínico do cinismo dos cães de luxo; eu sempre tive o direito de ter o cinismo puro dos vira-latas, sem casa nem dono. (CONTINUA)

Rubem Braga, crônica: Véspera de S. João no Recife (I)

O que é da terra, é da terra, e fala da terra, João, eu falarei da terra. Ora, João, tu tinhas um vestido de peles de camelo, e uma cinta de couro em volta de teus rins; e a tua comida era gafanhotos e mel silvestre. E a filha de Heroditas bailou, e era linda. E quando disse o que queria neste mundo, o rei entristeceu. Eras a voz que clama no deserto, e clamavas na cadeia. E tua cabeça veio num prato para as mãos da bailarina.

  João, esta geração de homens continua a mesma da qual disse o Senhor: "São semelhantes aos meninos que estão assentados no terreiro, e que falam uns para os outros e dizem: nós temos cantado ao som da gaita, para vos divertir, e vós não bailastes: temos cantado em ar de lamentação, e vós não chorastes."

  João, ontem foi a noite de véspera de teu dia. O povo baiulava ao som de gaitas. Não bailei nem chorei. Estive em Boa Vista, Afogados, Areias, Tigipió, na Estrada de Jaboatão. E estive em campo Grande e Beberibe. E estive, por que não dizer? na zona noturna da ilha do Recife. E em toda a parte o povo te festejava.

  Às vezes chovia furiosamente, às vezes o céu ficava parado e fechado, sem luz e sem chuva. Mas na terra humilde, a noite era sempre a mesma. As casinhas, à margem das ruas esburacadas, estavam alumiadas por lanternas. É um efeito triste, colorido, de uma luz pobre. Nas janelas e nas portas se penduravam as estrelas. Estrelas gordas de papel de cor, com uma luz fraca dentro. Esses balões estrelados, cativos da parede, forneciam imagens nas ruas tãos escuras. As estrelas do céu, por exemplo, haviam descido para a terra, para perto da lama, para as casinhas baixas. E teu retrato, segurando o menino Jesus, estava colado nelas. Pelos quintais enlameados, as fogueiras ardiam. Firmadas por quatro estacas, com folhas de espaço a espaço, ensanguentavam a noite preta. Elas haviam brotado nos oitões, nos manbgues, nos pomares, junto das pontes, ao longo das ruas, pelos fundos dos matos, como flores de fogo na noite preta.

  E os fogos pipocavam. O Recife, João, todos já sabem que é um prato raso. A água é quase irmã da terra, beijando a flor das ruas, e as pontes quase se apoiam na massa líquida, e , para ver a cidade, é preciso andar toda a cidade... (CONTINUA)

365 dias com poesia, 15 de maio de 2013 -- escolhas

escolhas


Escolhas são folhas?
Escolhas são trovoadas?
tempestades no Saara?
Escolhas são
possibilidades percebidas
de caminhos
canto de passarinhos
colados em árvores de plásticos
pertencem a essa vida
escolhas e folhas
e peixes
pulando, sufocando com o ar

(para existirmos
onde estão as árvores?)

terça-feira, 14 de maio de 2013

365 dias com poesia, 14 de maio de 2013 -- Objetivo: Subjetivo

Objetivo: Subjetivo


A H. Heine

Objetivo: ser extremamente subjetivo
Demonstrar sentimentos e emoções
Com palavras claras
Que despertem imagens
Absurdamente reais
De um mundo a ser construído
Com a imaginação da ingenuidade...
Grato pela possibilidade
De ser verdadeiro
Assumo o risco
De ser mal interpretado
(se é que isso é possível)

segunda-feira, 13 de maio de 2013

365 dias com poesia, 13 de maio de 2013 -- tempero

tempero


É só o tempo que dirá

Aos que provarem da sopa da vida
O tempo provará

Os que tiverem tempo
Provarão

Os que se derem tempo
Experimentarão

Os que quiserem tempo
Tempero terão

domingo, 12 de maio de 2013

365 dias com poesia, 12 de maio de 2013 -- Plácida

Plácida


À memória de Bertha Plácido

Aquela risada
Sincera
Nervosa
Por querer descobrir coisas que não entendia
Ria e nos fazia rir da absoluta coragem de não entender
E não parar de caminhar
Andava, enquanto podia andou,
Brigou, dançou, sonhou...
E nos fez sonhar
Mais: nos ensinou a querer conquistar o mundo que seria nosso pela possibilidade nada plácida de testar (todos os sem limites são os que conseguem) algo que ainda não sabíamos o nome
Mas
Hoje descubro e conto:
O amor

sábado, 11 de maio de 2013

Manuel Bandeira, NOVA POÉTICA

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e
na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe
o paletó ou a calça de uma nódoa de lama;
É a vida.


O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e
as amadas que envelheceram sem maldade.

Manuel Bandeira, A MÁRIO DE ANDRADE AUSENTE

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
à mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.

Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.

Saberei que não, você ausentou-se. Para a outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Manuel Bandeira, TEMPO-SERÁ

A Eternidade está longe
(menos longe que o estirão
Que existe entre o meu desejo,
E a palma de minha mão).

Um dia serei feliz?
Sim, mas não há de ser já.
A Eternidade está longe,
Brinca de tempo-será.

365 dias com poesia, 11 de maio de 2013 -- (des) GOSTO

(des) GOSTO


Paradoxo da juventude:
O tempo
Ou melhor
Acreditar que o tempo está à nossa disposição
Uma vantagem da meia-idade
É saber que o tempo acaba
Saber que o tempo acaba
É o que nos move sem medo
Para aproveitá-lo
Com o gosto único
Da eternidade possível

sexta-feira, 10 de maio de 2013

365 dias com poesia -- 10 de maio de 2013, despedidas

despedidas


A Carlos Salvador e Naná Richa

Alguns
Tentam nos vender o branco
Num mundo cinza?
Será que estou com problema nas retinas?

Por que sei disso?
Porque o branco é o desejo, a amizade
O amor fraternal, paternal, filial
O tempo de ouvir e abraçar

O mundo é cinza
Não porque queira ver cinza
É porque ao branco se misturam as despedidas.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Manuel Bandeira, ÁGUA-FORTE

O preto no branco,
O pente na pele:
Pássaro espalmado
No céu quase branco.

Em meio do pente,
A concha bivalve
Num mar de escarlata.
Concha, rosa ou tâmara?

No escuro recesso,
As fontes da vida
A sangrar inúteis
Por duas feridas.

Tudo bem oculto
Sob as aparências
Da água-forte simples:
De face, de flanco,
O preto no branco.

Manuel Bandeira, TERESA

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram esperando que o resto do corpo nascesse)


Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Manuel Bandeira, O SILÊNCIO

Na sombra cúmplice do quarto,
Ao contato das minhas mãos lentas
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.

Do silêncio musical, cheio
De sentido místico e grave,
Ferindo a alma de um enleio
Mortalmente agudo e suave.

Ah, tão suave e tão agudo!
Parecia que a morte vinha...
Era o silêncio que diz tudo
O que a intuição mal adivinha.

É o silêncio da tua carne.
Da tua carne de âmbar, nua,
Quase a espiritualizar-se
Na aspiração de mais ternura.

Manuel Bandeira, A CAMÕES

Quando n'alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado...Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá sem poetas nem soldados
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

365 dias com poesia -- 09 de maio de 2013, perfume 2

perfume 2


A Juarez e Sílvia Tavares

É da nossa força de seguir
Sem medo
Que prepararemos
Nossos filhos
Para o eterno embate com a vida
E digo eterno
Porque é eterno enquanto dura
(Saudades o mestre Vinícius!)
Nunca devemos desistir
Porque não devemos parar de acreditar
A esperança é um perfume de vida...

...(pois a vida sem perfume é mesquinha!)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

H. Heine, pensamento

"Mas qual é essa grande tarefa de nosso tempo?
É a emancipação. Não só dos irlandeses, gregos, judeus de Frankfurt, negros das Índias Ocidentais e demais povos oprimidos, mas é a emancipação do mundo inteiro, particularmente da Europa, que ganhou notoriedade, e se liberta dos grilhões de ferro dos tutores, da aristocracia. Que alguns renegados filosóficos da liberdade tenham forjado os mais finos elos de corrente para nos provar que milhões de homens forma criados como animais de carga de alguns milhares de cavaleiros privilegiados; ainda assim eles não heverão de nos convencer disso, enquanto não nos mostrarem, como diz Voltaire, que aqueles vieram ao mundo com sela e estes com esporas nos pés.

(...)


1830

365 dias com poesia, 08 de maio de 2013 -- preguiça

preguiça


(Depois de saber que Renoir
pintou
os últimos quatrocentos quadros
com uma artrite
parecida com a do nosso
Aleijadinho...)

Não me interessa
como você chama sua preguiça
se
opinião
inveja
calúnia
difamação
ou
religião...

terça-feira, 7 de maio de 2013

H. Heine, DESASTRADO

Brilhava a estrela com vigor:
Caiu do céu, perdeu o lume.
Perguntas o que é o amor?
Esrela do montão de estrume.

Um cão faminto e judiado,
Agonizando no cercado.
A porca grunhe, o galo clama,
Enquanto o amor engole a lama.

Ah, se eu caísse no jardim
De flores lá da minha amada,
Onde sonhava para mim
A cova limpa e perfumada!


(Tradução: André Vallias).

365 dias com poesia, 07 de maio de 2013 -- CARTAZ

CARTAZ


Alguns cartazes dizem:

Ame. Mude de opinião. Leia mais.
Reze. Acredite. Tenha amigos.
Seja paciente. Namore. Divirta-se.
Chore. Sorria. Sonhe. Trabalhe.
Durma. Acorde. Relaxe. Seja feliz.
Faça planos. Perdoe. Viva intensamente.

Mas...

Se eu viver intensamente não terei tempo de perdoar porque aquilo que poderia me atingir não irá me acertar. Se fizer planos, for feliz, relaxar, acordar e dormir, não trabalharei (?!). Ao sonhar, sorrir e chorar, me divertirei, namorando, mas não serei paciente e sim doutor da minha causa e por isso terei amigos, poucos. Se acredito, rezo, leio mais, e portanto mudo de opinião, amando mudar, serei amado? Acho que não, mas amo a possibilidade de estar errado!

(Quando afirmo, me auto ajudo, quando duvido: POESIO!)

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Heine, NÃO RECEIES

Não receies: para o mundo
Meu amor eu não declaro,
Se a beleza tua inunda
Minha boca de metáforas.

Sob as árvores em flor,
jaz, no mundo esconderijo,
O segredo abrasador,
Tão profundo e protegido.

Se escapar uma faísca
Dentre as rosas -- ah, não temas!
Que este mundo não decifra:
Onde há fogo, vê poemas.


(Tradução: André Vallias).

365 dias com poesia, 06 de maio de 2013 -- Os idiotas e a política 2

Os idiotas e a política 2


Os idiotas e/ou mal intencionados
se esforçam em não entender
que o sonho de todo tecnocrata
treinado em inglês
é conseguir um empregado novo
que trabalhe
pela metade do preço do antigo
(no antigo Egito era melhor: todos eram escravos!)

se jactam do sucesso de enxugar o orçamento
à custa da sucateação
do órgão ou setor
que passam a comandar
(dizem que o chefão só gosta de boas notícias...)

isso acontece em todos os lugares do
Poder Executivo
um pouco menos na polícia
porque o crime dá medo
e aí há um mínimo de bom senso
de não deixar a coisa passar do limite
limite
que parece que acham que podem controlar
(todo o idiota pensa que pode controlar alguma coisa)

com essa maneira de administrar
(de inteligência suprema)
vão empurrando com a barriga
até que um Morro do Bumba desabe
ou
um escândalo com construtora venha à tona
ou
que uma possível falência de um figurão
demonstre
a verdadeira preocupação dos gênios:
arrumar um futuro emprego na iniciativa privada
com todas as regalias negadas
aos otários
seus antigos funcionários

domingo, 5 de maio de 2013

Heine, O RAPAZ AMA UMA JOVEM (1822)

Provavelmente poema que deu a ideia a Drummond para fazer o seu poema QUADRILHA, de 1930:

O rapaz ama uma jovem
Que deseja outro rapaz;
Este de outra se enamora,
Lá se vão ao juiz de paz.

A donzela então decide
Desposar, só por despeito,
O primeiro que ela avista;
O rapaz ficou desfeito.

É uma história tão antiga,
Mas que sempre se renova;
E quem já passou por isso
Pôs seu coração à prova.


(Tradução: André Vallias).

Heine, SONETO

Eu rio do pernóstico velhaco,
De bode, me encarando a noite inteira;
Eu rio da raposa sorrateira
Que fuça em busca do meu ponto fraco.

Eu rio do acadêmico macaco,
Que arrota regras e vomita asneira;
Eu rio dessa víbora embusteira,
Querendo me emboscar de seu buraco.

Pois quando nos atinge a mão irada
Do acaso, e a nossa vida se estilhaça,
E os cacos vão caindo pelo chão;

E quando em nosso peito o coração
Se rasga, dilacera e despedaça --
Nos resta uma sonora gargalhada.

(Tradução: André Valias).

Heine, VERDADEIRAMENTE

Verdadeiramente

Tão lofgo brilha o sol da primavera,
As flores desabrocham pela relva;
E quando a lua espalha o véu de prata,
Um séquito de estrelas nada atrás;
Quando dois olhos lindos se iluminam,
Canções de amor ou vates descortinam; --
Contudo, estrelas, lua, sol e flor,
Dois olhos lindos e canções de amor,
Por mais que nos comovam lá no fundo,
Não mudam uma vírgula no mundo.

(Tradução: André Valias)

Heinrich Heine, opinião de Ludwig Börne

Heine é um artista, um poeta, e para seu mais amplo reconhecimento só lhe falta o seu próprio. Porque deseja frequentemente ser ainda outra coisa além de poeta, ele perde-se com frequência. Quem como ele considera a forma o mais elevado, terá de ficar somente com ela, quando voa no ilimitado, e a areia o engole. Quem adora a arte como sua divindade e também dirige preces, ao seu bel-prazer, à natureza, ultraja tanto a arte quanto a natureza. Heine suplica à natureza o seu néctar e pólen, e constroí com a plástica cera da arte a sua colmeia. Mas ele não a molda para conservar o mel, ele só armazena o mel para encher a colmeia. Por isso não comove quando chora; pois sabemos que com as lágrimas ele apenas rega as maçãs do próprio rosto. Por isso não convence quando diz a verdade; porque sabemos que só ama a beleza da verdade. Mas a verdade nem sempre é bela, e ela não o é para sempre. Demora até que floresça, e precisa fenecer até que traga os seus frutos.

Heinrich Heine, poeta

Heine talvez continue a desafiar nossos parâmetros, provocando desconfiança e rejeição, porque não se encaixa no modelo binário que seu admirador Nietzche propagou -- ele não é apolíneo nem dionisíaco. Pertence a uma terceira categoria que o Ocidente relegou às sombras. Havelock Ellis acertou em cheio quando chamou o poeta judeu-alemão de "Hermes travesso".

O culto dessa que é uma das mais primordiais e complexas divindades da Antiguidade estaria ligado aos rituais de fecundação, de onde adveio sua associação ao intercurso, à criatividade e à intervenção. Não por acaso, Hermes era o protetor dos poetas e pensadores, dos diplomatas e tradutores, como dos comerciantes e ladrões. Era o Arauto de Zeus, o Senhor dos caminhos, o Transgressor das fronteiras. A ele foram atribuídas tanto a criação da lira -- brinquedo com o qual aplacou a ira de Apolo -- como da escrita.

Na Idade Média, ele foi defenestrado. mas continuou ativo -- rebaixado como jogral, na corte -- ou temido como o "Tinhoso", nas encruzilhadas. O jokerman -- "You are a man of the mountains, you can walk on the clouds, Manipulator of crowds, you are a dream twister" -- como haveria de cantar mais tarde um outro judeu errante e fugidio  -- Robert Zimmerman, por alcunha Bob Dylan --, quem sabe o avatar mais próximo e recente de Harry Heine. (Ou seria o genial quadrinista Art Spiegelman?).

Heine foi o primeiro poeta verdadeiramente midiático do século XIX, o primeiro a se apropriar com estratégia das redes de influência, das engrenagens do jornalismo e dos melindres do mercado editorial, sem jamais trair, no entanto, seu projeto iluminista de "libertação da humanidade". Foi o mais autêntico -- se não o único -- utópico esclarecido de seu tempo.

365 dias com poesia, 05 de maio de 2013 -- SILÊNCIO OLHAR AZUL

SILÊNCIO OLHAR AZUL


05/05/2008, início da caminhada poética com FREDERICO

Silêncio Olhar Azul
É o silêncio da solidão do astronauta
da lua olhando a terra azul
É a descoberta da verdade científica
que muda tudo
que mudo
muda o silêncio do homem que se descobre só
Solidifica a sensação
Tênue
que aqui na Terra temos com quem conversar
De lá tudo é azul
um silêncio solitário azul
de um homem que sabe que não adianta chorar

sábado, 4 de maio de 2013

365 dias com poesia, 04 de maio de 2013 -- CINTOS

CINTOS


O tempo passa
Nos botões do cinto da minha calça
Grossas histórias
Que entristecem e engorduram
Quantas contas foram feitas?
Quantos erros aceitos?
Quantas somas?
Quantos somos?
Quantos sintos agüenta o tempo?

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Cecília Meireles, poema inédito

NESTE LONGO EXERCÍCIO DE ALMA...

Ciência, amor, sabedoria,
-- tudo jaz muito longe, sempre...
(Imensamente fora do nosso alcance!)

Desmancha-se o átomo,
domina-se a lágrima,
vence-se o abismo:
-- cai-se, porém, logo de bruços e de olhos fechados,
e é-se um pequeno segredo
sobre um grande segredo.

Tristes ainda seremos por muito tempo,
embora de uma nobre tristeza,
nós, os que o sol e a lua
todos os dias encontram,
no espelho do silêncio refletidos,
neste longo exercício de alma.


1955

365 dias com poesia, 03 de maio de 2013 -- História

História


Amor amo amar

Beleza bole bonito

Comigo. Caminho concentrado

Doido doído demais

E entupo entusiasmado.

Foda fugir fingindo

Gosto goma gosma

Há. Humano húmus

Inteiro imenso incenso.

Já jovem joguei

Longe longo luar.

Monte monto muito

Nuca nunca nego

Observei ócio. Ocultar

Por quê? Penetro pretensão

Quero querendo querer

Rotas ruínas rubras,

Surfar sendo sofrer

Tudo todos temem

Único um una

Vontade. Várias viagens

Xaxexixoxu

Zazezizozu... Zodíaco!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

365 dias com poesia, 02 de maio de 2013 -- naturezo

naturezo


A Frans Krajceberg

Desejo
a coragem do artista
que espera
a folha cair
o galho retorcer
o fogo naturalmente arder
para colher das cinzas,
rugas (suas),
gritos
das sobras
da natureza
que não pode gritar

quarta-feira, 1 de maio de 2013

365 dias com poesia, 01 de maio de 2013 -- surfistas

surfistas


A Matheus Dargam

quem sabe da vida?
os surfistas!
cada onda
segundos de prazer que se vão
quase numa piscada
e logo o esforço para passar a arrebentação
minutos de sufoco
em nova batalha pelo que foi perdido
quedas vacas água salgada
novas braçadas

(vagas vãs para os que da areia esboçam um sorriso sem graça)