quarta-feira, 16 de maio de 2012

Jorge Luis Borges, O OUTRO TIGRE

Penso num tigre. A penumbra exalta
a vasta Biblioteca laboriosa
e parece afastar suas estantes;
forte, inocente, ensanguentado e novo,
ele irá por sua selva e sua manhã
e deixará seu rastro na lodosa
margem de um rio cujo nome ignora
(seu mundo não tem nomes nem passado,
nem há futuro, só um instante certo).
E vencerá as bárbaras distâncias,
farejará no enleado labirinto
dos aromas o aroma da alvorada
e o aroma deleitável do veado.

Entre as riscas do bambu decifro
suas riscas e pressinto a ossatura
sob essa pele esplêndida que vibra.
Inúteis interpõem-se os convexos
mares e os desertos do planeta;
desta morada de um remoto porto
da América do Sul, te sigo e te sonho,
oh, tigre das ribeiras do rio Ganges.
Corre a tarde em minha alma e eu pondero
que o tigre vocativo de meu verso
é um tigre de símbolos e sombras,
uma série de tropos literários
e de memórias da enciclopédia,
não o tigre fatal, joia nefasta
que, sob o sol ou a diversa lua,
vai cumprindo em Sumatra ou em bengala
sua rotina de amor, de ócio e de morte.
A esse tigre dos símbolos opus
o verdadeiro, o que tem sangue quente,
o que dizima a tribo dos búfalos
e hoje, 3 de agosto de 59,
estende sobre o prado uma pausada
sombra, mas só o fato de nomeá-lo
e de conjecturar sua circunstância
torna-o ficção da arte e não criatura
animada das que andam pela terra.

Procuraremos um terceiro tigre.
Como os outros, também será uma forma
de meu sonho, um sistema de palavras
humanas, não o tigre vertebrado
que, para além dessas mitologias,
pisa a terra. Bem o sei, mas algo
me impõe essa aventura indefinida,
insensata e antiga, e persevero
em procurar pelo tempo da tarde
o outro tigre, o que não está no verso.


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