sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

365 dias com poesia, 01 de janeiro de 2016 -- JUSTIFICAÇÃO DO POETA

JUSTIFICAÇÃO DO POETA -- Lêdo Ivo

Pai, meus pensamentos não cabem na tua sala com piano
                            tranquilo a um lado e escuras cadeiras
                                                        vazias perto da janela
meus inquietos pensamentos não cabem na saleta com flores
                                      morrendo nos jarros e paisagens
                                               sorrindo nas molduras
deixa que eles atinjam além das cortinas azuis e caminhem para
                                               muito além das janelas abertas
deixa que eles se misturem com o calmo luar
não te importes se os outros se espantam com teu filho de olhos
                                      vivos e cabelos sempre desalinhados 
não te importes se recito poemas quando a noite cai
o tempo não existe na alma do poeta
tudo é universal e abrange todos os tempos
os poetas, meu pai, são os corações do mundo
são as mãos de Deus escrevendo os poemas do mundo inseguro
não importa, pai, que digam que sou louco
que choro debruçado nas pontes e me comovo nos teatros
que pergunto pela obscura Adriana quando a madrugada desce
em silêncio
em silêncio
os poetas são os pianos do mundo
só eles terão a noção da agonia do mundo
ontem um menino espanhol foi despedaçado por uma bomba
amanhã se encontrarão poemas no bolso do suicida sonhador
enquanto isso os guindastes trabalham incansavelmente dia e
                                                                                     noite
e os operários fatigam e as pernas
nenhuma oscilação haverá na Poesia
ela ficará em equilíbrio porque os ritmos a amparam
e Adriana não se prostituiu.


Sou um comício. Sou uma revolução.

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