Poemas
de Picasso
Picasso Poèmes
Qui sait
que Picasso fut également un grand poète?
À l’âge de 55 ans, il
se met à écrire “les centaines de poèmes qui dormaient” en lui. Proliférant
dans son activité de peintre, il l’est tout autant dans son travail d’écrivain
qui comprend plus de quatre cents poèmes et trois pieces de théâtre de 1935 à
1959.
Peintre consacré mais jeune poete,
Picasso utilize les mots avec une extreme liberte aussi bien sur le plan
linguistique que plastique et visuel. D’une écriture vive, ses manuscrits
souvent brouillons deviennent ailleurs de superbes dessins.
Première anthologie de sés poèmes em
français, ce livre propose une sélection d’une centaine de textes parmi les
plus significatifs et les plus beaux et donne les clés de lecture
indispensables pour mieux pénétrer dans son univers foisonnant et inventif.
Androula Michael
Poemas
de Picasso
Quem sabe que Picasso foi igualmente um grande
poeta?
Com
55 anos, ele resolveu escrever ”as centenas de poemas que dormiam” nele. Com força
equivalente à sua atividade de pintor, como escritor fez mais de quatrocentos
poemas e três peças de teatro, de 1935 a 1959.
Pintor consagrado mas jovem poeta.
Picasso utiliza-se das palavras com extrema liberdade, seu plano lingüístico
equivale ao plástico e visual. D’escrita viva, seus manuscritos freqüentemente
funcionam como rascunhos de seus espetaculares desenhos.
Primeira antologia de seus poemas em
francês, este livro traz uma seleção de uma centena de textos entre os mais
significativos e belos, tornando-se chave de leitura indispensável para aqueles que
querem penetrar em seu abundante universo criativo.
Nota do
tradutor – O
poema tradução, primeiro da série de poemas por mim traduzidos de Picasso,
brinca com a de se “traduzir” poesia (entre aspas, porque na verdade há apenas
a crença na possibilidade). Como dito acima, se um mesmo autor pretendesse
escrever a mesma ideia em dois idiomas se utilizaria de termos, expressões e
palavras completamente diferentes para passar aquela ideia pretendida (e talvez
não conseguisse passar a mesma ideia).
Para tentar alcançar a ideia-núcleo dum poema,
fazendo uma tradução o mais fiel possível, seria necessário, além do
conhecimento extremo das duas línguas, um contato entre o poeta vivo e o
tradutor (impossível, na maior parte das vezes, pela diferença de época
temporal). Além dessa óbvia dificuldade, ainda haveria outra, a maior: a
diferença lingüística e gramatical entre os idiomas.
Em resumo, traduzir poesia acaba sendo na
verdade fazer poesia no idioma do tradutor (Ou, como diz Guilherme de
Almeida, no clássico Poetas de França”: não existe tradução o que existe
´re-produção, isto é , nova produção).
Então, apesar de sabedor dessas dificuldades
-- e, não obstante as dificuldades, minhas e dos idiomas, mas munido dum ótimo
dicionário e muita vontade --, por estar deveras curioso sobre o modo de
entender poesia do mestre Pablo Picasso, me arrisquei a “fazer” sua poesia. Os
poemas originais não estão juntos das versões a princípio, porque entendi que
atrapalhariam a percepção dos poemas em português, mas, junto com as minhas
versões, podem ser encontrados no blog PeNsAmEnToS eM mOvImEnTo, para sugestões
e aprimoramento da “tradução”.
Muito mais do que querer fazer uma tradução
correta quis que os poemas do mestre soassem bonitos em português.
Agradeço a Angélica Plácido, Jorge Plácido e
Miriam Estrella, que certamente me ajudaram a cometer menos erros nessa
empreitada.
Marco Plácido.
1) 28
octobre 1935 (tradução)
si je
pense dans une langue et j’écris “le chien court derrière le lièvre dans le
bois” et je veux le traduire dans une autre je dois dire “la table en bois
blanc enfonce ses pattes dans le sable et meurt presque de peu de se savoir si
(sotte)”
se
eu penso numa língua e escrevo “o cão corre atrás da lebre no bosque” e eu
quero traduzir numa outra língua eu posso dizer “a mesa no bosque branco afunda
seus pés na areia e quase morre de medo de saber-se ignorante”
2) 31 décembre 1930
(afinação)
l’éclair s’endort
paresseux sous les grosses cloches sonant à toute vallée
os
relâmpagos adormecem preguiçosos sob o som dos grandes sinos que afinam todo o
vale
3) 2 juillet 1938
(gotas)
goutte à
goutte
vivace
meurt le
bleu pâle
entre les
griffes du
vert amande
à l’échelle
du rose
gota
à gota
morre
perene
o
azul
pálido
entre
as garras do
verde
amêndoa
e
a fragrância do rosa
4) 17 mars 1937
(conchas)
le désir si à l’étroi
dans sa prison fait éclater la coquille de la mer et allume les bareaux que
l’enferment sonnant le tocsin au coquetier de velours
o
desejo soa dentro da prisão o silêncio de lembranças de conchas do mar
alumiando as grades que trancam suam nossas fantasias
5) 17
octobre 1930 (caranguejo)
se
déroulant à l’intérieur de la bulle de savon qui pète le gros crabe crevé sur
la plage déserte
...caindo no interior duma bolha de sabão,
perdido, sou mais um caranguejo morto numa praia deserta
6) 18
mai 1936 (ramo de flor)
l’arôme des fleurs de la branche arrachée au
citronnier pétrifie sa forme dans le creux de la main appuyée à la tempe à la
chaleur du mauve caché dans la joue et pointe son dard dans la narine gauche de
la jeune fille au loin sur son rêve
o aroma do ramo de flor arranca do limoeiro
petrificado sua forma na concavidade da mão apóia a têmpora no calor da
bochecha da envergonhada menina e aponta seu ferrão para a narina esquerda
dela: este seu sonho
7) 4 janvier 1936 (vespas)
les tableaux sont des folles
piqués
au Coeur
des
bulles rayonnantes
serrées
par les yeux à la gorge
du coup de fouet carambolique
battant des ailes
autour
du carré de son désir
os quadros são loucas
picadas no coração
bolhas irradiando
apertados par d’olhos na garganta
golpe de vespas presas
batendo asas
em torno do quadrado de seu desejo
8) 16
decémbre 1935 (solução)
rien que
la couleur
l’abeille ronge son mors
rien que l’odeur
l’oiseau
trait sa faucille
rien que
de les voir se tordre sur l’oreiller
l’amour
fond le metal du rail de l’hirondelle
rien
qu’un cheveu
Só com a cor
A abelha faz música da angústia
Só com o odor
O pássaro desenha sua queda
Só para se ver se torce o pescoço
O amor desafina o canto da andorinha
Só um cabelo...
9) 8-9
novembre 1944 (colheitas)
sur les
arbustes d’encre du berre frais des dentelles des éventails ouverts en comblées
divinités éparses le cristal incandescent qui chante à tire-d’aile sur la cire
d’abeile du rosier cueille à fines et souples cuillerées les aériens châteaux
de cartes des parfumés orféons de plumes huilant la route les miraculeux
festons d’arc-en-ciel des jarres pleines de lait buvant à grands cris le bleu
azuréal sautant à pieds joints sur les tropiques du miroir pendu corps et biens
à la fenêtre
sobre os arbustos de tinta de manteiga fresca
leques de renda mostram satisfeitas divindades dispersas no cristal
incandescente que canta na asa (sobre o mel) d’abelha na roseira colhendo fins
colhendo aéreos castelos de cartas perfumados libretos orfeônicos de plumas
untam a rota quais miraculosos moluscos de arco-íris jarros cheios de leite
bebido gritam o azul irreal e saltam em pés juntos sobre os trópicos do espelho
onde pendem corpos próprios à janela
10) Paris,
16 mai 1936 (aroma)
non plus
frappe l’ârome de la saveur du jaune sur le son du vert charme soupirant au
toucher du rose aux éclats de rire le regard du parfum évanoui du bleu du vide
modéle la colombe liquide du chant évaporé de la lumière aveuglée par le cri de
la chaleur mirant son corps dans l’air frais sonne le tocsin si doux de
l’absence des heures arrachées du silence
nada abate o aroma do sabor do amarelo sobre o
seu verde charme nervoso que toca a rosa todas as gargalhadas lembram o
esmaecido azul da vida modelam a pomba líquido do canto evaporado da luz cega
do grito quente que mira corpo adentro um ar fresco toca a fantasia doce
ausência de horas arrancadas do silêncio
11) 24
avril 1936 (pintassilgo)
jambes en
l’air l’arc-en-ciel au milieu de la nuit étoilée tordant son linge berceau aux
yeux étonnés pur chardonneret du hamac clignotant des jeux ronde des clous
enfoncés dans le feu à la gorge du prisme corde tênue par les bouts aux
brûlures de la roue embourbée dans la mare mordant avec rage l’oeil du taureau
expirant
pernas no ar arco-íris no meio da noite
estrelada plumagem torcida por olhos admirados pelo passarinho cada piscada uma
dança de roda pregos passeiam no vértice
do fogo do prisma corda tênue de pontas que cutucam o fim que queimam atolam na
maré vibrante olho de touro exausto
12) 13
avril 1936 (folha de cereja)
minuscule barque faite avec des clous de
girofle saupoudrée des roses et des verts pastels fixe brille et resplendit
aromatisée et colore enchante et verse pavillon ailé dans sa coupe son écharpe
la petite feuille de la fleur du cerisier tombée par terre sous l’arbre tous
linges retroussés fessée par les souris aux gouttes de la pluie
minúsculo barco feito de cravos-da-índia
pouvilha rosas e verdes pastéis brilho fixo resplandecente aroma colorido
encantado verso pavilhão alado na taça protege a pequena folha da flor da
cereja tombada na terra sob a árvore todas as roupas arregaçadas à tapas por
sorrisos gotas de chuva
13)
Juan-les-pins le 26 mars 1936 (cebola)
l’effilé séjour du prix secret de la douleur
mijote sur le feu doux du souvenir ou l’oignon joue la vedette si la main se
détache de sés lignes ayant lu et relu le passé mais au coup de cravache reçu
en plein dans ses yeux
esguia estadia preço secreto da dor cozinha
sobre fogo doce onde a cebola vedete é cortada lida e relida passada e sofre o
golpe de chicote que ressoa plenamente dentro de seus olhos
14) 14 janvier 1940
(caramelo)
la longue file de
silences glisse la pointe de son couteau entre les plis du ciel peint en faux
bois qui suinte les lèvres de la fenêtre sucent le caramel
a língua, filha de silêncios, desliza a ponta,
faca, entre um céu amassado, pintado em madeira velha, que escorrendo lábios
devassos na janela chupa o caramelo
15) mardi
5 novembre 1940 (bruxa)
au
bûcher en feu où
grillait nue la sorcière
je me suis amusé
du bout des lèvres
de cette après-midi
d’arracher doucement
avec mes ongles
la peau à toutes
les flammes
à une heure cinq
du matin et plus tard
maintenant trois heures
moins dix mes doigts sentaient
encore le pain chaud le miel
et les
jasmines
na fogueira onde
torra nua a bruxa
eu me assusto
no fundo de lábios
de entardecer
arranco docemente
com minhas unhas
a pele de todas as
chamas
uma hora e cinco
da manhã e mais tarde
já três horas
meses dez dedos sentem
ainda o pão
o mel
e o jasmim
16) Paris
25 février 1940 (eco)
la nuit
arrachée si brutalement du ciel évaporant
déchiré
par tant d’épingles la pâleur de ses linges
retrouvés
goutte à goutte exsangues baigne as carapace
dans
l’écho de la pierre lancée dans le puits
a noite afasta-se brutalmente do céu
deixa portanto um rastro raio pálido
tecido puxado encontrado gota a gota
exangue banho na carapaça
dentro do eco da pedra lançada no poço
17) 14
décembre 1935 (botões de ameixa)
sur le
dos de l’immense tranche
de melon
ardent
arbre
morceau de fleuve
table à
rire
sous la
menace de l’aile de voir
expirer
entre ses dents
distraite
de son ennui
un brin
d’herbe
les deux
petits boutons de prunus
tombés
si bas
s’embrassent
depuis deux ou trois jours
énervés
par les pleurs
de la
petite fille
sobre as costas da imensa fatia
de melão ardente
árvore pedaço de rio
mesa de risadas
sob a ameaça da asa que
abraça pelo prazer de voar
expira entre dentes
distraída aborrecida
folha
dois botões de ameixa
tombados se abraçam
depois de dois ou três dias
choram saudosos
a neta
18) 30
décembre 1935 (fonte)
la nuit
dans la fontaine
le rêve tord son bec
au coup
donné
contre
l’air
arraché
aux
boyaux
de la
colouer
cachée
dans la
guitare
sa joie
enivrée
par le
chant
de la
couleur
tirant
les fils
qui soutiennent
le plateau
de la
scène
dèverse
l’eau
du
luster
le long
de l’escalier
que
la main
noire
parapluie
à
l’oreille bleue
résonne
la buile
de savon
qui
s’échappe
et
emporte prisionnière
l’aube
naissante
a noite
na fonte
o sonho torcido bico
o golpe dado
contra o ar
arranca
as tripas
da cor
(grito)
escondido
na guitarra
alegria
embriagada
pelo canto
da cor
escapa
o fi(lh)o
que sustenta
o prato
da cena
deságua
água
lustra
a longa escada
que
a mão negra
guarda (-chuva)
orelha azul
ressoa
a bolha de sabão
que escapa
descontrolada
prisioneira
da nascente
madrugada
19) 22
mars 1936 (respiração)
miette
de pain posée si gentiment par ses doights sur le bord du ciel autant bleu
soupirant que le coquillage enchaîne jouer de flûte battant des ailes à chaque
goutte fleuril au printemps à l’accroc que fait dans sa robe la fenêtre qui se
gonfle et remplit la pièce et l’emporte flottant au vent ses longs cheveux
migalha de pão pousa gentilmente pelos seus
dedos sobre a borda do céu tanto quanto suspira o azul mariscos aprisionados
tocam flauta batendo asas a cada gota de orvalho florida na primavera fenda que
dança no vestido janela que inspira cabelos que expiram o vento
20)
Paris le 31 mars 1952 (cobre(a))
Pour
Beloyannis
la luer
de l’huile des lanternes éclairant la nuit dans le Madrid du soir de mai les
nobles faces du peuple fusillé par l’étrange rapace dans le tableau de Goya est
le même grain d’horreur semé à pleine poignée de projecteurs sur la poitrine
ouverte de la Grèce par des gouvernements suant la peur et la haine. Une immense colombe
blanche saupoudre la colère son deuil sur la
terre
Para Beloyannis
o clarão de lanternas a óleo ilumina a noite
de maio de Madrid nobres faces do povo fuzilam o estrangeiro rapaz sentado à
mesa de Goya ele mesmo grão do horror semeando à murros plenos projetos sobre o
pulmão aberto da Grécia para que os governantes suem perda e raiva. Uma imensa
pomba branca cobre(a) a cólera de seu luto sobre a terra
21) 18
juillet 1951 Vallauris (chaga)
organdi
myosotis arbre en folie palme arrachée au masque du bleu incommensurable glacê
par le soleil détaché de sa course les doigts tendus de l’aurore recevant en
plein sur sa poitrine l’averse d’etoiles mordorant de toutes ses dents les
chants enamourés des grenouilles en deux feux de Bengale le grouillement
d’arômes le drapeaux et dentelles cloués aux pans de l’étoffe amarante de ses
regards l’herbe sèche broutant l’acorde du gibet attendant à genoux l’épée
rapide égorgeant la plaie laisée entrouverte
árvore de organdi palmeira em festa arranca a
máscara do azul de brilho incomensurável que ajuda o sol a desligar-se do curso
de seus dedos armadilhas d’aurora acolhem plenas sobre a poltrona pancadas
d´’água d’estrelas que escurecem todos os seus dentes todas as canções
enamoradas falecida dupla de rãs de Bengala formigavam aromas bandeiras e
rendas amarradas em lenços de ressentimentos erva seca que pinta a corda da
forca que espera o joelho espada rápida que decapita a chaga calada e
entreaberta
22) 1er
mars 1940 (O banquete)
Le repas
le drap
se leve du lit et immédiatement ses roues en riant à gorge deployée déchirent
en lambeaux la peau du bouquet planté jusqu’à la garde sur le chant traînant
ses savates sous les pieds de la table attachée au crystal du vase par des
chaînes et la voix que repete le miroir mis à nu par les soins du bleu tendu à
lui faire pousser des hurlements sur la bouche édentée de la fenêtre lui fait
un salut très cérémonieux et bien étrange 1e plat on apporte les larmes en tas
de sable et on les fait craquer entre les dents par des hommes et des femmes
choisis parmi les plus beaux
o lençol se ergue da cama imediatamente
estende-se lacerante flutua gira em gargalhadas a pele do buquê planta sobre a
guarda o canto arrasta seus chinelos sob os pés da mesa e ataca o cristal do
vaso aprisionado e a voz, que repete o espelho pondo o som do azul nu,
mirando-o na janela, força o grito na boca desdentada ele faz um brinde
cerimonioso e estranho primeiro prato produz lágrimas na ampulheta, tártaro,
entre os dentes, dos homens e mulheres escolhidos entre os mais belos
23) 9
juin 1938 (pernas)
la rose
chante de toute as voix sur les morceaux de pain grillé étendu sur le beurre du
bleu effaçant étendu jambes écartées l’ombre portée coupant en deux la chanson
rongeant le bout du doigt du coquelicot accroché à la poutre et défait le noeud
coulant serrant la gorge de la lettre reçue à toute volée
a rosa canta com toda força sobre o pedaço de
pão grelhado estendido sobre a manteiga do azul apagado estendidas pernas
desviam a sombra cortam ao meio a canção afligem a ponta dos dedos da
dormideira próxima à viga e desfazem o nó que fecha a garganta da letra que
aceita o curso do voo
24) 15
décembre 1935 (cardume)
la lame
du couteau brûle la plaie que le soupir de cette après-midi tricoteuse écharpe
de ses gouttes – l’odeur de la souris prise au piège – beurre fondu de
l’hortoge – que la mer – fil à plomb attaché au soleil – pendue au cou de la
journée – la terre – réveille la tentation couleur de tourterelle et déchire en
mille morceaux le bout de l’éventail – S.O.S. de l’ombre posée au milieu de la
table par le pauvre malheureux petit palmier – offert comme prime à Pâques par
l’aimable fleuriste – mais si le moindre silence un peu plus chaque jour
s’accroche déchiré au voile que l’heure traîne – coud ces lèvres avec un cheveu
blond attaché à l’aiguille de son oeil
a lâmina da faca queima a chaga que suspira
depois do meio-dia, echarpe de suor – odor dum sorriso preso na armadilha –
horas derretidas – no mar – redes de pesca aprisionam o sol – sufocando a
jornada – a terra – revela a tentação marrom e dilacera em mil pedaços a esperança – desespero do homem suprido pela
infeliz palmeira – oferecida como presente de Páscoa pela amável florista – mas
se o relógio silencia um pouco mais a cada dia – se aproxima a queda que as
horas trazem – esfriam lábios com cabelos loiros que desafiam seu olhar
25) 15
juin 1936 (morte)
rit
l’ail de sa couleur d’étoile feuille morte
rit de
son air moqueur à la rose le poignard que sa coleur
enfonce
l’ail de
l’étoile em feuille morte
rit de son air matin au poignard des roses l’odeur de
l’étoile
tombante
en
feuille morte
l’ail de
l’aile
ri do azedo de sua cor estrela ferida de morte
ri de seu ar zomba a rosa do punhal que sua
cor
abate
azedo d’estrela ferida de morte
ri de seu ar maligno de assassino de rosas
odor de estrela
caída
folha morta
cinzas de asa
26) 10
avril 1936 (saltos)
seul
soleil rage de dents doublé la mise et peint dorade sur la plume du regard fixe
le point de chute et délaie ses ongles à la danse
solitário sol range os dentes que dobram o traje
e pinta de dourado a pluma o olhar fixo na queda d’água prepara os ombros para
a dança
27) 24
décembre 1942 (perfumes e músicas)
sur
l’oeuf pondu en fin de compte l’adresse figurée par la pluie levée si tôt
grince aux blancs azuréals régals de ses plaintes le fumet du couchant lunaire
de ses bouquets éteints em fille indienne – la necessite faite cible et ordre
de départ et rose à rose les marches grimpantes délicieusemente parées de
parfums et de musiques
sobre o ovo pende a direção endereço figurado
sob a chuva suspensa todos os dentes rangem brancos para os acepipes azulados
de suas queixas filmam o anoitecer da poesia abafada em fila indiana – a
necessidade faz mira e ordena a partida e julga todas as coisas e nua desce
silenciosamente mordiscando rosa a rosa, deliciosamente, parando perfumes e
músicas
28)
16-30 mai 1943 (sol abatido)
entremise
à chaque goutte de sang éclaboussé en gerbes irisées et en silencieuses glacês
en feux et festivités remises développées en musique et chants enroulés en
champs et soies distillés parcimonieusement minutieuses descriptions à chaque
page à chaque ligne à chaque soleil écrasé...
entre cada gota de sangue salpicam germes
irisados em silenciosos espelhos de fogo festejam memórias acalentadas em
música e cantos enrolados em campos e sedas destilam parcimoniosos minuciosas
descrições a cada página a cada linha a cada sorriso abatido
29) 4
novembre 1935 (I) (II) (maré)
(I)
j’ai vu
sortir
ce soir
du
concert
de la
salle Gaveau
la
dernière
personne
et puis je suis allé un peu plus loin dans la même rue
au
bureau de tabac chercher des allumettes
(II)
miroir
dans ton cadre de liège – jeté sur les vagues au milieu de la mer – tu ne vois
pas que l’éclair – le ciel – et les nuages – ta bouche ouverte est prête – à
avaler le soleil – mais que l’oiseau passe – et vive un seul moment dans ton
regard – le voilà perdant ses yeux – tombes dans l’eau – aveugle – et quels
rires alors – à ce moment précis – ne feront elles les vagues
(I)
eu tinha visto sair
a noite
no concerto
na sala Gaveau
a última
pessoa
e depois fui um pouco mais longe na mesma rua
comprar fósforos na casa de fumo
(II)
espelho na moldura – jogam ondas no meio do
mar – você não me vê que sorriso – o céu – e as nuvens – tu boca aberta é linda
– apaga o sol – mesmo que o pássaro passe – e viva um solitário momento de
recordação – lá estão seus olhos perdido(s) – cego(s) – e aqueles risos então –
na hora agá – não fizeram maré
30) 20
novembre 1935 (I) (II) (MT)
(I)
quelle
rage vous salue si correctement à cheval sur as haine sinon la fleur qui brûle
as langueur étendue sur l abarque qui glisse par ces veines et soudainement
ouvre la fenêtre de as joue et jette pour s’amuser dans la rue dês graines aux
parfums.
(II)
Fleur
plus douce que le miel MT* tu es mon feu de joie
- MT designe
Marie-Thérèse Walter
(I)
aquela paixão com a qual você acena
corretamente ao cavalo sobre sua raiva salva a flor que brilha a languidez
estendida na barca que desliza por suas veias e que de repente abre a janela da
face e joga na rua para assustar sementes perfumadas
(II)
Flor mais doce que o mel MT você é minha
fogueira
31) 9
décembre 1935 (imagem asa)
l’aile
ronde du plus petit aumône la couleur se contente
la main
qui ronge ne jouons pas alors
la fleur
qui crie je ne veux pas je ne veux pas
l’odeur
desesperante ne vuolez pas si vous
sa
raison s’épouillant mais pas longtemps flotte
la
lumière elle a sa cachette au soleil deux mètres de plus avec
dépasse
d’une tête le bord de la fenêtre est faux archifaux
il mais
si le courage lui manque la couleur se contente
il est faux archifaux alors dépasse d’une tête
avec
deux mètres de plus si vous lumière elle
flotte
mais pas longtemps flotte sa raison s’épouillant
si vous
ne voulez pas avec l’odeur desesperante je ne veux pas il la fleur qui crie
alors ne jouons pas mais si le courage la main qui ronge
la
couleur se contente du plus petit aumône dépasse d’une tête l’aile ronde
a asa voa ao redor da esmola a cor se contenta
(com)
a mão que rumina que não brinca (com)
a flor que grita: eu não quero eu não quero
o odor desesperado não quero: somente o seu
sua razão se apequena por muito tempo bóia
a luz se esconde do sol (a) mais de dois
metros
duma sombra na borda da janela é falso
falsíssimo
ainda mais quando a coragem zomba dele a cor
se contenta (com)
sua falsidade ultrapassada por uma sombra
com mais de dois metros você é a luz
bóia por muito tempo bóia sua apequenada razão
se você não (me) quer com odor desesperado eu
não quero a flor que grita
então não brinque mas se a coragem da mão que
rumina
a cor se contenta com a esmola imagem elevada
asa que rumina
32) 28
décembre 1935 (tarde sangrenta)
à cheval
sur cette après-midi qui s’en va traînant sés tripés et sont foie sur le lac de
myosotis ouvert à toute volée soutenant dans mes bras ces deux ailes brisées au
tambourin des cris je me promène quand soudaiment la cigarette s’enroule comme
une folle à mon doigt et me mord jusques au sang
a cavalo sobre a tarde que segue arrastando
tripas e fígado sobre o lago de miosótis aberta a todos os desejos sustentando
nos braços duas asas e o ritmo de meus gritos divago quando de repente o
cigarro se enrola como um louco no meu dedo e me morde até sangrar
33) 9
avril 1936 (corolário)
(I)
c’est le
ton vert amande mer à boire rire giroflée coquille fêve vitre nègre silence
ardoise corollaire nèfle pitre
(II)
c’est à
mer rire coquille à boire giroflée ton amande nègre fève vitre silence ardoise
le vert pitre corollaire
(III)
vitre
nègre silence mer ardoise ver fève à rire c’est le giroflée coquille pitre ton
corollaire
(IV)
nègre
fève silence vert coquille ardoise ton amande mer giroflée le vitre corollaire
c’est à rire
(V)
corollaire c’est ton rire coquille mer giroflée
ardoise le vert nègre silence vitre amande
(I)
tom verde amêndoa mar a beber riso
cravo-da-índia concha fava viva negro silêncio ardósia corolário nêspera
graciosa
(II)
mar riso concha a beber cravo-da-índia tua
amêndoa negra fava viva silêncio ardósia verde gracioso corolário
(III)
vivo negro silêncio mar ardósia verde fava a
rir cravo-da-índia concha gracioso teu corolário
(IV)
negra fava silêncio verde concha ardósia tom
amêndoa mar cravo-da-índia vivo corolário a rir
(V)
corolário teu riso concha mar cravo-da-índia
ardósia verde negro silêncio viva amêndoa
34) 20
mai 1936 (touro e aranha)
ah si
l’oiseau fait des guirlandes des heures endormies dans le ventre de l’araignée
de bronze pouvai faire as friture d’étoiles au fond de l’air de la mer des
chiffres aux coups en colère des boucs vêtus de plumes et chanter sur le fil
télégraphique rose de loeil de l’oeuf bleu de l’ácharpe attachée au clou ardent
planté exactement au milieu du front entre les cornes de la tête du toro quel silence
ah se o pássaro trouxesse guirlandas das horas
adormecidas no ventre (d)a aranha de bronze podia fazer sua fritura de estrelas
no fundo do ar do mar chifres em corpos em cólera bodes vestidos em plumas
cantando sobre o fio do telégrafo rosa de olho de ovo azul encharpe atacando o
prego ardente plantado
exatamente a milhas de frente entre os cornos
da cabeça do toro silente
35)
(septembre) 1936 (ballet de moscas)
si
l’attendrissant souvenir du verre brisé dans son oeil ne sonne l’heure à la
cloche qui parfume le bleu si las d’aimer de la robe soupirante qui l’enveloppe
le soleil qui pourrait d’un moment à l’autre éclater dans as main rentre sés
griffes et s’endort à l’ombre qui dessine la mante religieuse grignotant une
hostie mais si la courbe qu’agite la chanson pendue au bout de l’hameçon
s’enroule et morda u coeur le couteau qui la charme et la colore et lê bouquet
d’étoiles de mer crie as détresse dans la coupe le coup de langue de son regard
éveille la ratatouille tragique du ballet dês mouches dans le rideau de flammes
qui bout sur le bord de la fenêtre
se o comovente presente do copo quebra seu
olhar não soa a hora do relógio que perfuma o azul se do amor de seu suspirante
robe que envolve o sol pode a qualquer momento estourar na sua mão religiosa
roedora de hóstia se da curva que agita a canção pende a ponta do anzol
enrolado e mordido coração a navalha encanta e colore e faz florescer o mar
grita sua tristeza dentro do corte do soco da língua de seu olhar vivo guisado
trágico ballet de moscas cortina de chamas que apontam o fim da janela
36) 11
octobre 1936 (zangão)
I
☼
portant nouée à son cou en écharpe une baignoire remplie d’eau bouillante ☼
portent nouée à son cou en écharpe une armoire à glacê remplie de linge sale ☼
portant nouée à son cou en écharpe la table de la salle à mnger servie pour le
déjeuner la napple en flammes
II
dame de
chevet colombe remplie d’eau claire au plumage liquide éclairée par une image
brûlant l’huile des ruches
I
☼ portanto cadela em seu pescoço uma encharpe
uma banheira cheia d’água ardente ☼ portanto cadela em seu pescoço uma encharpe
um armário com gelo cheio de roupa suja ☼ portanto cadela em seu pescoço uma
encharpe a mesa de jantar serve para o café-da-manhã guardanapos em chamas
II
dama da cama pomba cheia d’água clara na
plumagem translúcida húmida por uma imagem brilhante óleo de colmeia
37) 12
novembre 1936 (I) (II) (sanguessugas)
(I)
l’une
anonyme à l’autre bat son plein la fête à plat de côte
(II)
les
pensées suceuses de formes dans les formes suceuses de pensées force sans
muscles
bouche
remplie du sang des formes sucées aux pensées
(I)
dum anônimo ao outro rabo cheio na festa da
praia da costa
(II)
os pensamentos sugam as formas e as formas
sugam os pensamentos força sem músculos boca repleta de sangue das formas
sucessivas do pensar
38)
Mougins Vaste Horizon le 12 septembre 1937 (enxame de palavras)
au bout
de la jetée promenade
derrière
le casino le monsieur
si
correctement habillé si gentiment
déculotté mageant son
cornet de frites d’étrons
crache
gracieusement
les
noyaux des
olives à
la gueule
de la
mer
enfinant
ses
prières
à la corde
du drapeau qui grille
au bout du gros mot
qui illumine la scène
la musique cache son
museau dans l’arène
et
décloue
son
effroi
du cadre
de guêpes
jambs écartées
l’éventail fond
as cire sur
l’ancre
na ponta do quebra-mar lugar
último do cassino do senhor
corretamente vestido gentilmente
sem calças comendo seu
tinteiro de fritas cagadas
escarro gracioso
caroços de
azeitonas na garganta
do mar
enfileirando suas
orações na corda
da bandeira que grelha
a ponta da espessa palavra
que ilumina a cena
música que oculta seu
museu na arena
e desprega
seu pavor
de enxame de vespas
pernas solitárias
leque esconde
sua cera sobre
a âncora
39) 1er
mars 1938 (cobalto marinho)
rai noir
du soleil tapant à la porte dessinant sur as main tendue l’oeillet du troupeau
des plis de l’ombre tendue au contact du bruit de l’éventail cachê dans le
linon du pot de miel de la poudre de sucre brûlant sur lê bout du bleu céleste
le lait d’amandes douces du vol de pigeons essuyant le miroir pris dans l’étau
du clavier des couteaux vibrants plantés sur le dos du soleil qui suinte dans
la persienne fermée la crasse céruléenne du cobalt marin
rede negra do sol tapando a porta desenhando
sobre a mão estendida cravo do tanto de vincos na sombra curvada no contato com
o barulho de leque dissimulado no linho do pote de mel do medo de açúcar
brilhando sobre a ponta do azul celeste de leite de amêndoas doces do voo de
pombos mostrando-se no espelho atacado no torno do chaveiro de navalhas
vibrantes planta-se sobre o dorso do céu que destila na persiana fechada a
imundície cerúlea do cobalto marinho
40) 9
mars 1938 (taça laranja)
I
dodeline
miroir jaspe corneille
jupon
acanthi dilemma citadelle
groin
mamelle opossum
II
jambe
nue de la glace étendue
sur les
flames du vos venu du soleil couché à
plat
ventre sur la joue
III
peinte
au bord de l’abîme de la grimace de la démangeaison
petite
fleur dês champs rose et mauve tachée de noir
dans un
verre à l’échelle de certitude de la douceur
de
caramel dês doigts de la roue
IV
recouvrant la jaune citron du sang
coulant du camion rempli d’oiseaux
sous le drap bleu du tas d’oranges
I
balança espelho jaspe gralha
anágua acanto dilema cidadela
cara mama oposição
II
perna nua de graça eterna
sobre as chamas vindas do sol que se põe
no prato ventre sobre o sexo
III
pinta na borda do abismo o esgar da comichão
pequena flor do campo rosa e malva esforço da
noite
num copo a escala da certeza da doçura
do caramelo em dedos de suplício
IV
recoberto o amarelo limão do sangue
contado no caminho repleto de pássaros
sob o lenço azul na taça laranja
41) 25
juin 1938 (cobra)
cordon
de lunes éventail d’huile d’hirondelles attachant sa sandale dans
l’imperceptible odeur de pastèque l’aqua
viva de ses cheveux mélangés allume l alie du souffle de la main qui agite
lês ailes de la flûte
cordão das luas leque d’óleo das andorinhas
ataca sua sandália imperceptível odor de melancia água viva em seu cabelo
combina acende a linha sopro na mão que agita as asas da flauta
42) 20
janvier 1940 (navalha)
glisse le long du couteau depuis la pointe
jusqu’au manche le caramel des lèvres de la fenêtre ouverte sur les plis du
ciel peint en faux bois la longue file de silences
introduzida a navalha depois a ponta até a
manga mancha a cor dos lábios na janela aberta sobre as dobras do céu pinta em
madeira falsa a longa fila de silêncios
43) 20
mai 1940 (buquê de cílios)
chant
des coqs midi des agitations désordonées du ciel pétrifié se changeant sous les
bras déployés du nid de vipères rideaux tires le gibet du bouquet ailes citron
du soufre des fleurs des íris et dês pavots à l’odeur orange des aisselles
exalte sa chevelure
canta o galo no meio da agitação desordenada
do céu petrificado que se altera sob o braço estendido no ninho de víboras
cortina extraída da forca do buquê de cílios limão sofrimento das flores
juvenis e das dormideiras o odor laranja das axilas exaltam o crescimento
44) 7
juin 1940 (espirais)
la
beauté qui s’évapore de ses mains dépose sa rosée dans le tout-à-l’égout des
fleurs grimpantes jouant des coudes sous le tapis vert des tilleuls – les acres
émanations de la toile lilas qui brûle à
la fenêtre mord à l’épaule du soir qui s’agite entre les barbelés – du chapeau
citron les flammes suivent à la course la tresse qui se consume em spirale
a beleza que se evapora de mãos apoiadas em
pétalas de rosa que gotejam trepadeiras abraçam o tapete verde de tílias –
àsperas emanações na tela lilás que consomem a janela mordem o ombro da noite
que se agita entre o arame farpado – no chapéu limão as chamas acompanham a
dança da corda
que se consome em espirais
45)
mardi 24 novembro 1941 (asa)
goutte
d’eau accrochée au rempart de flammes du bouquet de fleurs qui s’agite au bout
des doigts des lèvres brûlantes du bruit des roseaux grattent la nuit les cris
et les malédictions et les éclats de rire des rubans de couleurs emmêlés
exaltant la puanteur des crabes pourrissant sur la plage de l’aile qui se leve
du corps abandonné au gré des flots
gota d’água na muralha de chamas buquê de
flores que se agita na ponta dos dedos lábios irados mas pálidos sussurram
roubam da noite gritos e maldições e gargalhadas das condecorações coloridas
que confundem exaltam malcheirosos caranguejos apodrecendo na praia asa que se
ergue dos corpos abandonados ao bel-prazer das ondas
Nenhum comentário:
Postar um comentário