quinta-feira, 5 de março de 2015

Poemas de Picasso. Tradução de Marco Plácido

Poemas de Picasso


Picasso Poèmes

Qui sait que Picasso fut également un grand poète?
À l’âge de 55 ans, il se met à écrire “les centaines de poèmes qui dormaient” en lui. Proliférant dans son activité de peintre, il l’est tout autant dans son travail d’écrivain qui comprend plus de quatre cents poèmes et trois pieces de théâtre de 1935 à 1959.

         Peintre consacré mais jeune poete, Picasso utilize les mots avec une extreme liberte aussi bien sur le plan linguistique que plastique et visuel. D’une écriture vive, ses manuscrits souvent brouillons deviennent ailleurs de superbes dessins.

         Première anthologie de sés poèmes em français, ce livre propose une sélection d’une centaine de textes parmi les plus significatifs et les plus beaux et donne les clés de lecture indispensables pour mieux pénétrer dans son univers foisonnant et inventif.

Androula Michael


Poemas de Picasso


Quem sabe que Picasso foi igualmente um grande poeta?
Com 55 anos, ele resolveu escrever ”as centenas de poemas que dormiam” nele. Com força equivalente à sua atividade de pintor, como escritor fez mais de quatrocentos poemas e três peças de teatro, de 1935 a 1959.

         Pintor consagrado mas jovem poeta. Picasso utiliza-se das palavras com extrema liberdade, seu plano lingüístico equivale ao plástico e visual. D’escrita viva, seus manuscritos freqüentemente funcionam como rascunhos de seus espetaculares desenhos.

         Primeira antologia de seus poemas em francês, este livro traz uma seleção de uma centena de textos entre os mais significativos e belos, tornando-se chave de leitura indispensável para aqueles que querem penetrar em seu abundante universo criativo.

Nota do tradutor – O poema tradução, primeiro da série de poemas por mim traduzidos de Picasso, brinca com a de se “traduzir” poesia (entre aspas, porque na verdade há apenas a crença na possibilidade). Como dito acima, se um mesmo autor pretendesse escrever a mesma ideia em dois idiomas se utilizaria de termos, expressões e palavras completamente diferentes para passar aquela ideia pretendida (e talvez não conseguisse passar a mesma ideia).
Para tentar alcançar a ideia-núcleo dum poema, fazendo uma tradução o mais fiel possível, seria necessário, além do conhecimento extremo das duas línguas, um contato entre o poeta vivo e o tradutor (impossível, na maior parte das vezes, pela diferença de época temporal). Além dessa óbvia dificuldade, ainda haveria outra, a maior: a diferença lingüística e gramatical entre os idiomas.
Em resumo, traduzir poesia acaba sendo na verdade fazer poesia no idioma do tradutor (Ou, como diz Guilherme de Almeida, no clássico Poetas de França”: não existe tradução o que existe ´re-produção, isto é , nova produção).
Então, apesar de sabedor dessas dificuldades -- e, não obstante as dificuldades, minhas e dos idiomas, mas munido dum ótimo dicionário e muita vontade --, por estar deveras curioso sobre o modo de entender poesia do mestre Pablo Picasso, me arrisquei a “fazer” sua poesia. Os poemas originais não estão juntos das versões a princípio, porque entendi que atrapalhariam a percepção dos poemas em português, mas, junto com as minhas versões, podem ser encontrados no blog PeNsAmEnToS eM mOvImEnTo, para sugestões e aprimoramento da “tradução”.
Muito mais do que querer fazer uma tradução correta quis que os poemas do mestre soassem bonitos em português.
Agradeço a Angélica Plácido, Jorge Plácido e Miriam Estrella, que certamente me ajudaram a cometer menos erros nessa empreitada.

Marco Plácido.


1) 28 octobre 1935 (tradução)

si je pense dans une langue et j’écris “le chien court derrière le lièvre dans le bois” et je veux le traduire dans une autre je dois dire “la table en bois blanc enfonce ses pattes dans le sable et meurt presque de peu de se savoir si (sotte)”

se eu penso numa língua e escrevo “o cão corre atrás da lebre no bosque” e eu quero traduzir numa outra língua eu posso dizer “a mesa no bosque branco afunda seus pés na areia e quase morre de medo de saber-se ignorante”

2) 31 décembre 1930 (afinação)

l’éclair s’endort paresseux sous les grosses cloches sonant à toute vallée

os relâmpagos adormecem preguiçosos sob o som dos grandes sinos que afinam todo o vale



3) 2 juillet 1938 (gotas)

goutte à
goutte
vivace
meurt le
bleu pâle
entre les
griffes du
vert amande
à l’échelle
du rose






gota à gota
morre
perene
o azul
pálido
entre as garras do
verde amêndoa
e a fragrância do rosa



4) 17 mars 1937 (conchas)


le désir si à l’étroi dans sa prison fait éclater la coquille de la mer et allume les bareaux que l’enferment sonnant le tocsin au coquetier de velours


o desejo soa dentro da prisão o silêncio de lembranças de conchas do mar alumiando as grades que trancam suam nossas fantasias
                                                                                         


5) 17 octobre 1930 (caranguejo)

se déroulant à l’intérieur de la bulle de savon qui pète le gros crabe crevé sur la plage déserte

...caindo no interior duma bolha de sabão, perdido, sou mais um caranguejo morto numa praia deserta

6) 18 mai 1936 (ramo de flor)


l’arôme des fleurs de la branche arrachée au citronnier pétrifie sa forme dans le creux de la main appuyée à la tempe à la chaleur du mauve caché dans la joue et pointe son dard dans la narine gauche de la jeune fille au loin sur son rêve

o aroma do ramo de flor arranca do limoeiro petrificado sua forma na concavidade da mão apóia a têmpora no calor da bochecha da envergonhada menina e aponta seu ferrão para a narina esquerda dela: este seu sonho



7) 4 janvier 1936 (vespas)

les tableaux sont des folles
piqués au Coeur
des bulles rayonnantes
serrées par les yeux à la gorge
du coup de fouet carambolique
battant des ailes
autour du carré de son désir
os quadros são loucas
picadas no coração
bolhas irradiando
apertados par d’olhos na garganta
golpe de vespas presas
batendo asas
em torno do quadrado de seu desejo


8) 16 decémbre 1935 (solução)

rien que la couleur
l’abeille ronge son mors
rien que l’odeur
l’oiseau trait sa faucille
rien que de les voir se tordre sur l’oreiller
l’amour fond le metal du rail de l’hirondelle
rien qu’un cheveu



Só com a cor
A abelha faz música da angústia
Só com o odor
O pássaro desenha sua queda
Só para se ver se torce o pescoço
O amor desafina o canto da andorinha
Só um cabelo...

9) 8-9 novembre 1944 (colheitas)

sur les arbustes d’encre du berre frais des dentelles des éventails ouverts en comblées divinités éparses le cristal incandescent qui chante à tire-d’aile sur la cire d’abeile du rosier cueille à fines et souples cuillerées les aériens châteaux de cartes des parfumés orféons de plumes huilant la route les miraculeux festons d’arc-en-ciel des jarres pleines de lait buvant à grands cris le bleu azuréal sautant à pieds joints sur les tropiques du miroir pendu corps et biens à la fenêtre


sobre os arbustos de tinta de manteiga fresca leques de renda mostram satisfeitas divindades dispersas no cristal incandescente que canta na asa (sobre o mel) d’abelha na roseira colhendo fins colhendo aéreos castelos de cartas perfumados libretos orfeônicos de plumas untam a rota quais miraculosos moluscos de arco-íris jarros cheios de leite bebido gritam o azul irreal e saltam em pés juntos sobre os trópicos do espelho onde pendem corpos próprios à janela







10) Paris, 16 mai 1936 (aroma)

non plus frappe l’ârome de la saveur du jaune sur le son du vert charme soupirant au toucher du rose aux éclats de rire le regard du parfum évanoui du bleu du vide modéle la colombe liquide du chant évaporé de la lumière aveuglée par le cri de la chaleur mirant son corps dans l’air frais sonne le tocsin si doux de l’absence des heures arrachées du silence


nada abate o aroma do sabor do amarelo sobre o seu verde charme nervoso que toca a rosa todas as gargalhadas lembram o esmaecido azul da vida modelam a pomba líquido do canto evaporado da luz cega do grito quente que mira corpo adentro um ar fresco toca a fantasia doce ausência de horas arrancadas do silêncio



11) 24 avril 1936 (pintassilgo)

jambes en l’air l’arc-en-ciel au milieu de la nuit étoilée tordant son linge berceau aux yeux étonnés pur chardonneret du hamac clignotant des jeux ronde des clous enfoncés dans le feu à la gorge du prisme corde tênue par les bouts aux brûlures de la roue embourbée dans la mare mordant avec rage l’oeil du taureau expirant


pernas no ar arco-íris no meio da noite estrelada plumagem torcida por olhos admirados pelo passarinho cada piscada uma dança de roda pregos passeiam no  vértice do fogo do prisma corda tênue de pontas que cutucam o fim que queimam atolam na maré vibrante olho de touro exausto




12) 13 avril 1936 (folha de cereja)

minuscule barque faite avec des clous de girofle saupoudrée des roses et des verts pastels fixe brille et resplendit aromatisée et colore enchante et verse pavillon ailé dans sa coupe son écharpe la petite feuille de la fleur du cerisier tombée par terre sous l’arbre tous linges retroussés fessée par les souris aux gouttes de la pluie


minúsculo barco feito de cravos-da-índia pouvilha rosas e verdes pastéis brilho fixo resplandecente aroma colorido encantado verso pavilhão alado na taça protege a pequena folha da flor da cereja tombada na terra sob a árvore todas as roupas arregaçadas à tapas por sorrisos gotas de chuva


13) Juan-les-pins le 26 mars 1936 (cebola)

l’effilé séjour du prix secret de la douleur mijote sur le feu doux du souvenir ou l’oignon joue la vedette si la main se détache de sés lignes ayant lu et relu le passé mais au coup de cravache reçu en plein dans ses yeux
esguia estadia preço secreto da dor cozinha sobre fogo doce onde a cebola vedete é cortada lida e relida passada e sofre o golpe de chicote que ressoa plenamente dentro de seus olhos


14) 14 janvier 1940 (caramelo)

la longue file de silences glisse la pointe de son couteau entre les plis du ciel peint en faux bois qui suinte les lèvres de la fenêtre sucent le caramel

a língua, filha de silêncios, desliza a ponta, faca, entre um céu amassado, pintado em madeira velha, que escorrendo lábios devassos na janela chupa o caramelo

15) mardi 5 novembre 1940 (bruxa)

au bûcher en feu où
grillait nue la sorcière
je me suis amusé
du bout des lèvres
de cette après-midi
d’arracher doucement
avec mes ongles
la peau à toutes
les flammes
à une heure cinq
du matin et plus tard
maintenant trois heures
moins dix mes doigts sentaient
encore le pain chaud le miel
et les jasmines


na fogueira onde
torra nua a bruxa
eu me assusto
no fundo de lábios
de entardecer
arranco docemente
com minhas unhas
a pele de todas as
chamas
uma hora e cinco
da manhã e mais tarde
já três horas
meses dez dedos sentem
ainda o pão
o mel
e o jasmim





16) Paris 25 février 1940 (eco)

la nuit arrachée si brutalement du ciel évaporant
déchiré par tant d’épingles la pâleur de ses linges
retrouvés goutte à goutte exsangues baigne as carapace
dans l’écho de la pierre lancée dans le puits


a noite afasta-se brutalmente do céu
deixa portanto um rastro raio pálido
tecido puxado encontrado gota a gota
exangue banho na carapaça
dentro do eco da pedra lançada no poço



17) 14 décembre 1935 (botões de ameixa)

sur le dos de l’immense tranche
de melon ardent
arbre morceau de fleuve
table à rire
sous la menace de l’aile de voir
expirer entre ses dents
distraite de son ennui
un brin d’herbe
les deux petits boutons de prunus
tombés si bas
s’embrassent depuis deux ou trois jours
énervés par les pleurs
de la petite fille


sobre as costas da imensa fatia
de melão ardente
árvore pedaço de rio
mesa de risadas
sob a ameaça da asa que
abraça pelo prazer de voar
expira entre dentes
distraída aborrecida
folha
dois botões de ameixa
tombados se abraçam
depois de dois ou três dias
choram saudosos
a neta







18) 30 décembre 1935 (fonte)

la nuit
dans la fontaine

le rêve tord son bec
au coup donné
contre l’air

arraché
aux boyaux
de la colouer

cachée
dans la guitare

sa joie
enivrée
par le chant
de la couleur
tirant
les fils
qui soutiennent
le plateau
de la scène

dèverse
l’eau
du luster
le long de l’escalier
que
la main noire
parapluie

à l’oreille bleue
résonne

la buile de savon
qui s’échappe

et emporte prisionnière
l’aube naissante


a noite
na fonte

o sonho torcido bico
o golpe dado
contra o ar

arranca
as tripas
da cor
(grito)
escondido
na guitarra

alegria
embriagada
pelo canto
da cor

escapa
o fi(lh)o
que sustenta
o prato
da cena

deságua
água
lustra
a longa escada
que
a mão negra
guarda (-chuva)

orelha azul
ressoa

a bolha de sabão
que escapa

descontrolada
prisioneira
da nascente
madrugada



19) 22 mars 1936 (respiração)

miette de pain posée si gentiment par ses doights sur le bord du ciel autant bleu soupirant que le coquillage enchaîne jouer de flûte battant des ailes à chaque goutte fleuril au printemps à l’accroc que fait dans sa robe la fenêtre qui se gonfle et remplit la pièce et l’emporte flottant au vent ses longs cheveux


migalha de pão pousa gentilmente pelos seus dedos sobre a borda do céu tanto quanto suspira o azul mariscos aprisionados tocam flauta batendo asas a cada gota de orvalho florida na primavera fenda que dança no vestido janela que inspira cabelos que expiram o vento






20) Paris le 31 mars 1952 (cobre(a))

Pour Beloyannis


la luer de l’huile des lanternes éclairant la nuit dans le Madrid du soir de mai les nobles faces du peuple fusillé par l’étrange rapace dans le tableau de Goya est le même grain d’horreur semé à pleine poignée de projecteurs sur la poitrine ouverte de la Grèce par des gouvernements suant la peur et la haine. Une immense colombe blanche saupoudre la colère son deuil sur la terre

Para Beloyannis

o clarão de lanternas a óleo ilumina a noite de maio de Madrid nobres faces do povo fuzilam o estrangeiro rapaz sentado à mesa de Goya ele mesmo grão do horror semeando à murros plenos projetos sobre o pulmão aberto da Grécia para que os governantes suem perda e raiva. Uma imensa pomba branca cobre(a) a cólera de seu luto sobre a terra


21) 18 juillet 1951 Vallauris (chaga)

organdi myosotis arbre en folie palme arrachée au masque du bleu incommensurable glacê par le soleil détaché de sa course les doigts tendus de l’aurore recevant en plein sur sa poitrine l’averse d’etoiles mordorant de toutes ses dents les chants enamourés des grenouilles en deux feux de Bengale le grouillement d’arômes le drapeaux et dentelles cloués aux pans de l’étoffe amarante de ses regards l’herbe sèche broutant l’acorde du gibet attendant à genoux l’épée rapide égorgeant la plaie laisée entrouverte


árvore de organdi palmeira em festa arranca a máscara do azul de brilho incomensurável que ajuda o sol a desligar-se do curso de seus dedos armadilhas d’aurora acolhem plenas sobre a poltrona pancadas d´’água d’estrelas que escurecem todos os seus dentes todas as canções enamoradas falecida dupla de rãs de Bengala formigavam aromas bandeiras e rendas amarradas em lenços de ressentimentos erva seca que pinta a corda da forca que espera o joelho espada rápida que decapita a chaga calada e entreaberta


22) 1er mars 1940 (O banquete)


Le repas
le drap se leve du lit et immédiatement ses roues en riant à gorge deployée déchirent en lambeaux la peau du bouquet planté jusqu’à la garde sur le chant traînant ses savates sous les pieds de la table attachée au crystal du vase par des chaînes et la voix que repete le miroir mis à nu par les soins du bleu tendu à lui faire pousser des hurlements sur la bouche édentée de la fenêtre lui fait un salut très cérémonieux et bien étrange 1e plat on apporte les larmes en tas de sable et on les fait craquer entre les dents par des hommes et des femmes choisis parmi les plus beaux


o lençol se ergue da cama imediatamente estende-se lacerante flutua gira em gargalhadas a pele do buquê planta sobre a guarda o canto arrasta seus chinelos sob os pés da mesa e ataca o cristal do vaso aprisionado e a voz, que repete o espelho pondo o som do azul nu, mirando-o na janela, força o grito na boca desdentada ele faz um brinde cerimonioso e estranho primeiro prato produz lágrimas na ampulheta, tártaro, entre os dentes, dos homens e mulheres escolhidos entre os mais belos


23) 9 juin 1938 (pernas)

la rose chante de toute as voix sur les morceaux de pain grillé étendu sur le beurre du bleu effaçant étendu jambes écartées l’ombre portée coupant en deux la chanson rongeant le bout du doigt du coquelicot accroché à la poutre et défait le noeud coulant serrant la gorge de la lettre reçue à toute volée

a rosa canta com toda força sobre o pedaço de pão grelhado estendido sobre a manteiga do azul apagado estendidas pernas desviam a sombra cortam ao meio a canção afligem a ponta dos dedos da dormideira próxima à viga e desfazem o nó que fecha a garganta da letra que aceita o curso do voo


24) 15 décembre 1935 (cardume)

la lame du couteau brûle la plaie que le soupir de cette après-midi tricoteuse écharpe de ses gouttes – l’odeur de la souris prise au piège – beurre fondu de l’hortoge – que la mer – fil à plomb attaché au soleil – pendue au cou de la journée – la terre – réveille la tentation couleur de tourterelle et déchire en mille morceaux le bout de l’éventail – S.O.S. de l’ombre posée au milieu de la table par le pauvre malheureux petit palmier – offert comme prime à Pâques par l’aimable fleuriste – mais si le moindre silence un peu plus chaque jour s’accroche déchiré au voile que l’heure traîne – coud ces lèvres avec un cheveu blond attaché à l’aiguille de son oeil


a lâmina da faca queima a chaga que suspira depois do meio-dia, echarpe de suor – odor dum sorriso preso na armadilha – horas derretidas – no mar – redes de pesca aprisionam o sol – sufocando a jornada – a terra – revela a tentação marrom e dilacera em mil pedaços  a esperança – desespero do homem suprido pela infeliz palmeira – oferecida como presente de Páscoa pela amável florista – mas se o relógio silencia um pouco mais a cada dia – se aproxima a queda que as horas trazem – esfriam lábios com cabelos loiros que desafiam seu olhar

25) 15 juin 1936 (morte)

rit l’ail de sa couleur d’étoile feuille morte
rit de son air moqueur à la rose le poignard que sa coleur
enfonce
l’ail de l’étoile em feuille morte
rit de son air matin au poignard des roses l’odeur de l’étoile
tombante
en feuille morte
l’ail de l’aile
ri do azedo de sua cor estrela ferida de morte
ri de seu ar zomba a rosa do punhal que sua cor
abate
azedo d’estrela ferida de morte
ri de seu ar maligno de assassino de rosas odor de estrela
caída
folha morta
cinzas de asa


26) 10 avril 1936 (saltos)

seul soleil rage de dents doublé la mise et peint dorade sur la plume du regard fixe le point de chute et délaie ses ongles à la danse


solitário sol range os dentes que dobram o traje e pinta de dourado a pluma o olhar fixo na queda d’água prepara os ombros para a dança


27) 24 décembre 1942 (perfumes e músicas)

sur l’oeuf pondu en fin de compte l’adresse figurée par la pluie levée si tôt grince aux blancs azuréals régals de ses plaintes le fumet du couchant lunaire de ses bouquets éteints em fille indienne – la necessite faite cible et ordre de départ et rose à rose les marches grimpantes délicieusemente parées de parfums et de musiques

sobre o ovo pende a direção endereço figurado sob a chuva suspensa todos os dentes rangem brancos para os acepipes azulados de suas queixas filmam o anoitecer da poesia abafada em fila indiana – a necessidade faz mira e ordena a partida e julga todas as coisas e nua desce silenciosamente mordiscando rosa a rosa, deliciosamente, parando perfumes e músicas

28) 16-30 mai 1943 (sol abatido)

entremise à chaque goutte de sang éclaboussé en gerbes irisées et en silencieuses glacês en feux et festivités remises développées en musique et chants enroulés en champs et soies distillés parcimonieusement minutieuses descriptions à chaque page à chaque ligne à chaque soleil écrasé...

entre cada gota de sangue salpicam germes irisados em silenciosos espelhos de fogo festejam memórias acalentadas em música e cantos enrolados em campos e sedas destilam parcimoniosos minuciosas descrições a cada página a cada linha a cada sorriso abatido









29) 4 novembre 1935 (I) (II) (maré)

(I)

j’ai vu sortir
ce soir
du concert
de la salle Gaveau
la dernière
personne
et puis je suis allé un peu plus loin dans la même rue au
bureau de tabac chercher des allumettes


(II)

miroir dans ton cadre de liège – jeté sur les vagues au milieu de la mer – tu ne vois pas que l’éclair – le ciel – et les nuages – ta bouche ouverte est prête – à avaler le soleil – mais que l’oiseau passe – et vive un seul moment dans ton regard – le voilà perdant ses yeux – tombes dans l’eau – aveugle – et quels rires alors – à ce moment précis – ne feront elles les vagues

(I)

eu tinha visto sair
a noite
no concerto
na sala Gaveau
a última
pessoa
e depois fui um pouco mais longe na mesma rua comprar fósforos na casa de fumo

(II)

espelho na moldura – jogam ondas no meio do mar – você não me vê que sorriso – o céu – e as nuvens – tu boca aberta é linda – apaga o sol – mesmo que o pássaro passe – e viva um solitário momento de recordação – lá estão seus olhos perdido(s) – cego(s) – e aqueles risos então – na hora agá – não fizeram maré

30) 20 novembre 1935 (I) (II) (MT)

(I)

quelle rage vous salue si correctement à cheval sur as haine sinon la fleur qui brûle as langueur étendue sur l abarque qui glisse par ces veines et soudainement ouvre la fenêtre de as joue et jette pour s’amuser dans la rue dês graines aux parfums.


(II)

Fleur plus douce que le miel MT* tu es mon feu de joie
  • MT designe Marie-Thérèse Walter


(I)

aquela paixão com a qual você acena corretamente ao cavalo sobre sua raiva salva a flor que brilha a languidez estendida na barca que desliza por suas veias e que de repente abre a janela da face e joga na rua para assustar sementes perfumadas

(II)

Flor mais doce que o mel MT você é minha fogueira




31) 9 décembre 1935 (imagem asa)

l’aile ronde du plus petit aumône la couleur se contente
la main qui ronge ne jouons pas alors
la fleur qui crie je ne veux pas je ne veux pas
l’odeur desesperante ne vuolez pas si vous
sa raison s’épouillant mais pas longtemps flotte
la lumière elle a sa cachette au soleil deux mètres de plus avec
dépasse d’une tête le bord de la fenêtre est faux archifaux
il mais si le courage lui manque la couleur se contente
il est faux archifaux alors dépasse d’une tête
avec deux mètres de plus si vous lumière elle
flotte mais pas longtemps flotte sa raison s’épouillant
si vous ne voulez pas avec l’odeur desesperante je ne veux pas il la fleur qui crie alors ne jouons pas mais si le courage la main qui ronge
la couleur se contente du plus petit aumône dépasse d’une tête l’aile ronde

a asa voa ao redor da esmola a cor se contenta (com)
a mão que rumina que não brinca (com)
a flor que grita: eu não quero eu não quero
o odor desesperado não quero: somente o seu
sua razão se apequena por muito tempo bóia
a luz se esconde do sol (a) mais de dois metros
duma sombra na borda da janela é falso falsíssimo
ainda mais quando a coragem zomba dele a cor se contenta (com)
sua falsidade ultrapassada por uma sombra
com mais de dois metros você é a luz
bóia por muito tempo bóia sua apequenada razão
se você não (me) quer com odor desesperado eu não quero a flor que grita
então não brinque mas se a coragem da mão que rumina
a cor se contenta com a esmola imagem elevada asa que rumina






32) 28 décembre 1935 (tarde sangrenta)


à cheval sur cette après-midi qui s’en va traînant sés tripés et sont foie sur le lac de myosotis ouvert à toute volée soutenant dans mes bras ces deux ailes brisées au tambourin des cris je me promène quand soudaiment la cigarette s’enroule comme une folle à mon doigt et me mord jusques au sang

a cavalo sobre a tarde que segue arrastando tripas e fígado sobre o lago de miosótis aberta a todos os desejos sustentando nos braços duas asas e o ritmo de meus gritos divago quando de repente o cigarro se enrola como um louco no meu dedo e me morde até sangrar

33) 9 avril 1936 (corolário)

(I)

c’est le ton vert amande mer à boire rire giroflée coquille fêve vitre nègre silence ardoise corollaire nèfle pitre

(II)

c’est à mer rire coquille à boire giroflée ton amande nègre fève vitre silence ardoise le vert pitre corollaire

(III)

vitre nègre silence mer ardoise ver fève à rire c’est le giroflée coquille pitre ton corollaire

(IV)

nègre fève silence vert coquille ardoise ton amande mer giroflée le vitre corollaire c’est à rire

(V)

corollaire c’est ton rire coquille mer giroflée ardoise le vert nègre silence vitre amande


(I)

tom verde amêndoa mar a beber riso cravo-da-índia concha fava viva negro silêncio ardósia corolário nêspera graciosa

(II)

mar riso concha a beber cravo-da-índia tua amêndoa negra fava viva silêncio ardósia verde gracioso corolário




(III)

vivo negro silêncio mar ardósia verde fava a rir cravo-da-índia concha gracioso teu corolário

(IV)

negra fava silêncio verde concha ardósia tom amêndoa mar cravo-da-índia vivo corolário a rir

(V)

corolário teu riso concha mar cravo-da-índia ardósia verde negro silêncio viva amêndoa


34) 20 mai 1936 (touro e aranha)

ah si l’oiseau fait des guirlandes des heures endormies dans le ventre de l’araignée de bronze pouvai faire as friture d’étoiles au fond de l’air de la mer des chiffres aux coups en colère des boucs vêtus de plumes et chanter sur le fil télégraphique rose de loeil de l’oeuf bleu de l’ácharpe attachée au clou ardent planté exactement au milieu du front entre les cornes de la tête du toro quel silence

ah se o pássaro trouxesse guirlandas das horas adormecidas no ventre (d)a aranha de bronze podia fazer sua fritura de estrelas no fundo do ar do mar chifres em corpos em cólera bodes vestidos em plumas cantando sobre o fio do telégrafo rosa de olho de ovo azul encharpe atacando o prego ardente plantado
exatamente a milhas de frente entre os cornos da cabeça do toro silente

35) (septembre) 1936 (ballet de moscas)

si l’attendrissant souvenir du verre brisé dans son oeil ne sonne l’heure à la cloche qui parfume le bleu si las d’aimer de la robe soupirante qui l’enveloppe le soleil qui pourrait d’un moment à l’autre éclater dans as main rentre sés griffes et s’endort à l’ombre qui dessine la mante religieuse grignotant une hostie mais si la courbe qu’agite la chanson pendue au bout de l’hameçon s’enroule et morda u coeur le couteau qui la charme et la colore et lê bouquet d’étoiles de mer crie as détresse dans la coupe le coup de langue de son regard éveille la ratatouille tragique du ballet dês mouches dans le rideau de flammes qui bout sur le bord de la fenêtre

se o comovente presente do copo quebra seu olhar não soa a hora do relógio que perfuma o azul se do amor de seu suspirante robe que envolve o sol pode a qualquer momento estourar na sua mão religiosa roedora de hóstia se da curva que agita a canção pende a ponta do anzol enrolado e mordido coração a navalha encanta e colore e faz florescer o mar grita sua tristeza dentro do corte do soco da língua de seu olhar vivo guisado trágico ballet de moscas cortina de chamas que apontam o fim da janela




36) 11 octobre 1936 (zangão)

I
☼ portant nouée à son cou en écharpe une baignoire remplie d’eau bouillante ☼ portent nouée à son cou en écharpe une armoire à glacê remplie de linge sale ☼ portant nouée à son cou en écharpe la table de la salle à mnger servie pour le déjeuner la napple en flammes


II

dame de chevet colombe remplie d’eau claire au plumage liquide éclairée par une image brûlant l’huile des ruches


I

☼ portanto cadela em seu pescoço uma encharpe uma banheira cheia d’água ardente ☼ portanto cadela em seu pescoço uma encharpe um armário com gelo cheio de roupa suja ☼ portanto cadela em seu pescoço uma encharpe a mesa de jantar serve para o café-da-manhã guardanapos em chamas


II

dama da cama pomba cheia d’água clara na plumagem translúcida húmida por uma imagem brilhante óleo de colmeia




37) 12 novembre 1936 (I) (II) (sanguessugas)

(I)

l’une anonyme à l’autre bat son plein la fête à plat de côte


(II)

les pensées suceuses de formes dans les formes suceuses de pensées force sans muscles


bouche remplie du sang des formes sucées aux pensées


(I)

dum anônimo ao outro rabo cheio na festa da praia da costa




(II)

os pensamentos sugam as formas e as formas sugam os pensamentos força sem músculos boca repleta de sangue das formas sucessivas do pensar

38) Mougins Vaste Horizon le 12 septembre 1937 (enxame de palavras)

au bout de la jetée promenade
derrière le casino le monsieur
si correctement habillé si gentiment
déculotté mageant son
cornet de frites d’étrons
crache gracieusement
les noyaux des
olives à la gueule
de la mer
enfinant ses
prières à la corde
du drapeau qui grille
au bout du gros mot
qui illumine la scène
la musique cache son
museau dans l’arène
et décloue
son effroi
du cadre de guêpes
jambs écartées
l’éventail fond
as cire sur
l’ancre

na ponta do quebra-mar lugar
último do cassino do senhor
corretamente vestido gentilmente
sem calças comendo seu
tinteiro de fritas cagadas
escarro gracioso
caroços de
azeitonas na garganta
do mar
enfileirando suas
orações na corda
da bandeira que grelha
a ponta da espessa palavra
que ilumina a cena
música que oculta seu
museu na arena
e desprega
seu pavor
de enxame de vespas
pernas solitárias
leque esconde
sua cera sobre
a âncora
39) 1er mars 1938 (cobalto marinho)

rai noir du soleil tapant à la porte dessinant sur as main tendue l’oeillet du troupeau des plis de l’ombre tendue au contact du bruit de l’éventail cachê dans le linon du pot de miel de la poudre de sucre brûlant sur lê bout du bleu céleste le lait d’amandes douces du vol de pigeons essuyant le miroir pris dans l’étau du clavier des couteaux vibrants plantés sur le dos du soleil qui suinte dans la persienne fermée la crasse céruléenne du cobalt marin

rede negra do sol tapando a porta desenhando sobre a mão estendida cravo do tanto de vincos na sombra curvada no contato com o barulho de leque dissimulado no linho do pote de mel do medo de açúcar brilhando sobre a ponta do azul celeste de leite de amêndoas doces do voo de pombos mostrando-se no espelho atacado no torno do chaveiro de navalhas vibrantes planta-se sobre o dorso do céu que destila na persiana fechada a imundície cerúlea do cobalto marinho


40) 9 mars 1938 (taça laranja)

I

dodeline miroir jaspe corneille
jupon acanthi dilemma citadelle
groin mamelle opossum

II

jambe nue de la glace étendue
sur les flames du vos venu du soleil couché à
plat ventre sur la joue

III

peinte au bord de l’abîme de la grimace de la démangeaison
petite fleur dês champs rose et mauve tachée de noir
dans un verre à l’échelle de certitude de la douceur
de caramel dês doigts de la roue

IV

recouvrant la jaune citron du sang
coulant du camion rempli d’oiseaux
sous le drap bleu du tas d’oranges


I

balança espelho jaspe gralha
anágua acanto dilema cidadela
cara mama oposição



II

perna nua de graça eterna
sobre as chamas vindas do sol que se põe
no prato ventre sobre o sexo

III

pinta na borda do abismo o esgar da comichão
pequena flor do campo rosa e malva esforço da noite
num copo a escala da certeza da doçura
do caramelo em dedos de suplício

IV

recoberto o amarelo limão do sangue
contado no caminho repleto de pássaros
sob o lenço azul na taça laranja

41) 25 juin 1938 (cobra)

cordon de lunes éventail d’huile d’hirondelles attachant sa sandale dans l’imperceptible odeur de pastèque l’aqua viva de ses cheveux mélangés allume l alie du souffle de la main qui agite lês ailes de la flûte

cordão das luas leque d’óleo das andorinhas ataca sua sandália imperceptível odor de melancia água viva em seu cabelo combina acende a linha sopro na mão que agita as asas da flauta


42) 20 janvier 1940 (navalha)

glisse le long du couteau depuis la pointe jusqu’au manche le caramel des lèvres de la fenêtre ouverte sur les plis du ciel peint en faux bois la longue file de silences

introduzida a navalha depois a ponta até a manga mancha a cor dos lábios na janela aberta sobre as dobras do céu pinta em madeira falsa a longa fila de silêncios


43) 20 mai 1940 (buquê de cílios)

chant des coqs midi des agitations désordonées du ciel pétrifié se changeant sous les bras déployés du nid de vipères rideaux tires le gibet du bouquet ailes citron du soufre des fleurs des íris et dês pavots à l’odeur orange des aisselles exalte sa chevelure


canta o galo no meio da agitação desordenada do céu petrificado que se altera sob o braço estendido no ninho de víboras cortina extraída da forca do buquê de cílios limão sofrimento das flores juvenis e das dormideiras o odor laranja das axilas exaltam o crescimento

44) 7 juin 1940 (espirais)

la beauté qui s’évapore de ses mains dépose sa rosée dans le tout-à-l’égout des fleurs grimpantes jouant des coudes sous le tapis vert des tilleuls – les acres émanations de la toile lilas  qui brûle à la fenêtre mord à l’épaule du soir qui s’agite entre les barbelés – du chapeau citron les flammes suivent à la course la tresse qui se consume em spirale


a beleza que se evapora de mãos apoiadas em pétalas de rosa que gotejam trepadeiras abraçam o tapete verde de tílias – àsperas emanações na tela lilás que consomem a janela mordem o ombro da noite que se agita entre o arame farpado – no chapéu limão as chamas acompanham a dança da corda
que se consome em espirais



45) mardi 24 novembro 1941 (asa)

goutte d’eau accrochée au rempart de flammes du bouquet de fleurs qui s’agite au bout des doigts des lèvres brûlantes du bruit des roseaux grattent la nuit les cris et les malédictions et les éclats de rire des rubans de couleurs emmêlés exaltant la puanteur des crabes pourrissant sur la plage de l’aile qui se leve du corps abandonné au gré des flots


gota d’água na muralha de chamas buquê de flores que se agita na ponta dos dedos lábios irados mas pálidos sussurram roubam da noite gritos e maldições e gargalhadas das condecorações coloridas que confundem exaltam malcheirosos caranguejos apodrecendo na praia asa que se ergue dos corpos abandonados ao bel-prazer das ondas

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