ABSTRATO
Na habitação há um quadro de
dois metros de comprimento. Não está bem pintado. Talvez tenha sido feito à
pressa (alguém tinhá de partir, ou chegar, ou o pintor era simplesmente
medíocre). Não sei como se chama esse verde, abstracto que com um pouco de
branco (também abstracto) que vem da janela (do quadro) faz da pintura uma
possível “reflexão sobre o verde”. Ou o branco.
Pode-se refletir sobre o
branco? Estou sentado do lado de cá, pensando, não inteiramente no quadro,
porque tenho uma parte da cabeça posta no quadro e outra (outras) num lugar ou
em vários ao mesmo tempo. Num dos lugares espera-me uma mulher.
Olha-me com a sua pobreza de
verde-ouro nos olhos (a pele pálida, a da minha esposa, como a tua pele).
Diz-me: “Porque não regressas? Eu ensino-te o caminho.”
Tantos anos e não encontrei o
caminho! Verde abstracto e barnco abstracto, o pintor deixou escorrer um pouco
a tinta, ou raspou, raspou depois para que os móveis – uma máquina de lavar
roupa, uma estante para utensílios de cozinha, um bocadinho da substância que
escorria, como leite – abstracta – da janela.
Eu continuo a pensar, mas
agora os meus olhos estão postos noutra coisa.
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