PÁTRIA DO IDIOMA
O Inverno não tinha terminado
mas nas árvores ecoava o
coração de uma fogueira,
o rumor dos rebentos que
incham a velha pele
e partem uma a uma as pontas
mais finas dos ramos.
Com as suas asas, com o seu
breve pousar,
com o seu bico e as suas
garras minúsculas,
os pássaros enchiam o ar da
cor e dos fragmentos
daquele fogo primaveril
que voltava a fazer os seus
primeiros anúncios.
Do mesmo modo, tínhamos o
ânimo de uns estudantes
estrangeiros
que tivessem chegado ao país
um pouco antes da data
acordada.
Sobre a mesa
os citrinos mostravam um
lustro incandescente
que naquela manhã não nos
parecia artificial.
Convidávamos
e houve até um momento de
refutação pouco solene,
alvoroçada,
quando alguém advertiu –
tinha-lho dito a sua mãe –
que comer tangerinas em
excesso
era a causa de uma doença
chamada escorbuto.
O Inverno voltou, açulou,
o rumor dos rebentos
apagou-se contra o vento,
os pássaros apareciam a
desoras.
Só os frutos, com seus
lustrosos brilhos
conseguiam reter aquela
promessa da Primavera.
Primavera.
Tangerinas.
Escorbuto.
De que galho secreto, torcido
e nodoso, pendiam as
palavras?
E para onde pendiam com o seu
erro ou a sua verdade?
Recordei com vergonha tão
fácil refutação
e a sua mãe que há anos
estava morta...
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