oração III
A
Angélica, Vinícius, Victor e Thiago
Alguns
amigos não perguntaram, mas, acredito, gostariam de perguntar:
Por
que poesia?
Nunca
respondi, agora tentarei:
Porque
a poesia é uma forma inteligente de ferir sem machucar
Acredito
que todos precisemos de, de vez em quando, jogar um balde d’água na cara dos
outros E tento nos poemas inventar o balde a água e a força nas mãos para
jogá-la e acertá-la
Num
mundo tão infectado pela noção de obter vantagem seja de que maneira for
Acho
que a narrativa do crescimento da semente em flor já passa a ser um ato
revolucionário (prova de que podemos nos revolucionar)
Mínimo,
concordo, mas algum ato é melhor do que nenhum ou ficar invejando aqueles
sujeitos que aparecem em programas de milionários que muitas vezes até são
milionários, mas suam tanto o vazio de sua existência que funcionam mais como
algo mal digerido que acaba ajudando a provocar a vontade de vomitar (e entre
provocar e ser provocado prefiro a primeira...)
A
poesia acaba sendo uma pequena muda de um mudo (não porque não fale, mas porque
não querem escutá-lo) que escuta os barulhos do mundo e planta esperança num
balde sujo num canto de varanda
E
aquela semente acaba sendo a única esperança de proporcionar sombra algum
dia...
Acaba
sendo a única possibilidade agressiva de cantar num canto o espanto
Gritar
como um punk que descobre que na manhã seguinte terá que enfrentar sua primeira
fábrica e que se não estudar terminará seus dias rezando baixinho ao capeta por
raiva daquele mundo que quis explodir e não teve coragem
A
poesia muitas vezes equivale aos socos do MMA que quebram a mão do corajoso ou
louco que sai testando sua aptidão desconhecendo que no fundo todos estão
torcendo contra porque sua vitória seria na verdade um nocaute no paradigma de
Platão e ninguém quer admitir que num pequeno poema há a possibilidade de
tamanho colosso
Também
como um osso para o cachorro a poesia é essencial para o poeta que não pode
abrir mão da vida em sociedade porque já está arraigado às suas vantagens (ora
aos poetas também cabem algumas vantagens!) e dessa pequena narrativa diária
amenizar a insatisfação pessoal com o rumo que as coisas continuarão a seguir
já que todos fingimos não ver escutar sentir
A
verdade registrada como um vício num poema é que ajunta o poeta a si e afasta
os leitores que se assustavam se assustam e se assustarão não com a diminuta
quantidade de palavras mas com a intensidade das orações muitas vezes
adivinhadas pois o poeta intuí mais do que sabe (faz orações mas muitas vezes
não reza por não poder acreditar em outro poder criador maior do que o seu...)
Poderia
continuar apresentando tantas razões poéticas quantas fossem possíveis rimar
Porém
pretendo apenas afirmar que
A
poesia é o cheiro do encontro do sujeito com seu sonho, sendo ela talvez mais
do que qualquer outra nova metáfora apenas a vontade em palavras do poeta precisar
sonhar...
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