Pode parecer estranho, mas o título acima é para ter ponto de exclamação e de interrogação ao mesmo tempo. Foi com essa frase que Tomie Ohtake, me deu uma grande lição: a de que críticos, curadores e intérpretes podem ter seu mérito, mas o que está em jogo é sempre o mérito da obra em si mesma.
Durante muito tempo frequentei a casa dela, para nada especificamente, apenas para jogar conversa fora -- esse hábito maravilhoso que a gente está perdendo. E lembro que passeávamos pela sua casa, e ela me mostrava cada obra nova que estava fazendo. Aí eu inventava de perorar, interpretar, fazer conjecturas sobre o trabalho, a pincelada, a cor, independentemente do que eu falasse, ao final ela sempre dizia: "Bonito, né?!".
A frase, repetida como um mantra, era, de fato, uma exclamação para ela mesma, uma interrogação para o outro. Independentemente da crítica que se interpusesse, o que ela estava tentando fazer sempre era provocar um ato de beleza. Acrescentar, ao mundo, em sua banalidade, algo que comovesse o outro, o próprio muindo, a existência. Os postulados acadêmicos, as mil interpretações, as presunções sobre a origem nipônica, as inúmeras tentativas de se compreender sua obra com meras palavras, nada disso importava, mas, sim, o quão comovidos ou tocados poderíamos nos fazer aflorar diante de sua obra, aquela conclusão bruta, que era ela: "Bonito, né?!".
Conheci Tomie pelos olhos do crítico de Veja Casimiro Xavier de Mendonça. Ele me levou a um almoço em casa dela. A casa abrigava outra virtude tocante que se plasma em sua obra: a honestidade. Tomie é aquilo que se vê na tela pintada: a síntese, o suficiente, o mínimo para desfrutar da vida em seu esplendor. Tudo aquilo que ela plasmava por palavras enxutas, por superposições de panos sobre o corpo esguio, por garfos e colheres afilados e também esguios, esteve sempre ali ao lado, em sua casa-atelier, cobrindo de cor as superfícies das pinturas. Tomie era um ser íntegro -- do qual nosso tempo anda tão falto e sequioso -- que interpretava, na obra, a própria vida. Do mesmo modo, roupas, talheres e pinturas, sua paleta de cores, tudo respeitava seu código, seguia sua própria linguagem. Por isso, sua pintura era absolutamente honesta: não era uma metáfora da vida, mas a sua própria vida.
À época de Darcy Ribeiro como secretário de Cultura, estive envolvido no episódio da "Estrela-do-mar", escultura multicolorida que Tomie preparou para o Rio de Janeiro. Darcy, com sua fúria imperial, decidiu que"queria porque queria" que a estrela ocupasse o espeho d'água da Lagoa, que é tombado. Considero a Lagoa um patrimônio intocável, mas que seria eu para ir contra Darcy? A obra foi inaugurada no dia mais diluviano do Rio. No governo seguinte, a obra foi retirada para reparos e...sumiu. Fica a sugestão para que a obra, que tem evidente valor, seja retomada em qualquer outra ambiência da cidade -- que não aquele espelho d'água...
Outro dia fui a uma exposição que trazia o mar de defronte para dentro da sala. Não era Tomie, mas outra artista. Fiquei envolvido em brumas, céu azul, mergulho. Depois, li uma interpretação crítica segundo certos cânones acadêmicos, e aquela sensação de vento, maresia, cheiro de mar que estava aderida à minha memória quase se dissolveu. Preferia que, em vez de tantas linhas, pudesse ter sido só escrito: "Bonito, né?!", lançando a cada leitor a sugestão de que ele se indague do seu porquê de estar neste mundo (grifei). Tomie esteve neste mundo para dar a ele o sentido que se deve dar à vida. O sentido da beleza.
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