quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

MIGUEL GULLANDER,em Perdido de volta (3)

"...A irresistível tentação de sentir. Eu não aguento o tanto querer tocar-te. O teu corpo negro, esguio -- e eu sopro, entre silvos, os meus dedos estendidos para a tua pele de moreia. E a morte está contida em cada gesto meu. Eu espero por um sinal, eu aguardo pela confirmação da tua força por detrás do meu gesto -- o mudra do meu apocalipse, da minha escatologia -- aguardo pelas últimas palavras que para mim escreveste.
Quem escreve os meus actos? Quem escreve a minha morte?
Vês a raiva? Quem a sente?
Esta suástica imóvel, congelada, morta -- a roda da vida invertida, a vida ao avesso, do cara-atrás, que andamos a viver -- todo este mal, quem sente por detrás disto? -- e esta raiva de estar preso, perdido, num labirinto de cristal, impecavelmente invisível -- eu empurro esta parede de vidro -- eu dou um murro neste gelo. E o meu pulso fica preso à rocha -- que amputaria a minha mão à dentada, se para isso as mandíbulas ainda tivessem força. Espreito para o outro lado e vejo-me a mim mesmo reflectido. Por todo o lado. A minha fome cristalizada sob a forma das paredes da prisão que criei para mim mesmo -- esta rocha que é uma sereia gélida, subaquática, um penedo em vez dum coração -- e um coração em vez de nada...".

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