quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

MIGUEL GULLANDER,em Perdido de volta (2)

"...E se pudéssemos estoirávamos -- cindíamos a noite como glaciares de gelo luminoso --- arrebentávamos com todos os vidros das janelas e fazíamos as chaminés e antenas voarem como foguetes -- que por toda a cidade ecoassem silvos de estática e solos de baterias frenéticas como batuques africanos, esses canhões de voodoo -- a música para chavais loucos e sedentos de paz, amor, charros e pontapés-na-boca e -- porque antes queríamos viver como quem tem hora marcada com a morte: agora! -- preferíamos morrer de pé do que viver de joelhos - e arfávamos as palavras com o empenho e paixão daqueles a quem a última oportunidade de fala foi dada -- digam ou calem para sempre -- e dizíamos, e sorvíamos tudo com ãnsias de afogados e asmáticos, aspirando todos os pequenos detalhes banais como estrangeiros a este mundo sem nada a perder -- somente tudo a experimentar e viver --, como derradeiros instantes de cadafalso em que já nada é assim tão importante mas tudo é lindo, lindo, lindo como esta saudade que nos rasga...".

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