segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Jean Genet sobre arte

Não compreendo bem o que em arte se chama inovador. Uma obra deveria ser compreendida pelas gerações futuras? Mas por quê? E o que isso significaria? Que elas poderiam utilizá-la? Para quê? Não entendo. mas entendo bem melhor -- ainda que muito obscuramente -- que toda obra de arte que queira alcançar as mais grandiosas proporções deve, com um paciência e uma aplicação infinitas desde os momentos de sua elaboração, descer aos milênios, juntar-se, se possível, à noite imemorial povoada de mortos que irão se reconhecer nessa obra.

Não, não, a obra de arte não se destina às novas gerações. Ela é ofertada ao inumerável povo dos mortos. Que a aceitam. Ou a recusam. Mas esses mortos de que falo nunca foram vivos. Ou então os esqueci. Foram vivos o bastante para que os esqueçamos, já que sua vida tinha por função fazê-los transpor essa tranquila margem de onde aguardam um sinal -- vindo daqui -- e o reconhecem.

"..para os mortos", foi também para que essa multidão inumerável veja enfim o que não pôde ver em vida, quando se sustentava sobre seus próprios ossos. É preciso, portanto, uma arte -- não fluida, ao contrário, bastante dura -- dotada do estranho poder de penetrar esse domínio da morte, de exsudar talvez pelas paredes porosas do reino das sombras. A injustiça -- e nossa dor -- seria demasiado grande se apenas uma delas fosse privada do conhecimento de apenas um de nós, e nossa vitória bastante pobre se nos trouxesse apenas uma glória futura. Ao povo dos mortos, a obra de Giacometti comunica o conhecimento da solidão de cada ser e de cada coisa, e essa solidão é nossa glória mais certa.

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