segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Max Bense sobre Bruno Giorgi

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Creio oportuno citar, aqui, algumas frases da Estética de Hegel que me parecem significativas, a propósito das esculturas de Bruno Giorgi. E quem poderia melhor receber Bruno Giorgi em Stuttgart do que Hegel, filho desta cidade. Diz o filósofo: "A beleza só pode residir na forma, uma vez que só ela é a aparência externa..." Com essa frase, Hegel não somente chama a atenção para a condição essencial de toda escultura -- a composição de elementos de caráter geométrico ou orgânico, visando à forma ( o que , aliás, estas figuras tornam especialmente claro) -- como também nos dá a célula mater de uma estética, que se aproxima da estética moderna.

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No Brasil não é o acadêmico que é popular, mas sim a arte moderna, e o próprio Bruno Giorgi costuma frisar, astutamente, que, no seu país, a arte moderna é a arte oficial, a arte estatal. Mas Giorgi não é radical. Ser moderno significa para ele usar das liberdades materiais e construtivas do artista, de modo figurativo, concreto ou abstrato; assim, Giorgi pode ser considerado, de certo modod, como um mediador entre a arte moderna e a clássica.

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Assim, como a arquitetura tem como ponto de partida espiritual a ideia abstrata da casa, assim também a escultura parte da ideia abstrata da figura humana. E na medida em que ambos, arquitetura e escultura, têm a possibilidade de adquirirem caráter urbano ou humano, as altas figuras criados por Bruno Giorgi em Brasília, parecem refletir a ideia urbana da grande praça, enquanto que o que se pode ver nesta casa, destruindo radicalmente a ideia burguesa dos bibêlos sobre a cômoda, demonstram o quanto são compatíveis as ideias de massa e habitabilidade, de humanidade e sociabilidade.

Esse, minhas senhoras e meus senhores, talvez seja o motivo que nos levou a exibir neste saguão as esculturas de Bruno Giorgi -- artista dum país no qual é tão intensa, generosa e social, quanto singular, solitária e perdida em vastos espaços -- saguão onde as esferas urbana e humana aparecem estreitamente ligadas uma à outra, em ambiente movimentado, turístico, vivo e, em todos os sentidos, isento de ranço do museu.

Eu vi as plásticas de Bruno Giorgi em seu ateliê no Rio, em Brasília numa galeria e em outros lugares, mas confesso que o que mais me impressionou foram as sombras das figuras.Essas sombras nas paredes, nos pisos, nas vitrines, me pareciam não somente as projeções materiais como também espirituais, pois deixavam ver claramente que as mensagens artísticas foram demonstradas em um sistema de planos e retas e que podem ser interpretadas tanto abstratas como concretas, tanto figurativas como não-figurativas.

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Iniciando com o reconhecimento das sombras e terminando com o toque dos materiais, vejo então que para a plástica de Bruno Giorgi é o plano e não o corpo o ponto de saída da reflexão, o elemento da criação: modelagem dos planos e trabalho de sobre-planos; fundamento de eventuais volumes, essências de variações fixadas. Uma mão criativa tem seu próprio plano, o plano aberto de sua mão, intermediado tacitamente em uma substância formal e esta a reflete em pedra ou bronze e eu através da inteligência característica brasileira, como nos lindos quadros de Volpi e repetidos nos textos concretos dos seus poetas. Não uma manifestação de espírito que não possuísse a assinatura de sua extensão, de seu prolongamento. Muitas vezes esses esqueletos de Giorgi me fazem lembrar os polígonos esfarrapados ou as hastes tortas das figuras magras de Giacometti: figuras andantes de Giacometti, figuras paradas de Giorgi: demonstram as possibilidades humanas decididas no seu plano, as duas esperanças no espaço diante da solidão, como falou Pascal. Vejo a figura andante e perdida em Paris e a esperada e ereta em Brasília.

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