sábado, 23 de junho de 2012

Eliseo Diego, COMO A UM DEUS

Escreve: Um homem, lá no seu quarto, na fundura do claro pa-
lácio de chuva, não é como um deus a quem obedecem obscura-
mente, mesmo sem se dar conta, todas as criaturas? A árvore o
escuta desde de sua intempérie, e na consciência úmida dos grilos está
como o sonho.

Quando o chamam para comer e sua família se reúne ao redor da
mesa, através da luz solene, e começam a voar palavras, algumas
com voo curto, que caem inaudíveis, e outras de voo tão ágil;
ou quando acende a lâmpada no portal e se envolve na luz diante
da noite: então não -- então passa como se ignorasse tudo.

Porém lá, na profundidade da chuva, obscuramente sabe que ele
dispõe a festa das folhas mais distantes; obscuramente os seus dedos
movem os cordões das nuvens noturnas; e obscuramente ele é esque-
cido, como a um deus -- como a um deus que compassivamente se
distrai e contempla o sentido de suas mãos, lá nas profundezas da
memória.

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