sexta-feira, 7 de março de 2014

Guimarães Rosa, livro Grande Sertão: Veredas -- Riobaldo e Diadorim

(...) De um acêso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por ponto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre. (...)


(...) Tinha tornado a pôr a mão na minha mão, no começo de falar, e que depois tirou; e se espaçou de mim. mas nunca eu senti que ele estivesse melhor e perto, pelo quanto da voz, duma voz mesmo repassada. Coração -- isto é, estes pormenores todos. Foi assim um esclaro. O amor, já de si, é algum arrependimento. Abracei Diadorim, como as asas de todo os pássaros. 9...)


(...) Que vontade era de pôr meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele, ocultando, para não ter de tolerar de ver assim o chamado, até que ponto esses olhos, sempre havendo, aquela beleza verde, me adoecido, tão impossível. (...)

(...) Noite essa, astúcia que tive uma sonhice: Diadorim passando por debaixo de um arco-íris. Ah, se pudesse mesmo gostar dele -- os gostares... (...)


(...) Diadorim e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se diferenciava dos outros -- porque jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si. De nós dois juntos, ninguém nada falava. Tinham a boa prudência. Dissesse um, caçoasse, digo -- podia morrer. Se acostumavam de ver a gente parmente. Que nem mais maldavam. E estávamos conversando, perto do rego -- bicame de velha fazenda, onde o agrião dá flor. Desse lusfús, ia escurecendo. Diadorim acendeu um foguinho, eu fui buscar sabugos. Mariposas passavam muitas, por entre as nossas caras, e besouros graúdos esbarravam. Puxava uma brisbisa. (...)


(...) Diadorim me pôs o rastro dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza. Sei como sei. Som como os sapos sorumbavam. Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria boca ; mas era um delém que me tirava para ele -- o irremediável extenso da vida. (...)


(...) E veja: eu vinha tanto tempo me relutando, contra o querer gostar de Diadorim mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar; e, agora aquela hora, eu não apurava vergonha de se me entender um ciúme amargoso. (...)


(...) As vontades de minha pessoa estavam entregues a Diadorim. (...)


(...) E ele me deu a mão. Daquela mão, eu recebia certezas. Dos olhos. Os olhos que ele punha em mim, tão externos, quase tristes de grandeza. Deu alma em cara. Adivinhei o que nós dois queríamos -- logo eu disse: -- "Diadorim... Diadorim!" -- com uma força de afeição. Ele sério sorriu. E eu gostava dele, gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele carecesse de minha proteção, toda a vida: eu terçando, garantindo, punindo por ele. Ao mais os olhos me pertubavam; mas sendo que não me enfraqueciam. Diadorim. (...)


(...) Meu corpo gostava de Diadorim. Estendi a mão, para suas formas; mas, quando ia, bobamente, ele me olhou -- os olhos dele não me deixaram. Diadorim, sério, testalto. Tive um gelo. Só os olhos negavam. (...)


(...) Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tin ha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a ideia da gente não dá para se entender -- e acho que é por isso que a gente morre. (...)


(...)

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