terça-feira, 1 de julho de 2014

Ferreira Gullar, P.M.S.L.,




P.M.S.L.,


Impossível é não sonhar
estas manhãs sem teto
e as valsas
que banalizam a morte.


Tudo que fácil se
dá quer negar-nos. Teme
o ludibrio das corolas.
Na orquídea busca a orquídea
que não é apenas fátuo
cintilar das pétalas: busca a móvel
orquídea: ela caminha em si, é
contínuo negar-se no seu fogo, seu
arder é deslizar.


Vê o céu. Mais
que azul, ele é nosso
sucessivo morrer. Ácido
céu.


Tudo se retrai, e a teu amor
oferta um disfarce de si. Tudo
odeia se dar. Conheces a água?
ou apenas o som do que ela
finge?


Não te aconselho o amor. O amor
é fácil e triste. Não se ama
no amor, senão
o seu próximo findar.
Eis o que somos: o nosso
tédio de ser.


Despreza o mar acessível
que nas praias se entrega, e
o das galeras de susto; despreza o mar
que amas, e só assim terás
o exato inviolável
mar autêntico!


O girassol
vê com assombro
que só a sua precariedade
floresce. Mas esse
assombro é que é ele, em verdade.


Saber-se
fonte única de si
alucina.


           Sublime, pois, seria
suicidar-nos:
trairmos a nossa morte
para num sol que jamais somos
nos consumir-mos.


Ferreira Gullar     

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