terça-feira, 1 de julho de 2014

Ferreira Gullar, MUITAS VOZES




MUITAS VOZES

Meu poema
é um tumulto:
   a fala
que nele fala
outras vozes
arrasta em alarido.

(estamos todos nós
cheios de vozes
que o mais das vezes
mal cabem em nossa voz

se dizes pêra,
acende-se um clarão
um rastilho
de tardes e açúcares
       ou
se azul disseres,
pode ser que se agite
       o Egeu
em tuas glândulas)

A água que ouviste
   num soneto de Rilke
os ínfimos
rumores do capim
      o sabor
      do hortelã
(essa alegria
A boca fria
       da moça
      o maruim
na poça
a hemorragia
      da manhã

       tudo isso em ti
se deposita
       e cala.
Até que de repente
Um susto
             Ou uma ventania
(que o poema dispara)
                                  Chama
Esses fósseis à fala.

Meu poema
é um tumulto, um alarido:
basta apurar o ouvido

Ferreira Gullar

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