quarta-feira, 27 de março de 2013

Antonio Bandeira, conceito de arte

Primeiro me deram de presente as nuvens, depois uma sunga de veludo vermelho, e aí começou a nascer uma liberdade imensa.

Infância gitou em torno de árvore, era um sólido falmboyant vermelho, preto e amarelo que um dia se tornaria quadro, ou melhor, em sequência deles, em pintura, talvez.

Nesse momento, nuvens, mar e árvore já formavam um crepúsculo plástico, um nascimento ou uma morte, uma natividade.

A feia humanidade viria depois, e aureolada com os feitos da vida -- sofrimento e glória -- nem era tão feia assim. Houve até uma compaixão pictórica, tudo se metamorfoseava em belo. A escolha dos temas enchia o coração do homem e a superfície de tela.

Com o correr dos tempos essa humanidade foi se dando a mão, formando ciranda, como uma linha, uma geometria, um desenho, até se tornar um quadro, digo pintura, porque um quadro é o antecedente do quadro presente, continuando no quadro o que vem depois. Uma visão do passado, presente e futuro, cadinho de emoções. E falando em cadinho me vem logo à mente a fundição de meu pai, cadinho de raças, carinho de ferro e bronze, carinho também de carne e alma.

Falando ainda em cadinho creio que fundindo homens e bichos, cidades, trens, navios, árvores e lixos, remexendo bem como no disco de Newton, se poderá conseguir uma confusão ou receita psicoplástico-poética que não é bada e é tudo. Diante dessa emoção o homem não deve rir nem chorar, apenas ficar calado. Assim como a chuva, nuvens e balão, da guerra não, do céu caindo, saobre as flores, pela escada, pelo chão, uma mulher parindo.

Depois vem a grande cidade (estamos nela sempre), mas guardamos e conservamos sempre uma certa paisagem longínqua. Infância, objetos, música, perfumes, seres passados acontecidos ou vividos, ficam eternamente conosco, como conteúdo vivo, como pureza. A imensa cidade do dia e da noite, entre atormentada e tranquila, próxima e distante -- para sofrimento e pedaços de felicidade nossa -- essa mesma cidade, que, às vezes, de tão grande que é, vira uma pequena província.

O campanário de Saint-Germain-des-Prés recordando às vezes um outro, o da igreja de São benedito, em Fortaleza, onde íamos jogar bola de pano, aproveitando a sombra mansa do oitão do templo ( enem sabíamos que estávamos num Templo...só hoje). La Tonnelle, o Bistrot dos Clochards, com plantas verdinhas parecendo a latada de maracujá do quintal de casa. Era verão, havia pombas no chão. Paris era lindo, mais que lindo: era cruel e humano.

Agora vem o vazio, à noite, o minuto da criação, a função da inspiração e transpiração dosada de poesia, o equilíbrio físico e moral. A superfície virgem deve dialogar com o homem.

Devemos purificar, sofrer, rasgar, acarinhar, transformar a matéria vegetal. àgua ou óleo ou terebentina ou espátula ou pincel amolece, açoita, martiriza a superfície em criação. É quase roupa branca se amoldando à manufaturação do homem. O enxugamento, o quarador, a cor, o sol, o cérebro, a mão, e enfim o sentimento de uma mensagem transmitida.

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