terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Retrospectiva de Junho de 2011 --João Ricardo Moderno sobre o poeta Carlos Nejar

JOÃO RICARDO MODERNO, filósofo Sobre poesia acrescenta o filósofo, aproveitando homenagem a Carlos Nejar, poeta: " O poeta descobre criando, e cria descobrindo. O filósofo cria descobrindo, e descobre criando. O primeiro chega à razão pela via da imaginação criadora, o segundo, à imaginação criadora pela via da razão. Se não há identidade absoluta entre filosofia e poesia, há identidade relativa. Se todo poeta é de algum modo filósofo, ainda que nem todo filósofo seja poeta, poucos poetas são plenamente filósofos. É o caso de Carlos Nejar. Esta a casa dos filósofos, dos pensadores, não importa a via pela qual a filosofia se manifesta. Filosofia é a manifestação do espírito e, no caso de Carlos Nejar, do espírito e do coração. Sem espírito não há filosofia. Por mais que um filósofo profissional conheça conceitos filosóficos, isso não é o bastante. Não bastasse o espírito, Carlos Nejar acrescentou coração, muito coração.

Parafraseando Kant, diria que a poesia é um conhecimento sem conhecimento determinado. A poesia de Carlos Nejar é o melhor antídoto contra o tédio da poesia do conhecimento (poesia de ideias, não de ideias racionais). A obra poética de Carlos Nejar gera conhecimento, não sendo de conhecimento. É poesia erudita sem erudição. Sem o tédio dos inteligentes, dos cultos, mas, como diria Clarice Lispector a propósito dela e de Carlos Nejar, com a força dos "burros", como ela mesma filosoficamente definia. Cria cultura, mas não é de cultura. Vico, na Nova Ciência, afirmou que "a fantasia é tanto mais robusta quanto mais débil é o raciocínio". Não existe arte de raciocínio. O artista ao criar uma obra de arte deve fenomelógicamente e intencionalmente debilitar o discurso raciocinante e, simultaneamente, tornar a razão uma faculdade a serviço da fabulação criadora. A serviço da loucura artística, antídoto das loucuraspatológicas e sociais.

Mas, o próprio Carlos Nejar discute as relações entre poesia e filosofia: "Toda grande poesia é de pensamento. Não um pensamento lógico, que a faria despencar no discurso retórico e fechado. Um pensamento de prodígios, reunindo real e sonho. O poeta só é pensador na medida em que é poeta". Mais uma vez parafraseando Kant, para quem a arte é uma finalidade sem fim determinado, diríamos que a arte é pensamento sem pensamento determinado, pois a arte é domínio da indeterminação e do desconhecido. Poesia é a descoberta da verdade sem busca da verdade. A arte alcança a verdade e a sua verdade pela imaginação criadora desvinculada da intencionalidade da determinação. No mesmo sentido, Valéry observa que "filosofar em versos foi e ainda é querer jogar xadrez segundo as regras do jogo de damas". Schiller belamente em versos filosóficos assim se expressou:"Quando o véu mágico da poesiaflutuava ainda cheio de graça em tornao da verdade,Então através da criação espalhava-se a plenitude da vida.

Miguel Reale em seus textos estéticos afirmou que "o ato poético é sempre um ato de rebeldia, de não-conformidade com o que é predeterminado. Daí o emprego das palavras não em seu mero significado verbal, mas como formas de revelação de algo que se confunde com as raízes ocultas da verdade". Miguel Reale demonstra que a autonomia estética da poesia cria os seus próprios recursos de acesso à verdade, como verdade poética ou estética.Diz Nejar, "...a poesia ajuda a viver, porque vive. Não é passiva a sua situação. Ao se relacionar, é que se impõe". Vive-se melhor, então, com poesia do que sem ela. Levar vida a sério é levar a sério a poesia e os poetas, ou então de fato não se sabe o que é seriedade.

Lembra Carlos Nejar que "foi Picasso quem afirmou que "leva muito tempo a tornarmo-nos jovens". Pois a arte inverte os ciclos. Inicia com a velhice, ou as normas. Avança com a juventude e as rupturas. Atinge a infância. Isto é, a plenitude". E de infância a poesia entende, já que na infância do mundo o que havia era a poesia, criação da linguagem. Vico assim se manifesta sobre a infância cultural da humanidade: "Os primeiros autores entre os orientais, egípcios, gregos e latinos e na barbárie regressada, os primeiros escritores nas novas línguas da Europa foram poetas". Vico defendia a tese de que a língua primordial da humanidade era a poesia, os humanos estabeleceram a comunicação verbal necessariamente pela vertente poética, algo como "no princípio humano era a poesia". A poesia faz nascer e morrer, para fazer viver na eternidade, como nos versos filosóficos de Schiller: "O que está destinado a viver no canto do poeta/ estácondenado a desaparecer na vida desta terra.".

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