sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Fernando Pessoa, ANDAIME

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah! quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão,
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A esperança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola criança
Sobe mais que a minha esperança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dia, anos, breves
Passam -- verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente dexei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só as lembranças, mas as mortas esperanças --
Mortas, porque hão de maorrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim --
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu deva ser -- muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o olvido do mar!
Ao que não serei legai-me
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.

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