domingo, 1 de junho de 2014

Cesário Verde, NEVROSES




NEVROSES

A Coelho de Carvalho


Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
E agrado a pouca gente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
         E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
         E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para as sopas...

O obstáculo ou depura ou torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
         Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
         Vale um desdém solene.

Com raras exceções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite, e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
         Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei composições nenhumas,
Senão, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
         Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador, aqui, desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.      

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe emudece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Nem pão no armário, ó Deus! Chama por ela a cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Ouço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a reclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que vida! Coitadinha!

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