domingo, 19 de agosto de 2012

Adonis, Celebração da infância

Lembro a loucura
apoiando-se, pela primeira vez, no travesseiro do juízo:
                                                    eu falando com meu corpo.


Meu corpo era um pensamento
que eu escrevia em vermelho:
o vermelho era o mais belo assento do sol
e todas as outras cores rezavam
em cima de um tapete vermelho.


A noite era outro lampião.


Em cada galho havia um braço:
carta carregada pelo espaço
confirmada pelo corpo do vento.


O sol insistia, nesses tempos
se vestia de bruma
em nossos encontros:
era reprimenda da luz?


Ah meus dias idos...
caminhavam sonâmbulos
e eu apoiado em seus ombros.


O amor e o sonho são aprênteses
onde interponho o meu corpo
e nisso conheço o mundo.


Muitas vezes
vi o vento voar com pés de erva
vi o caminho dançar com pés de vento.


Meus desejos são rosas
manchadas por meus dias.


Cedo me feri
cedo soube
que as feridas me criaram.


Não paro de andar atrás da criança
que não para de andar dentro de mim.
Agora ela para no topo de uma escada de luz
à procura de um canto para descansar
e de novo ler o rosto da noite.


Se a lua fosse uma casa
meus pés recusavam cruzar sua soleira:
eu seria tomado pela poeira
que me traz o vento das estações.


Caminho
ponho uma mão no ar
e a outra nas tranças que imagino.


A estrela é também uma pedrinha
no campo astral.


Só quem se misturou com o horizonte
pode abrir um caminho.


A lua, uma velha...
seu assento é a noite, seu cajado é a luz.


O que direi àquele meu corpo
que deixei entre as ruínas da casa onde nasci?
Não. Só poderão contar minha infância
as estrelas que cintilam em cima daquela casa
e pontilham com seus passos as direções da noite.


Minha infância ainda
nasce entre as mãos de uma luz
cujo nome desconheço e me dá nome.


Aquele rio.
Fazia dele um espelho
para perguntar-lhe sobre suas tristezas,
das tristezas fazia chuva
para imitar as nuvens.


Pequena aldeia tua infância
e apesar disto
não ultrapassarás suas fronteiras
por mais que te afaste a viagem.


Seus dias são lagos
suas lembranças corpos flutuantes.


Tu que caíste das alturas
nas montanhas do passado
como poderás subi-las
de novo?


Tempo:
tento não consigo abri-la
Meu encantamento está cansado
meus amuletos, dormentes.


Nasci numa aldeia
pequena, reclusa, como o útero
e ainda não saí dela.
Meu amor vai pelo oceano
não pelas praias.

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