sexta-feira, 31 de agosto de 2012

punk opinion

...são os artistas
que são egocêntricos?
Como?!
vocês preferem
fingir
que gostam disso ou daquilo
que adoram o emprego
a droga a sogra a esmola
que a vida lhes dá
não sabem a quem perguntar
nem querem tentar
se contentam com tão pouco
e ainda acham que podem achar?

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Jorge Debravo, JÁ VI HOMENS

Já vi homens saindo da pedra
Como de profundo e suarento parto.

Vi homens tombados de angústia
E tirando as ilhas dos seus braços.

Vi homens queimar sua escravidão
E ressurgir transparentes como taças.

Vi homens beber a liberdade
E seguir arrastando um coração escravo.

Vi homens olhar as multidões
com as pupilas ternas como feridas,

e homens contemplando um degolado
com os olhos alheios como pedras.

E vi homens fugindo da batalha
como se fugissem da sua própria vida.

Alfonso Chase, ENTRE O LOBO E A NOITE

É mais importante estar
a favor da saúde
do que contra a enfermidade. É mais nobre
amar a paz que manifestar-se
contra a guerra. A tempo,
a glória do cristal e o riso
são mais formosos do que a morte.
O mundo está caindo, não com a força
da bigorna, mas com a verdade da água
minando a pertinácia da pedra.
O dinheiro apodrece com a primeira chuva.
O que compra e esconde rouba a essência do trigo
e a verdade fúlgida do sal. O olho
da agulha é mais radical
que a boca insone do canhão.
Não tenho muito a explicar. A língua
devora o ferrolho do cárcere. A andorinha
rompe o eco e o coração é uma árvore
descascando-se entre as mãos. O homem
é apenas um animal golpeado pela história.
                    E sobrevive.

Luis Chaves, RINGSIDE

Foi a melhor peleja de Ali
ou de Cassius Clay, como ele o chamava,
negando-se a aceitar
o recém-adquirido nome mulçumano.

Esse negro levantava as luvas
e convertia o quadrilátero
numa pista de baile.
Anos depois compreendi
que esse foi o meu encontro casual com a poesia.

Entre o quinto e o sexto round
papai baixou a guarda pela primeira e última vez,
sem deixar de olhar para a tv disse:
eu não ia me casar com sua mãe
embora você já tivesse nascido,
estava enamorado de outra.

No álbum familiar
tenho um velho pôster de Ali
no momento mesmo em que noucateava a Foreman
no Zaire.
É a minha foto predileta de mamãe.

María Monteiro, ACELERAÇÃO DOS CORPOS

Durante o caminho, ela pensa que não chegará
a tempo.
A distância e a solidão de sua pressa são mais do que
uma antecipação. Ao chegar, não escuta senão
o murmúrio do sangue e o desejo, por isso não tarda
em avançar pelo amplo corredor.

Logo está sentada, desnuda da cintura para baixo.
Tudo está limpo, morno e em penumbra.
É o inverno; minha mãe se congela no amplo corredor
e eu me converto no desejo que nunca chega a tempo.

carinhos

Aos pais Tatiane e João Rafael

luz
choro
vozes
mãos
mãe
voz
pai
carinho
leite
água
papinha
fraldas
aperto
quentura
xixi
cólicas
cocô
velas
vozes
avós
travesseiros
rosas
cores
sopro
calor
pavor
escola
chupeta
sapinho
mãe
pai
tios
carinhos...

meninos


ilusões plenas

( o homem morre e com ele suas ilusões
então porque não vivê-las plenas
para depois não se arrepender?)

pedras de Drummond

vários poemas tentaram me ajudar a desaguar diante da ausência mais sentida porque de quem me colocou aqui nesse lugar o mundo é tão diverso é tão complexo que um dia resolvi me contar sobre tudo aquilo que tinha me tocado que tinha me chamado a mim para quem sou e isso foi tão forte quanto as perdas pedras de Drummond

ceu

já percebeu?!
estou escrevendo cada vez mais eu
meu
teu
seu
céu

(isso, isso, meu sorriso está cada vez mais meu
e eu rindo de tudo isso vivo seguindo)

Naima

Naima
não há calma
num blues
dilacerado
feito com a alma
na palma da mão
de um tocador
desesperado
abismado
com a saudade
sangrenta
que sente e
experimenta
por não mais
enxergar
vivalma
como a sua
que o queira
de qualquer maneira

jardim interior

mágoa de olhos
luz
caminho
de cores
num jardim
que cultivamos
nosso
dentro
vosso
sendo
tudo
o mundo
inteiro
interior

solução

em olhos instantâneos o som não se depura não se apuram os conceitos a direção da vida
religiosidade todos acabamos tendo por ser mais fácil conviver com a ideia de alguém superior
a madre
o padre
Ele
todos resolveríam tudo se tudo tivesse solução
prefiro acreditar na força da fé de uma missão própria sem pássaros, carneiros ou cordeiros
solução própria
solução solidão

instantâneo

dizem que os livros respondem tudo
que contam sobre o mundo
sobre tudo
aquilo que desconhecemos
dizem que os livros nos mostram
o amarelo do oceano
o azul do fundo de um olhar opaco
o vermelhos de dentes que nunca sorriram
o branco de um instantâneo
sem rimas

um azul

um azul um pássaro azul voou voou levando uma ideia um ideal levou voou apenas voou e se foi se foi longe longe atingiu algo que só existiu em mim

recording

pés
presentes
mãos
passadas
recordações
futuras

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

bexigas

somos ensinados o tempo todo a prestar atenção no outro
esquecendo de quem somos
utilizamos a tecnologia para achar, falar, pensar, criticar o outro
e depois não sabemos
porque não temos fôlego
para nos enchermos de graça?

desesperados

o riso antes frouxo roxo agora esquecido entre rosas mortas a perda é pedra da saudade sal que arde em olhos
desesperados de passados

algodões

daquilo que fui nasceu um ninho de escritos algodões brancos povoaram uma barba que não existia testemunha fria da insegurança de começar a falar por rimas a pintar o cinza que nos massacra que nos identifica como sendo aqueles que escolhemos esconder sentimentos

pássaro

hoje foi que me dei conta de que ser poeta é se esforçar para lembrar do futuro, esquecendo do presente por vivê-lo na plenitude do ato criativo que nutre o passado

pássaro

nuvens

quando me dei conta já era poeta e desse desafio alguns fios evoluíram do ninho para o céu do branco das nuvens para as dores que sofreram de insignificância

azuldia

vendo o cinza da vida real o poeta tem a ousadia de pintar o cinza com o azul de rimas

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

espécies

preso num plástico vendo o oceano sou uma sombra sobra de peixe um engano e o som do mar é melodia sou o som de guelras enganadas pelo azul rotina de água dessalgada desalmada por que sem outras espécies de mentiras

muletas

ninguém quer saber
ninguém tem de saber
se o poeta pede esmola
se anda com as próprias pernas ou de muletas
ao poeta cabe nos encantar ou assustar
com as verdades óbvias
que cismamos de não enxergar

meu presente

o único tempo que existe é este:
o presente
o único tempo em que me pertenço
e sento para
conversar amar falar
sobre coisas que desconheço
sobre como é tenso esperar
uma espera que já passou e levou notícia
uma espera que agora sei não ser mais minha rotina

Albert Ostermaier, mississípi

um poema inicia no saguão
de um hotel e termina com um
cílio sobre um para-lama ele
gira sobre um banco de bar
para baixo da pele de jacará dos
pântanos segue os afluentes
do rio copo adentro até que ele
vire sobre a borda do balcão um
joelho com gosto de gim
um poema sobe como as
bolhas de ar da boca de álguem
se afogando e se deixa
socar numa bolsa com
as nuvens que ainda estão
passando é como a paciência
da água ao anoitecer a dose
de lemon que falta um poema
inicia sob os dedos do
pianista e termina com um
mosquito

Heiner Muller, Poema antigo

À noite ao atravessar o lago a nado o instante
Que te contesta Não há mais outro
Enfim a verdade Que não passas de uma citação
De um livro que não escreveste
Podes insistir nas batidas frenéticas em tua
Fita que já desbota O texto transpassa

Isabeella Beumer, bebo relógios com rosas

bebo relógios com a rosa
ou sem folhas esmaece
                           o teu botão
onde no jogo das língas
se abrem dobras de debrum.

          numa fuga macia
incha vibração
o que se vira sobre a umidade
                  de um facho veraneado
um folegar recíproco para


                   nele dissolver-se...

Paul Celan, Elogio da distância

Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores dos mares errantes.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre sua promessa.

Aqui lanço,
um coração que habitava entre os homens,
minhas vestes e o brilho dum voto:

mais preto no preto, estou mais nu.
Apenas na renegação me torno fiel.
Eu sou tu quando sou eu.

Na fonte dos teus olhos
estou à deriva e sonho com rapto.

Um fio fisgou um fio:
separados num enlace.

Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula a corda.

Hans Magnus Enzensberger, Middle Class Blues

Nós não temos nada a reclamar.
Nós temos o que fazer.
Nós estamos servidos.
Nós estamos comendo.

A grama cresce,
A curva do PIB,
A unha,
As épocas passadas.

As ruas estão vazias.
As planilhas de balanço perfeitas.
As sirenes se calam.
Aquilo passa.

As pessoas falecidas fizeram seu testamento.
A chuva diminuiu.
A guerra ainda não está declarada.
Aquilo não tem pressa.

Nós comemos a grama.
Nós comemos o PIB.

Nós comemos as unhas.
Nós comemos as épocas passadas.


Nós não temos nada a ocultar.
Nós não temos nada a perder.
Nós não temos nada a dizer.
Nós temos.

A corda do relógio está ajustada.
As condições estão bem definidas.
A louça está lavada.
A última condução está passando.

Ela está vazia.

Nós não temos nada a reclamar.

Nós estamos esperando o que afinal?

calle

não
não sei mais onde posso colocar todas as dúvidas na correria do dia a dia não encontro o encontro pessoas fogem para as suas solidões desejam prazeres solitários a que chamam emoções desinfetam-se em lares bares pilares sem sustentação sexo na calle choro no cárcere de olhos cinzas

purgatório

olhando mãos que desejam mentiras olhos que não pedem explicações já não sei se devo começar a costurar palavras cada oração pode provocar mágoas que depois não saberei explicar (nem terei para quem explicar...)

temp(l)os

simplesmente já não sei mais a quem rezar
crucificaram o único homem de que tinha boa notícia os outros são os que querem vender os templos os ventos o tempo

uma noite em Paris

...acabou-se...
o que era doce
foram beijos em lábios estrangeiros
esperançosos
ranço de jovens que se perderam
ao luar
para nunca
nunca mais
se avistar

viúva

inevitavelmente a vida é um fio de ilusão solidão de palavras não ditas cacho de uva de uma viúva iludida com sua significância entre as mais belas a palavra esperança

entre os dedos

de um monte de areia um castelo foi feito e de palavras sem conceito um livro formou ilusão um cabelo entre os dedos
solidão

sólidão

um pai é um aprendizado
uma mãe uma certeza
a menina tem um signo uma cruz como nascença um menino é um rio que corre
solto um pássaro um potro um monte de coisas desarrumadas
e solidão

signo

para onde correm aqueles pequenos caminhos que rio que vejo que finjo que sorrio que menino que lindo que minto que signo

rugas signos

as marcas do tempo
se fizeram presente
no meu rosto
rugas
rios
caminhos
que rimos
e choramos
e significaram
tudo
e significaram o amor

sábado, 25 de agosto de 2012

Beijando seu sorriso

Numa tarde de frio, inverno de desafios,
Fico imaginando um sorriso
E pegando no ar um cheiro de mar
Que quero acreditar
Fico parado
Beijando seu sorriso
Beijando um rico improviso
De um poema que não pode superar
A saudade
Que me consome


Séu

Havia no ar
Um presentimento
(pressentimento de um presente melhor)
Presente
Único momento em que existo
Em que insisto
Em não ser nada
Em não pensar em nada
Que não seja eu
Em nada que não seja
Céu



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Heiner Muller, Imagens

Imagens são tudo no inicio. São sustentáveis. Espaçosas.
Mas os sonhos se solidificam, viram forma e desilusão.
Já o céu não consegue suster nenhuma imagem. A nuvem, do
Avião
Acabou: vapor que tolhe a vista. O grou, só mais uma ave.
O próprio comunismo, a imagem final, continuamente polida
Pois é lavada com sangue, sempre e sempre, pelo cotidiano
É pago, em miúdas moedas, sem brilho, cegas de tanto suor
Escombros os grandes poemas, qual corpos, por muito tempo amados e
Fora de uso agora, no caminho da sempre carente
Finita espécie
Nas entrelinhas, lamurias


Sobre ossos, o carregador da pedra, feliz

Pois o belo significa o possível fim dos horrores

Rudolf Otto Wiemer, poeta alemão, quantificadores indefinidos

todos sabiam
muitos sabiam
diversos sabiam
vários sabiam
alguns sabiam
poucos sabiam
ninguém sabia

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

(NATUREZA)


escorre terra dos meus dedos

(NATUREZA)

dos meus olhos desabam cachoeiras

(NATUREZA)

nos meus ouvidos canta eco de um grito

saudade de águia

(NATUREZA)

dos meus joelhos pingam verdes pastagens

(NATUREZA)



o que quero salvar de mim mesmo?

salsifufu

lembro de você correndo para nascer
lembro como se fosse ontem
e foi e é e serás
sempre
o pimentinha
pulava, corria e sorria
fala, canta e implica
rica mistura de gens
quem não quer um filho assim?

(juízo, moleque
salsifufu de malandragem)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Novo set list para o show do dia 31/08 no bar Santa Lapa

1 – Ainda lembro/Na Estrada (com Renata Rubim)

2 – O Alvo;

3 – Don’t Stop Dancing;

4 -- Sim;

5 – Constelação;

6 – Contra;

7 – Complexa Vazão;

8 – Sweet Sina;

9 – Desafios;

10 – Pedra;

11 -- Brigas;

12 – Crazy;

13 -- Jaques som;

14 – Little Wing;

15 – À Cecília;


16 -- Cegos;
17 – Inútil;

18 – Papai me Empresta o carro;

19 – Malandragem (com Renata Rubim);

20 – Minha Alma.





mentol

se soubéssemos escutar com a emoção e não com os ouvidos
daríamos razão
àqueles que vivem de ilusão

aos que arranham os dedos
cativando pétalas da palavra
segredo
de agir sem pensar
no tamanho da alegria de errar
e do erro
produzir
sentimentos

irmãos coragem

como se não sentissem
não artistas (?)
temem
tudo o que lhes lembrem sentimento
ora, amigos
primeiro
não existe quem não queira chorar
pelos cotovelos
exalando segredos
e depois
por que nascemos?
para não nos emocionar?
alguém em são consciência
poderá me desencorajar?

o baile

de um tempo para cá
as mortes mudaram mais minha vida
do que o vento influencia
um papel de sorvete amassado na calçada da praia
já girei tanto que aprendi a escrever rodopiando
e do pio nasceu um homem com mais entendimento do que é o sofrimento da vida vivida
nasceu um momento em que tive de aguentar estar comigo só mais feliz por saber que era só um momento tênue
que passaria para ter coragem de continuar assistindo sorrindo o baile da existência

envelhecimento

aceitar o próprio desmonte
é envelhecer
disso sabem aqueles que ainda conseguem viver
com alguma dignidade
estatura própria sem enfermagem
estabelecendo como prioridade continuar seguindo
no ritmo intenso da própria respiração
sem pressa sem os atropelos indignos dessa loucura chamada vida real

verdes feridas

quando o verde das folhas brilha
está sendo queimado pelo sol
os olhos que ardem nos lençóis também queimam da ardência vivida
e tudo isso acaba sendo a desculpa tola para afastar-se da vida e dela não retirar o néctar dos verdes queimados das feridas

solitárias

o sol está lá fora
e o poeta (eu) mente que brilha aqui dentro
aqui dentro
sempre haverá um argumento que justifique tudo
falhas, folhas, absurdos
mudos seguimos encontrando cada vez mais solidão
querendo encontrar a solidão
que justifique ficarmos sozinhos
com nossas solitárias ásperas certezas
que procuramos justificar
em letras

Marco Plácido Brasileiro -- Pocket Show

1 – Ainda lembro/Na Estrada (com Renata Rubim)

2 – O Alvo;

3 – Don’t Stop Dancing;

4 -- Sim;

5 – Constelação;

6 – Contra;

7 – Desafios;

8 – Pedra;

9 -- Brigas;

10 – Crazy;

11 – Cegos;

12 – À Cecília;

13 – Minha Alma.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

duvido

a vida é simples? vivemos por viver?
vivemos somente para respirar morar comer
isso
nos aconchega?
viver é apenas ter certeza do fim?
se é assim não preciso fazer nada apenas tentar me manter vivo?

(duvido!)

ciência?

ninguém me contou quando minha mãe morreu
eu estava lá e eu senti
ninguém sofre a dor alheia
solipsismo?
bobeira!
todos nós
(não só os artistas )
só sabemos o que é
quando nos atinge
ninguém sente fome, sede, medo
pelo outro
aquele que sabe o que é ficar sozinho
sabe tudo sozinho
não precisa de livros
relatando a experiência
não há nada
mais falso que a ciência

Paul Verlaine, Em surdina

Calmos, na sombra incolor
Que dos galhos altos vem,
Impregnemos nosso amor
Deste silêncio de além.

Juntemos os corações
E as almas sentimentais,
Entre as v agas lassidões
Das framboesas, dos pinhais.

Cerra um pouco o olhar; no teu
Seio pousa a tua mão,
E da alma que adormeceu
Afasta toda intenção.

Deixemo-nos persuadir
Pelo sopro embalador
Que vem a teus pés franzir
As ondas da relva em flor.

A noite, solene, então,
Dos robles negros cairá,
E, voz da nossa aflição,
O rouxinol cantará.

violetas

não descanse seus olhos
em desanimado instante azul
aqueça-os com a tinta de lágrimas
secrete
segredos
umedeça os dedos
e exploda em mistério

imagine um respiro de violetas
e se perca
nesse jardim de sins

monges

sério
é um mistério
rimas que se soltam e voam ao monastério
e de lá
subvertendo a ordem natural
pôem os monges para dançar
vibrar
de emoção pela vida
barroca e colorida
rimas transgressoras
progenitoras de sentido
azul
criam o ar que respiro
o ar que não vejo mas acredito
como os monges rindo
olhando o céu

o não

olhando o nada
o nada me disse
que ele não existe
o nada é quando
queremos não ver
queremos não sentir...

o nada me disse que ele existe
como tudo
para quem quer acreditar
um papai noel ao contrário
que tira presentes
que inibe a criação...

o nada é o não!

tronco oco

esse sopro de amor
que é quase um sufoco
um tronco oco
arrancando folhas das árvores paradas
bailando o baile da vida
exagerada
exageradamente real
na sua única possibilidade fatal
que nos espanta
que nos espanca
e imobiliza
que nos aterroriza
e por isso
irrita
paralisa
sorria
pois somos iguais
uns menos
outros mais
e poucos saberemos o sabor de nos largar
a bailar

domingo, 19 de agosto de 2012

Adonis, Celebração da infância

Lembro a loucura
apoiando-se, pela primeira vez, no travesseiro do juízo:
                                                    eu falando com meu corpo.


Meu corpo era um pensamento
que eu escrevia em vermelho:
o vermelho era o mais belo assento do sol
e todas as outras cores rezavam
em cima de um tapete vermelho.


A noite era outro lampião.


Em cada galho havia um braço:
carta carregada pelo espaço
confirmada pelo corpo do vento.


O sol insistia, nesses tempos
se vestia de bruma
em nossos encontros:
era reprimenda da luz?


Ah meus dias idos...
caminhavam sonâmbulos
e eu apoiado em seus ombros.


O amor e o sonho são aprênteses
onde interponho o meu corpo
e nisso conheço o mundo.


Muitas vezes
vi o vento voar com pés de erva
vi o caminho dançar com pés de vento.


Meus desejos são rosas
manchadas por meus dias.


Cedo me feri
cedo soube
que as feridas me criaram.


Não paro de andar atrás da criança
que não para de andar dentro de mim.
Agora ela para no topo de uma escada de luz
à procura de um canto para descansar
e de novo ler o rosto da noite.


Se a lua fosse uma casa
meus pés recusavam cruzar sua soleira:
eu seria tomado pela poeira
que me traz o vento das estações.


Caminho
ponho uma mão no ar
e a outra nas tranças que imagino.


A estrela é também uma pedrinha
no campo astral.


Só quem se misturou com o horizonte
pode abrir um caminho.


A lua, uma velha...
seu assento é a noite, seu cajado é a luz.


O que direi àquele meu corpo
que deixei entre as ruínas da casa onde nasci?
Não. Só poderão contar minha infância
as estrelas que cintilam em cima daquela casa
e pontilham com seus passos as direções da noite.


Minha infância ainda
nasce entre as mãos de uma luz
cujo nome desconheço e me dá nome.


Aquele rio.
Fazia dele um espelho
para perguntar-lhe sobre suas tristezas,
das tristezas fazia chuva
para imitar as nuvens.


Pequena aldeia tua infância
e apesar disto
não ultrapassarás suas fronteiras
por mais que te afaste a viagem.


Seus dias são lagos
suas lembranças corpos flutuantes.


Tu que caíste das alturas
nas montanhas do passado
como poderás subi-las
de novo?


Tempo:
tento não consigo abri-la
Meu encantamento está cansado
meus amuletos, dormentes.


Nasci numa aldeia
pequena, reclusa, como o útero
e ainda não saí dela.
Meu amor vai pelo oceano
não pelas praias.

Adonis, Espelho do grito

Extinto o fogo do giro depois do néctar da ferida e do
                                                                                           sonho
no leito da colheita
brilhou a paixão pelo mais alto, escalei meu anseio, subi
                                                                     seu fogo, e saímos
do país do suor do limo
no tapete diáfano da criação.

Hoje sou o aroma astral
me espelho, faço do tempo um espelho para captar meu
                                                                             rosto adivinho
para captar o dia afiado, como o íntimo, para conquistar
para encantar as distãncias e as margens.

Adonis, Espelho do corpo do outono

Você já viu uma mulher
como carrega o corpo do outono?
Primeiro ela mistura o rosto e a calçada
depois tece um vestido com os fios
               da chuva
as pessoas
               na cinza da rua
são brasa apagada.

Adonis, Espelho do século XX

Caixão revestido com rosto de menino
livro escrito nas entranhas de um corvo
fera que avança levando uma flor
rocha que respira nos pulmões de um louco
assim é
o século XX.

Adonis, Árvore (poema 3)

Correu, me encontrou a manhã
vinha carregado no vento
voltando do adeus à minha tumba.
Tudo retorna:
juízes estão nas flores
os delegados se reúnem na água
               (mortos e embriões se multiplicavam
               nas árvores testemunhas
               e a desgraça junto delas)
ouvi ramos
entoarem suas leis, e calei
me vesti de natureza.

Adonis, Árvore (poema 2)

Duas estrelas caíram
na cabeça do peregrino, e passou uma nuvem.

Ao receber a saudação ele caiu
-- palmeira a quebrar, lágrimas a gravar as folhas douradas

palmeira que aprendeu com a tristeza
a traduzir, a ser um caderno
de caligrafia árabe
que aprendeu com a tristeza
entre os limites ocultos
a ser o primeiro lugar
e os ventos que ficam.

Adonis, Árvore (poema 1)

Os famintos plantaram
uma bosque para a esperança
o pranto nele se fez
árvores, e os ramos
pátria para as mulheres grávidas
pátria para a colheita.

Cada ramo um embrião
deitado no leito do espaço
como verde a encantar o pranto
fugiu do bosque das cinzas
e das torres da aflição
levando a queixa de fome
até a natureza.

Adonis, Árvore dos cílios

...e quando me resignei na ilha das pálpebras
em ser o hóspede das conchas e dos rastros
vi que o destino é um frasco
com águas e fagulhas
pronto a fazer do homem
mito ou fogo lendário,

eu ia carregado sobre os ramos
num bosque lácteo enfeitiçado
seu dia, consagrado à loucura, era
minha cidade, e a noite recinto íntimo.

Adonis, Bosque da magia

Seja:
vieram os pássaros, amalgamaram-se as pedras,

seja:
acordarei as ruas e a noite
e passaremos pela alameda das árvores
os ramos serão malas verdes, e o sonho
travesseiro no entretempo das viagens
onde a manhã persiste estranha
e imprime seu rosto em meus segredos,

seja:
um raio apontou, me chamou uma voz
desde o fim das muralhas...

Adonis, Árvore do dia e da noite

Antes que o dia venha chego
antes que se pergunte pelo sol ilumino
árcores vêm correndo atrás de mim
andam à minha sombra cálices de flor
e o delírio em meu rosto ergue
ilhas e penhascos de silêncio cujas portas a palavra
                                                                                    desconhece
se ilumina a noite amiga e se esquecem
no meu leito os dias,


depois, quando as fontes rolarem no meu peito
desabotoarem as vestes e dormirem
acordarei a água e os espelhos,e reluzirei
como eles, a lâmina das visões


então eu durmo.

Adonis, Flor da alquimia

Preciso viajar no bosque das cinzas
entre as árvores ocultas
na cinza estão as fábulas, o diamante, o vlocino de ouro
preciso viajar na fome, na rosa, rumo às colheitas
preciso viajar, descansar
sob o arco dos lábios órfãos
nos lábios órfãos, em sua sombra ferida
está a antiga flor da
alquimia.

Adonis, salmo ( do livro O CAVALEIRO DAS PALAVRAS ESTRANHAS)

Avança desarmado como o bosque e sem ser detido como
a nuvem, ontem carregou um continente e mudou o mar
                                                                                   de lugar.
Traça o avesso do dia. Dos pés produz um dia e da noite
empresta um calçado e espera pelo que não virá. Ele é a
física das coisas. Conhece-as, chama-as por nomes que não
revela. Ele é o real e seu contrário, a vida e a não vida.
Ali onde a pedra vira lago e a sombra cidade, ele vive -- e
faz errar o desepero, apaga o chão da esperança, dança
para o pó até que este boceje e dança para as árvores até
                                                                       que elas drumam.
Ei-lo a anunciar o cruzamento das pontas, a imprimir o
signo da magia na fronte da nossa era.
Enche a vida sem que seja visto. faz da vida espuma e
mergulha nela. Transforma o amanhã em caça, corre
atrás dela em desespero. Inscritas, suas palavras seguem
rumo: à perdição à perdição.
A confusão é sua pátria, mas tem os olhos cheios.
Assusta e conforta
exala terror transborda ironia
descasca os homns como cebola.
Ele é o vento que não volta atrás, a água que não retorna
à fonte. cria sua espécie a partir dele mesmo. Não tem
ascendentes, saus raízes estão em seus passos.
Caminha no abismo e tem o porte do vento.

Adonis, Os dias

Seus olhos cansaram dos dias
seus olhos cansaram sem dias
fura as paredes do dia?
procura por outro dia?

haverá em algum lugar outro dia?

Adonis, Seus olhos nascem

Na rocha possessa e rolante
à procura de Sísifo seus olhos
nascem,

seus olhos nascem
nos olhos apagados perplexos
perguntam por Ariadne
seus olhos nascem
numa trilha como a hemorragia
que flui do cadáver do lugar,

num mundo que veste o rosto da morte
que nenhuma língua exprime e nenhuma voz
seus olhos nascem.

Adonis, Dorme nas próprias mãos

Estende as palmas das mãos
para a pátria morta, para as ruas mudas
e quando a morte gruda em seus olhos
ele veste a pele da terra e das coisas
dorme nas próprias mãos.

Adonis, Carrega nos olhos

Dos olhos toma um brilho
e do fim dos dias e ventos
toma uma fagulha e das mãos
e das ilhas de chuva
toma uma forma e cria a manhã.

Eu o conheço, carrega nos olhos
a profecia dos mares
me chamou história e
 poema que lava o lugar,

eu o conheço, me chamou dilúvio.

Adonis, O parto

Para quem a aurora abre a janela do meu olho
e cava um caminho na minha costela?
Por que a morte pulsa nas veias da existência
e ata minha vida ao bater dos segundos?

Sei que meu sangue é um útero para o tempo
que meus lábios vão parir a verdade.

Adonis, Canções para a morte

1.
A morte quando passa por mim é como se
o silêncio a abafasse
é como se dormisse quando eu dormisse.

2.
Ó mãos da morte, alonguem meu caminho
meu coração é presa do desconhecido,

alonguem meu caminho
quem sabe descubro a essência do impossível
e vejo o mundo ao meu redor.

poesias da vida

A Angélica Plácido

sempre que sinto medo
lembro dos seus olhos me cobrindo de desejos
e os sorrisos tênues são escudos que me protegem de tudo o que sinto
antes de ter coragem de derramar em
palavras podem e devem ter cheiro de mar
e sempre devem nos lembrar do calor das mãos das mães que sentimos quando rimos de tudo isso
que não tem tanta importância quanto amar
amar o vento
amar o desejo
amar amar
amar não se desesperar
e dessa paciência (ciência de saber respirar) saber esperar a hora a honra de ter o quê dizer
para quem dizer
e é isso o que sinto agora
tentar ser merecedor de ter a honra de ter o quê dizer para pessoas que amo e que devem antes de ouvir sentir
sentir-se sentir-me sentir os sentidos e sentido sem mentiras apenas sorrir da satisfação de estarem estarmos vivos
sendo simples poesias da vida

um por todos

A Maria Isabel Oliveira Fróes Cruz

uma palavra que ajuda é um pedaço de amor
nessa vida não existe aquilo que não queremos acreditar
quando parei para falar a dúvida era sinistra era única possibilidade bem vinda e poucos souberam respirar
aquele gesto afetado de ajuda foi sincero pingo na exclamação possibilitou vários erros e dos poucos acertos
alguns cá estão de tocaia nos rascunhos poéticos de min'alma prontos para a verdadeira luta de um poeta lutar menos contra argumentos e mais com o tempo e as palavras tempo que ilude e machuca que é psicológico e nos faz truta subindo um rio de transgressão que demonstra o zelo o acerto com os ponteiros da própria consideração afinal poesia nada mais é do que o texto que desconsidera o tempo e conta a história de um homem que é todos que é tolo a ponto de escrevê-la

tristezas

(precisava desse arrepio)

precisva dessa insegurança de ver a tela em branco e não ter coragem de tocar nas teclas do computador
a dor de estar certo numa vida estranha de estar errado numa vila pagã afegã num precipício de caminhos de não saber para onde dar o próximo passo
é dessa falta de fatos de que vivem os versos
tudo é incerto certeza só da morte
maré ao norte vem me buscar e preciso saber navegar pelos atalhos das letras para os sul das tristezas
tristexas vêm me buscar

sábado, 18 de agosto de 2012

Andrea Cote Botero, AS HOSTES

Saio para a grande viagem cada certo número de anos.
                     me vou levando um nome                                                         
                         e uma parte nele se humilha
                                         irremediável.

Me levou em hostes
e em escuros rebanhos;
isso faço para poder falar de ti
e faço para não ten falar.

Saio para a grande viagem.
Movo-me na tua jovem raiz.
Movo-me em teu amado andar.

Viajo para pôr um pouco da rota em mim,
               Um pouco da rota em ti.

Saio nesta cerimônia
                 só para crer em ti
                 só para que voltes a crer em algo.
Me movo porque existe uma coisa incomunicável
e vi quanto amas as coisas que regressam.

500

...é preciso dizer tanta coisa...

a primeira que não há regra para ser poeta
lia absurdos
de que um poema não poderia começar com letras minúsculas que nunca poderia começar por reticências
que se não tivesse rimas era prosa
que se tivesse palavrão era troça
lia tanto absurdo
que não escrevia
aí, mais uma vez, a idade me ajudou
quando tive de começar a expurgar alguns sentimentos mal resolvidos
(isso também alguns críticos acham errado)
vi que não podem haver regras numa carreira de sentimento
sim
porque escrever poesia´
não é uma carreira literária
apesar de utilizarmos palavras
que muitas vezes ganham novo sentido, ajudando a renovação da liguagem
esse não é o cerne da questão
o cerne da questão
(cerne esse desvalorizado pelos críticos de então)
é a exposição de sentimentos
experiências
momentos
que deixaram e deixam o poeta
perplexo
(um poema é o susto do poeta impresso!)
soltar o verbo
desanuviar o amplexo
e discutir até à exaustão
nossos dramas cotidianos
que aprendemos a fingir não existir
essa é a motivação da poesia
se vai ter valor teóriico
como recriação da linguagem
se vai ser um novo patamar nas relações linguísticas
se vai trazer luz à nossa vã filosofia
são outros quinhentos

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

tapetes persas

pérolas que refletem numa poça dum castelo
são seus olhos no meu sexo
dentes que são rimas...
diamantes
brilham
indicam
o luar
que são seus olhos
no lugar em que o mundo é azul
em que tudo
são tapetes persas
lençóis
de imagens
lenços
de paisagens
azuis
que embebeidos em paixão
dizem a mim que não há solidão

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

irmãos

se não é amor
o que é aquela olhada de soslaio, uma piscada antes do soco no braço
aquele tapa no cangote, uma piaba, a moca certa, depois de cortar o cabelo
um tostão bem aplicado quando a corrida no futebol da praia ia começar
um abraço apertado para amassar a camisa antes da festa da namoradinha
aquele apelido bem implicado que só é falado no momento que não pode ter irritação na frente da vó

o que seria das recordações se não houvessem irmãos?

ranço

quando a mente mente para si
somente sente
aquilo que quer sentir
anula a possibilidade do devir
mentir é mais fácil
do que exprimir a possibilidade
que chama de sonho
por insegurança

tosse
escarra
espanca
toda a santa ignorância

ranço de um homem só 

fugas

de manhã ouço o vento
e é um vento de tormentos
de pessoas que vejo indo para o trabalho sem direção
indo
apenas indo
sem vontade
sem vontade de estar indo
mas indo
e vão
se transformam
num não

sem direção

um vento de tormentos

lamentos

são

e surdo
mudo
como
tudo
fujo
sem direção

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Milhazes

Preparo para o quadro:

Beatriz não é Britto

é um grito

grito de cor

grito de dor

grito de flor

das flores que restam nessa vida sem nexo

nos transforma em

arabescos

carnavalescos

sintonizados com a urgência do mundo real

de hoje

animal

sensação de torpor

sensação de dor

sensação de calor

calor, dor, torpor de tudo o que nos esfria

nessa selva de pedra de gente

desassistida



Quadro:

Beatriz não é Britto é um grito grito de cor grito de dor grito de flor das flores que restam nessa vida sem nexo

nos transforma em arabescos carnavalescos arabescos

sintonizados com a urgência do mundo real

de hoje

animal

sensação de torpor sensação de dor sensação de calor

calor, calor, calor, calor, calor, dor, dor, dor, dor, dor, torpor torpor, torpor de tudo de tudo de tudo que nos esfria

que nos resta nessa nessa selva de pedra de pedra de gente de gente da gente

desassistida


fox

coberto
por um cobertor de pó de opiniões
fraudadas,
porque mal digeridas
por guardadas,
aguardo alguém
que queira conversar
e me contar
onde encontro o outro
que sabe e faz
e conta
e não faz de conta
que sabe
onde está
a foz das palavras

Fernando Rendón, EM TORNO À ESCRITURA

O raio escrev com rigor iluminado e cortante.
O relâmpago é um morse.
A chuva escreve na superfície dos muros.
O vento sobre as dunas no deserto.
O sol escreve nos semblantes.
O rio, sobre os penhascos.
Os fósseis estão gravados na face
                   da pedra antiga.
O caracol imprime um fio de luz sobre
                   a areia.
O pássaro carpinteiro bica um idioma cuneiforme.
Ainda que lento, o povo escreve a história.
A vaidade escreve com fumo e cinzas.
Os poetas são os leitores do universo.

Nem tampouco o fogo dos carnavais
é o da metralha.

O poder de fogo da poesia, o fogo
para romper o cerco das feras.

Juan Manuel Roca, PARÁBOLA DAS MÃOS

Esta mão apanha o fruto.
A outra o afasta.
A mão recebe o falcão, tira uma luva,
a outra o afasta, agarra uma tocha.

Esta mão escreve cartas de amor
que seu equívoco siamês povoa de injúrias.
Uma bendiz, a outra ameaça.

Esta desenha um cavalo,
a outra, um puma que o espanta.
Pinta um lago a mão direita:
o afoga num rio de tinta, a esquerda.

Esta mão traça a palavra pássaro,
A outra escreve a sua gaiola.

Há a mão de luz que constrói escadas,
uma de sombra que abranda seus degraus.

mas chega a noite. Chega
a noite, quando cansadas de se ferir,
fazem trégua em sua guerra,
querem procurar o teu corpo.

María Mercedes Carranza, BORGIANA

Quero pensar neste ancião
                   os olhos cegos, lentos os lábios
o desprezo no vazio rodto duro.
Achou a palavra única
                   que resume todo o universo.
Mas a eternidade de nada lhe vale.
Sozinho, no aposento da velha casa,
terco faz de novo memória do seu sonho,
inventa com voz que soa a metal e a lágrima
a batalha em que gostaria de ter morrido
e se diz que deseja cumprir outro destino:
não o das palavras num papel,
                  não Cervantes, mas Alonso Quijano.
Com a memória mira
os rostos imaginários de seus antepassados.
Como o seu avô, o coronel Suarez,
gostaria de ter caído em Junin sob as lanças
ou como Francisco Borges no alto de um cavalo
                 detendo as balas com o peito.
Se tão só se lhe houvesse permitido
usar por uma vez o punhal de Muraña    
para saborear a coragem de matar ou ser morto.
Na sala da velha casa, derrotado
se resigna fatalmente à sabedoria.

Belisario Betancur, INCENSO GÓTICO

...o coo místico das apsarás (em O sonho das escadarias). Jorge Zalamea


Tudo é escadaria.
Sempe ascendemos
sobre a pedra reluzente
e sobre o mármore suave e o incenso.
Tudo é escadaria.
De repente sentes
que te derrubas, desabas, sentes
que deixas a estação sem que estejas
indo a outro lugar senão a ti mesmo.
Mas não desceste.
Tudo é escadaria.
estás ardendo.

Eduardo Carranza, REGRESSO COM ILHAS E JASMINS

Esse jasmim estrelado
onde as meninas pelo ar
se esqueceram dos seus olhos,
esse jasmim.

Esse sorriso só de água
de largo corpo estendido
umedecido de estrelas,
esse sorriso.

Essa dourada garganta
que iluminava a manhã,
pele de aroma e goiaba,
essa garganta.

Essas ilhas como pausas
de beijo e brutal delícia
por entre a vida do rio;
essas ilhas.

Essa moleza oscilada
da rede que penduravam
os cravos azuis do sonho:
essa moleza.
E essas nuvens que eram já,
já toda, toda a poesia,
glossário branco do céu;
e essas nuvens.

2.
Eu era olhos, mais nada.
E o anel do céu perfeito
por sobre as últimas árvores
me deu o final do mundo.

Um pássaro apenas visto

- sonhado? se não recordo --
dentro da tarde me deu
inteiro o maravilhoso.
Este regresso infinito
porque o céu daquele rio,
por sua janela de água
não me reconheceria.

Esse jasmim estrelado,
essa manhã, essas ilhas
de sol e níspero, esse
dourado vento redondo
desses dias.

-- O tempo é esse mar subindo
e que inunda nossa vida.
-- Agora somente as nuvens.
                -- As nuvens?
    

Aurelio Arturo, poeta colombiano, sobre poesia

"coisa vã tratar de definir a Poesia. Creio nela, simplesmente, e a prefiro quando se confia ao valor expressivo das palavras, mais que à sua eloquência. Sonho e vigília. Em sua linguagem intensa, impregnada de humana experiência, se reúnem a imaginação, a sensibilidade e a inteligência.".

"O mistério da Poesia é a capacidade de dar sentido grandioso e profundo a palavras de todo dia".

Aurelio Arturo, ARRULHO

A noite está muito atarefada
Em balançar uma por uma
tantas folhas.
Mas não são todas
que dormem.

Com a ajuda das estrelas
estremece e tilinta a infinita
dança eterna.

mas quem pode adormecer
tantas,
Se já vai subindo o dia pelo rio?

Onde canta este país
das folhas
e este arrulho da noite
profunda?

Pelo lado do rio
vêm os dias
de buço dourado,
vêm as noites
de lábio fino.

(onde o belo país dos rios
que abrem caminhos
ao vento claro
e ao canto?)

A noite trabalha tanto
Para balançar uma por uma
Tantas folhas.
E as folhas não dormem
todas.

Ah, se as estrelas ajudam...
Mas umas há que se escondem,
há umas folhas , umas
que nunca entrarão na noite,
nunca.

José Asunción Silva, NOTURNO (parte II)

                                  Esta noite
                                  sozinha, a alma
cheia das infinitas amarguras e agonias de tua morte,
separado de ti mesma, pela sombra, pelo tempo
e a distãncia,
                                  pelo infinito negro
                                  que nossa voz não alcança,
                                  só e mudo
                                  pela senda caminhava,
e se ouviam os latidos dos cães para a lua,
                                  para a lua pálida
e o coaxar
das rãs...


Senti frio; era o frio que tinham na alcova
tuas faces e tua fronte e tuas mãos adoradas,
                                  entre as brancuras níveas
dos mortuários lencóis!
Era o frio do sepulcro, era o frio da morte,
                                   era o frio do nada...


                                   E minha sombra
                               pelos raios da lua projetada
                                   ia sozinha
                                   ia sozinha
                               ia sozinha pela estepe solitária!


                                   E tua sombra esbelta e ágil,
                                      fina e lânguida,
como naquela noite tíbia da morta primavera,
como naquela noite cheia de perfumes, de murmúrios
e de música de asas,
                                  veio vindo e foi com ela,
                                  veio vindo e foi com ela,
veio vindo e foi com ela...

Oh as sombras enlaçadas!
Oh! as sombras que se buscam e se juntam
nas noites de negruras e de lágrimas.    

José Asunción Silva, NOTURNO (parte I)

Uma noite,
uma noite toda cheia de perfumes,
de murmúrios e de música de asas,
                         uma noite,
em que ardiam na sombra nupcial e úmida,
os pirilampos fantásticos,
a meu lado, lentamente, contra mim unida, toda,
                         muda e pálida
como se um pressentimento de amarguras infinitas,
até o fundo mais secreto de tuas fibras te agitasse,
pela senda que atravessa a planura florescida
                                               caminhavas,

                         e a lua cheia
pelos céus azulados, infinitos e profundos espalhava
                         sua luz branca,
                         e tua sombra
                         fina e lânguida
                         e minha sombra
pelos raios da luz projetada,
sobre as areias se abraçavam
                         e eram uma
                         e eram uma
e eram uma única sombra longa!
E eram uma única sombra longa!
E eram uma única sombra longa...

(continua)    

Adán Méndez Rozas, O AR É A PRIMEIRA VIOLÊNCIA

Por sua causa se dá o primeiro grito.
Por ele é que começa todo o drama.

Nossa alma como que vai para outro,
nos mostra o corpo como algo alheio.

Um desastre, enfim,
que não tem nome.

Fazem bem em chamá-lo de amor.

César Soto Gómez, CURRICULUM VITAE

8 anos perdidos tratando de mudar
a família, a propriedade privada, o estado,
11 anos perdidos entre a Terra de Hotu Matua
e o Arquipélago das Guaitecas
14 anos perdidos comprando e vendendo
ações no Mercado de Valores
17 anos perdidos entre as Alturas de macchu
Picchu e o Rio Mapocho
19 anos perdidos estudando História,
Geografia do Chile, filosofia das Ciências
22 anos perdidos viajando ao redor
do mundo de Albert Einstein
27 anos perdidos investigando a vida
e a morte de Cristóbal Colón
30 anos perdidos tratando de mudar
um mundo que nunca existiu...
como o Deus de Pablo de Rokha.

Óscar Hahn, NUMA ESTAÇÃO DE METRÔ

Desventurados os que divisaram
uma jovem no Metrô.

e se enamoraram de golpe
e a seguiram enlouquecidos

e a perderam para sempre entre a multidão

Porque eles serão condenados
a vagar sem rumo pelas estações

e a chorar com as canções de amor
que os músicos ambulantes tocam nos túneis

E quem sabe o amor não é mais do que isso:

uma mulher ou um homem que desce de um carro
em qualquer estação de metrô

e resplandece para sempre
e se perde dentro da noite sem nome.

Jorge Teillier, PARA FALAR COM OS MORTOS

Para falar com os mortos
há que escolher as palavras
que eles reconheçam facilmente
como suas mãos
reconheciam o pelo de seus cães na escuridão.
Palavras claras tranquilas
como a água da torrente domesticada na copa
ou as cadeiras arrumadas pela mãe
depois que os convidados se foram.
Palavras que a noite acolha
como os pântanos e os fogos-fátuos.

Para falar com os mortos
há que saber esperar:
todos são medrosos
como os primeiros passos de uma criança.
Mas se tiveres paciência
um dia nos responderão
com uma folha de álamo presa por um espelho
quebrado,
com uma chama de súbito reanimada na lareira,
com um regresso escuro de pássaros
defronte do olhar de uma moça
que aguarda imóvel no umbral.

Armando Uribe, A DOÇURA DO TEMPO

A doçura do tempo
me impede de chegar aos pêssegos,
somente contemplo o madurar dos pêssegos
e preguiçoso evito pensar nos pêssegos.

A vida se faz mais doce sobre o campo
e o corpo parece mais uma folha
e o tempo doce cai sobre minha boca branca
e quase não me movo sentindo a sua penugem.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Enrique Lihn, PORQUE ESCREVI (parte II)

Porque escrevi fui um ódio vergonhoso.
Mas o mar faz parte de minha própria escrita,
Linha da rompante em que um verso se espuma
eu posso reiterar a poesia.

Estive enfermo, sem lugar a dúvidas
E não só de insônia,
Também de ideias fixas que me fizeram ler
com obscena atenção a unas quantos sociológicos,
ms escrevi, e o crime foi menor,
verso a verso eu paguei até escrever,
porque da palavra que se ajusta ao abismo
surge um pouco de escura inteligência
e sob essa luz muitos monstros não são injustiçados

Porque escrevi não estive na casa de verdugo
nem me deixei levar pelo amor a Deus
nem aceitei que os homens fossem deuses
Nem me fiz desejar como escrevente
Nem a pobreza me pareceu atroz
Nem o poder uma coisa desejável
Nem me lavei nem sujei as mãos
Nem virgens foram minhas melhores amigas
Nem tive por amigo um fariseu
Nem apesar da cólera
Quis aniquilar meu inimigo.

Mas escrevi, por minha conta morro.
Porque escrevi, porque escrevi estou vivo.

Enrique Lihn, PORQUE ESCREVI (parte I)

Agora que talvez, num ano de calma,
Pense: a poesia me serviu para isto:
Não pude ser feliz, me foi negado
Mas escrevi.

Escrevi, fui vítima
Da mendicinidade e do orgulho misturados
E justicei também alguns leitores:
estendi a mão em portas que nunca, nunca vi
Uma moça caiu, em outro mundo, a meus pés.
mas escrevi: tive esta rara certeza,
A ilusão de ter o mundo entre as mãos
                            que ilusão mais perfeita! Como um Cristo
                            barroco
                            e toda sua desnecessária crueldade


Escrevi, minha escritura foi como um matagal
de flores ácidas mas afinal de contas, flores
O pão de cada dia das terras áridas:
Uma carapaça de espinhos e raízes.

Da vida tomei todas estas palavras
Como um menino curioso, seixos junto ao rio
As coisas de uma magia, perfeitamente inúteis  ,
Mas que sempre tornam a recobrar seu encanto.
A espécie de loucura com que voa um ancião
Perseguindo palomas imitando-as
Me foi dada em lugar de servir para alguma coisa.
Condenei-me escrevendo para que todos duvidassem
De minha existência real.
(dias de minha escritura, solar do estrangeiro).
Todos os que serviram e os que foram servidos
Digo que passarão porque escrevi
E fazer isso significa trabalhar com a morte
lado a lado, roubar-lhes uns quantos segredos. Em sua origem o rio é uma franja de água
-- ali, por um momento, sequer, a essa
altura --
logo, afinal, um mar que ninguém vê
dos que estão se bracejando a vida.

(continua)

Nicanor Parra, MANIFESTO (parte II)

Ora pois bem, e no plano político,
Eles, nossos avós imediatos,
Os nossos bons avós imediatos
Se refrataram e se dispersaram
Ao passar pelo prisma de cristal.
Uns poucos se fizeram comunistas,
Não garanto se o foram de verdade.
Suponhamos que foram comunistas,
O que sei é uma coisa:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverendos poetas burgueses.

Há que se dizer as coisas como são:
Somente um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Cada vez que puderam
Se declararam de palavra e de fato
Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas.
A poesia, porém, foi um desastre
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão
Tábuas velhas, o mar as devolveu.
Poesia adjetiva
Poesia nasal e natural
Poesia arbitrária
Poesia baseada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias de que deve fundar-se
Na revolução das ideias.
poesia de círculo vicioso
Só para meia dúzia de escolhidos
"Liberdade absoluta de expressão".

Hoje nos benzemos perguntando
Para que escreverão essas coisas?
Para assustar o pequeno-burguês?
tempo perdido miseravelmente!
O pequeno-burguês não reage
A não ser se a questão é a do estômago.

A poesia jamais vai assustá-los.

A situação é esta:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propugnamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem,
Os resplendores da poesia
devem chegar a todos por igual
A poesia alcança para todos.

Nada mais, companheiros.
Nós condenamos. -- E isto digo com todo o respeito --
A poesia do pequeno deus
A poesia da vaca sagrada
A poesia de touro furioso.

Contra a poesia das nuvens
nós devemos opor
A poesia de terra firme
-- cabeça fria mas coração quente
Somos terrafirmistas decididos --
Contra a poesia de café
A poesia da Natureza
Contra a poesia de salão
A poesia da praça pública
A poesia de protesto social.

Os poetas desceram do Olimpo.

Nicanor Parra, MANIFESTO (parte I)

Senhoras e senhores
Esta é a nossa última palavra
Nossa primeira e última palavra --
Os poetas desceram do Olimpo.

Para nossos maiores
A poesia foi um objeto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade.
Não podemos viver sem poesia.

Discordamos dos antepassados
-- Digo o que digo como todo o respeito --
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem igual a todos
Um pedreiro que constroí seu muro:
Um construtor de portas e janelas.

Nós conversamos
Na linguagem de todos os dias
Não acreditamos em signos cabalísticos.

Além disso, uma coisa:
O poeta está aí
para que a árvore não cresça torta.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
o poeta Barata
o poeta rato de biblioteca.
Todos estes senhores
-- digo o que digo com muito respeito --
por construir castelos em pleno ar
Por malgastar o espaço e o tempo
redigindo sonetos para a lua
Por reunir palavras ao acaso
Pela última moda de Paris.

Para nós, não.
O pensamento não nasce da boca,
Nasce do coração do coração.
Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu de abas longas.
Propiciamos, ao contrário,
A poesia a olho nu
A poesia a peito descoberto
A poesia de cabeça nua.

Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser isto:
Uma moça rodeada de espigas
Ou então sem absolutamente nada.

(continua)

Humberto Días Casanueva, OS PENITENCIAIS

Dói a carne saída do
nada
e que ali retorna
mas cheia de candentes
escrituras
Me arranco a carne de minha
carne

Aos mortos cantei e
Pressentindo
que uma força terrível
lhes sobrava
como
aos
loucos
Eles porém se valeram
Da minha força

Dói a memória em que
duvido
O nada que me espera
já foi o mesmo?
Se morro volto ao fundo
onde posso seguir sendo
nenhum
como se nada houvesse
sucedido?

Minha memória está nevando
em outro mundo
Meus olhos se partem como
Fungos
A lágrima prolonga o
olhar

Tudo é já diferente e se
imaginara
acabar minha origem
jamais pudera
porque o dobro no abismo
das causas

Deixar de ser não é igual
A não ter sido.

Gabriela Mistral, A CHUVA LENTA

Esta água medrosa e triste
como criança que padece,
antes de tocar a terra
desfalece.

Quieta a árvore, quieto o vento
e no silêncio estupendo
este fino pranto amargo
caindo.

O céu parece um imenso
Coração, que se abre amargo.
Não chove: é um sangue lento
E longo.

E dentro do lar os homens
Não sentem esta amargura,
Este envio de água triste
da altura.

Este longo e fatigante
descender de águas vencidas,
Para esta terra tendida
E transida.

c(h)oro

choro
o choro dos oprimidos
dos que comem, demais
bebem, demais,
falam, demais
e nada fazem demais
e ainda há mais opressão
de não saber a direção
ademais
choro e cobro
choro e corro
choro e couro
choro e o coro
dos (des)contentes
ainda não me alcançou
então
meu esforço
está sendo
em vão?

domingo, 12 de agosto de 2012

gêmeos


dizem que amor é amor e paixão é paixão que ela seria uma chama que logo apaga e ele um eterno farol que dá direção dizem que ela é fogo em palha uma hora acaba e ele é a emoção da mordida na maçã dizem que ela é um momento fugaz da ilusão da juventude e ele é aquele senhor grisalho na idade da razão pelo sim pelo não acho que farei uma canção que diga que o amor e a paixão são irmãos de sangue que habitam um coração vibrante de um ser humano radiante na sua experiência especial de estar vivo e habitado pelos gêmeos univitelinos

resumo da fruta

não se preocupe com o fim
porque ele virá
não tema a vida
porque ela é cercada de poesia ou agonia
basta você escolher com que olhos irá olhá-la

todos sabemos de tudo e fingimos não ver os buracos que cavamos com nossos falsos enganos

todos podemos escolher como agradar mas escolhemos perder um sorriso
que poderia nos mostrar o branco da ilusão

todos optamos pelo caminho mais fácil quando o mais difícil podia deixar uma lição
em quase todos os momentos escolhemos não nutrir de água uma emoção
e por que logo depois reclamamos da falta de sabor
de uma vida sem suco da fruta amor?

Affonso Romano de Sant'Anna, A voz da poesia

A poesia exige um silêncio abismal. E isto pode levar à vertigem. Ou: a poesia é quando se está à beira de si mesmo. Cair em si, sem se perder, ou achar-se do outro lado de si mesmo. Isto exige perícia. Pois há que ouvir sons, ruídos, mensagens que fluem também do lado de fora, no exterior.

Certa vez fiquei duas horas sobre as pedras do Arpoador, à toa, apenas ouvindo o mar. O marulhar do mar. O marulhar da alma. É preciso uma certa ousadia para se ouvir o nada. O nada é onde tudo começa. É de onde surge a voz da poesia.

Estranha relação entre o eu e o mundo. O pessoal e o social. Há de haver uma orquestração.

Não é de uma valia ficar chorando pelos cantos. O choro pessoal ainda não é poesia. Tem que haver algo mais: converter-se em coro. Por isso a voz do poeta é uma voz de utilidade pública. Quando não sabemos como dizer certas coisas, pedimos a voz do poeta emprestada e entoamos uma verdade simbólica.

Rainer Maria Rilke, poeta alemão, pediu emprestado um castelo para, isolado, ouvir melhor o que os querubins lhe diziam.
Victor Hugo foi para as ruas e barricadas ouvir a voz do tempo.
Rimbaud, de repente, calou-se para sempre. Ficou mudo. Um zumbi perdido nos desertos africanos. Sem voz.
Quando Orfeu soava seus versos, as bestas mais ferozes se acalmavam e até as pedras o entendiam.

Como cada pássaro tem um canto especial, o poeta tem que descobrir qual a sua voz interior. Não se pode cantar com a voz do outro.

Claro que alguns, na literatura e na vida, começam imitando o canto alheio. É um aprendizado.

Camões ouvia Virgílio e Homero. João Cabral de melo Neto começou ouvindo Carlos Drummond.

Na música popular a mesma coisa: Dalva de Oliveira gerou Angela Maria. Mas João Gilberto não pode cantar como Orlando Silva ou Nelson Gonçalves. Ou vice-versa.

Cada qual no seu canto. Na sua voz.

E já que ouvir a voz interior é um risco, alguns a ouvem, e desesperam. Outros tapam os ouvidos. Enchem sua vida de ruídos espetaculares.

O múisco (como o poeta) faz falar o espaço em branco. Faz falar o indizível. Pausa a múisca. Música é pausa no ruído cotidiano. Música é a salvação do ruído.

E como esse mundo ficou barulhento, meu deus!

E se poesia é voz oculta sob prosa, em certas épocas a voz do cantor e do poeta são perigosas.

Eles fazem falar o silêncio, o que foi calado, reprimido.

As ditaduras nos dão estranhas lições de poesia.

repito: poesia exige um silêncio abismal.

Ler, escrever ou ouvir poesia é abismar-se.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

John Lennon

a loucura do mundo moderno é que aquilo que causa maior indignação é a pregação da paz e do amor
logo ouvimos dizer:"Quem é esse que se acha melhor do que nós, simples mortais?!" e por incrível que pareça serão essas mesmas pessoas que chorarão a morte do incauto que pregou com sua arte que é melhor nos amarmos em paz esse desprevenido é que acaba pagando pelo atrito moral de pessoas loucas quase todas que preferem a mentira da realidade

expectativa

a indignação do jovem
que não quer parar de fazer
seja o que for
que faz com raiva
com excessos
mas faz
não pensa, faz
não se inibe e faz
essa é a única expectativa
que espero do poeta
que me tornei

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Marco Plácido Brasileiro -- CAMBOINHAS MALL -- 11/08 -- 22h (Set List)



1 -- Desafios;

2 -- Encantadas;

3 -- O Alvo;

4 -- Quase sem Querer;

5 -- Minas;

6 -- Pedra;

7 -- Don't Stop Dancing;

8 -- Lilás/Uma noite e 1/2 (com Renata Rubim);

9 -- Contra;

10 -- Complexa Vazão;

11 -- Sweet Sina;

12 -- Brigas;

13 -- Crazy;

14 -- Jaques Som.

INTERVALO de 15 minutos

15 -- Little Wing;

16 -- Ainda Lembro/Na Estrada (com Renata Rubim);

17 -- Constelação;

18 -- Sim;

19 -- À Cecília;

20 -- Anunciação;

21 -- Cegos;

22 -- Versos;

23 -- Inútil;

24 -- Truques;

25 -- Papai Me Empresta o Carro;

26 -- A saudade/Blues do Medo.

Bis:

1 -- Malandragem (com Renata Rubim) e
2 -- Minha Alma.

sorryso

quando me lembro de sua ausência
aquela sensação de susto
ainda me assusta
em lágrimas
as imagens
ainda me marcam
e percebo a batalha de viver
em pedaços
de histórias que se foram
com a pessoa que as sorria

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

impulso

durante o momento de briga o silêncio é amor
enquanto o artista luta com seus medos o silêncio é amor
em dedos em cabelos rareando de segredos
o silêncio é amor

(calma de soluço transformada em impulso)

plantador

aos olhos
do criador
árvore
é
semente
que plantou
na cabeça
do
espectador

lembrador

escultor = lembrador,
porque lembra da imagem
que lho despertou

terça-feira, 7 de agosto de 2012

ensaio 2

opina    china    viva   quina
rima       crina     imã     bina
fina        tirina    sina    lima
gimba    nina      mina  pipa

bombons

do susto
suco de bílis
produziu rimas
vômito salvador
inibidor de resquícios
finos
bombons
de precipícios
tímidos
versos
de próprio amor

frutífero

se sabemos que voltaremos
ao pó
e do pó
ressurgiremos
esse pó é de adubo?
isto é
posso acreditar
que irei frutificar?

suco de vida

se todos entendessem...
que a vida é para frente
que enquanto tentamos enganar
nos enganamos
e cada vez mais esquecemos a distância que estamos de nós
e aí
como passar de semente a árvore?
como adoçar a vida
frutificando-a?

olhares

os outros nos dizem que existimos
sozinhos
somos esquisitos
sem altura
sem peso
sem reflexo
de nervos

existimos
enquanto refletidos

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

ponte cobre

aos olhos desacostumados aos riscos ricos rios poéticos
escrever poemas sinceros sobretudo sobre seixos certamente seria súbita loucura
tentativas torpes de explicações sobre
as motivações
míopes foram consideradas
erradas
palavras
olhares vagos
poliram uma ponte de indiferença cobre

sedimentos

...uma folha...
um espelho...
reflexo dos olhos que quero como faróis
secos, agora
fartos, agora
sossegados
pelos pastos
engolidos e vomitados, agora
enxergo os exatos passos
dados
num  verde espaço
florido, agora
por rimas, lado de fora
por minas, de dentro
que explodiram
sentimentos


sábado, 4 de agosto de 2012

Sopa de letrinhas

quando como, como
quando escrevo, escrevo
todos falam desse tal de meio termo
meio de quê?
não conheço!
todos que falam dele
o desconhecem
o cara passa a vida de saco cheio do trabalho, da família, do dinheiro
infarta e
se sobrevive
vegeta
na sopa de cenoura de suas certezas
impurezas que acumulou...

FODA-SE
é palavra mais que bem-vinda
dignifica
aquele que tiver coragem de cuspi-la

espírito

Ouvindo Spiritual
com John Coltrane

o espírito
segue o ritmo
que tem de seguir
livre
solto
alça
voo
azul
sem opinião
sem som
sem ilusão
segue sendo azul
um instinto
um sopro divino
um colo de mãe

Giacometti, escultor (opinião poética)

Vendo a exposição de Alberto Giacometti senti um calafrio origem de uma constatação um homem sempre será todos todos deveríamos trabalhar por paixão o medo que ele tinha que nós temos do isolamento produziu homens e mulheres proporcionais ao tamanho de nossa solidão grande ou pequena não interessa solidão com o peso das esculturas que são pinturas quem são iluminuras que são aquilo que tentamos esconder expresso no espaço poético de uma vida

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mensalão


Conversando com um amigo mais experiente ouvi sobre o julgamento do mensalão: O MENSALÃO EXISTIU E A PROVA FOI A DESTITUIÇÃO DO PRESIDENTE DO PARAGUAI, LUGO!
Explicando: dois são os órgãos de controle do Poder Executivo, no nosso País, os tribunais de contas e as casas Legislativas. Em cada esfera política sempre há os dois. Se municipal, o tribunal de contas municipal e a câmara dos vereadores. Se estadual, o tribunal de contas estadual e a assembléia legislativa e se federal, o tribunal de contas federal e a câmara federal. O ministério público, que poderia fiscalizar também, acaba enredado em disputas políticas e por verbas para suas necessidades estruturais (?), o que prejudica sua atuação.

Sendo assim, como os tribunais de contas são altamente comprometidos politicamente, haja vista terem seus conselheiros nomeados, quase sempre, entre ex-membros, não reeleitos, das casas legislativas, só sobra o poder legislativo para fiscalizar os atos do poder executivo.

A maneira mais fácil, mas totalmete ILEGAL de fugir do controle por parte do Legislativo foi encontrada pelo gênio político Lula, isto é, ao invés de fazer barganha política entre os membros da oposição política, comprar o voto dos oponentes.

O presidente Lugo desconhecendo tal procedimento foi destituído do cargo em uma semana.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

des fruto

de fato
do passado
só ficou o pó
das memórias

não existindo futuro
só nos resta desfrutar o presente de estarmos vivos

e pensando por quê

alado

o espelho
acusa
o tempo
sem argumentos
rugas
são
cicatrizes da batalha
de seguir

devo cativar
o devir
e de lagarta
arrumar asas
que me voem
que me sonhem
que me escondem
do reflexo
magoado de desejos?

a beleza do grito

uma criança
é um arrepio
porque seus olhos
ofendem às vezes
pelo: "acredito"
que gritam
e por isso nos ofendem de credo
desacreditados que estamos com nós mesmos
de tanto apanhar da vida
e por isso não conseguimos mais enxergar a beleza do grito

desculpas

desculpe
pelo que vou falar
quem não gosta de criança
já perdeu a esperança
e deve se preocupar
aquele olhar singelo
ingênuo
alegre
era o que você
provavelmente
tinha
quando a vida lhe mentia
e os sorrisos eram verdadeiros
aos olhos de uma criança
espelho
de uma vida feliz

ferida

maior engano do homem
o tempo
só existe quando vou ao espelho
e vejo
quando vejo
o estrago por ele feito
lei inexorável da vida
ferida em que estamos vivendo
que quando está quase fechando
volta a abrir para dizer:
"estou viva,
continue me nutrindo de despedidas...".