"Para mim escrever é navegar no mar à noite, tendo apenas um raio de 25
metros de luz diante dos holofotes, e uma estrela -- uma visão do rosto
da Deusa -- como referência, e apesar de não ver o caminho, continuar a
avançar, porque estou seguindo essa tremenda aspiração e inspiração de
algo outro, totalmente outro, para lá de tudo e mais alguma coisa, --
para além do corpo que se apazigua, e dos sentidos que silenciam, sem
que seja possível esboçar qualquer gesto conhecido, nem inventar nova
carícia que sacie a sede -- pois tenho a suspeita, e a certeza, de que
todas e quaisquer conquistas são farrapos passageiros, como uma factura
do tamanho da saudade, e porque tudo é tão fútil, escrevo como uma
locomotiva -- um megafone sempre a rappar, uma sereia sempre a gritar,
mas às vezes, também, como num segredo íntimo de namorados: a sussurrar
-- travessão após vírgula, e vírgula após travessão -- e frase bombada,
pneumática, inchada, uma após outra, como ondas gigantes, umas atrás das
outras -- e o casco, arrebentado sobre este mar sem fim, avança e
avança e avança e assim se faz a viagem toda, se chega a um destino, e
se cumprem duzentas páginas sem sequer se saber, conscientemente, por
onde se ia. Como uma Toyota em África. mas, no fim, olhando para trás, a
via está lá, e faz sentido. Porque é a nossa estrada. A de todos nós.
Que o círculo do mesmo inclua o outro, como dizia Timeu.
Esse outro é tu.".
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