Dona Ermídia, que suspeitava da maledicência dos amigos, falava das alucinações do coronel demonstrando preocupação por sua saúde. Lamentava não ser mãe. As lágrimas umedeciam-lhe os olhos amendoados.Um gemido de pomba escapava-se dos seus lábios. Tinha um sonho constante, pertinaz, quase uma fixação, uma parada de cena no carretel da memória. Sonhava que era o mar, às vezes um olho-d'água, uma vertente, onde se dessedentavam homens. Às vezes também sonhava que era um odre pendente do pescoço peludo de um são-bernardo, dando de beber a bocas invisíveis em planícies sem fim. No sonho, ou melhor, quase no fim do sonho, se sua duração está no tempo, sentia, ou imaginava sentir, a presença, revelada no hálito forte e na cócega de uma barba, do Amaro, vizinho de apartamento.
Quando a lua se fazia redonda no céu, um uivo lamentoso enchia as ruas atropeladas do bairro. Dizia-se então que algo se movia como o vento dentro do vento, estalando como uma pilha de odres em disparada. Era o Mamaqui.
Na noite do flagrante, noite do décimo terceiro ano, o coronel acordara no momento preciso. Dona Ermídia fazia questão de esclarecer que sempre se queixara ao marido daqueles momentos de lassidão, de desfalecimento e peso sobre o corpo. Sempre o sacudia em vão para arrancá-lo do sono quando pressentia que algo a acompanhava.
A presença do coronel vestido de campeão do mundo em horas tão tardias da noite à porta do seu ordenança foi de estarrecer. Ele ignorava que seu velho chefe, embora o soubesse ardoroso aficionado do futebol, tivesse a ideia infantil de dormir fardado. Muitas vezes, à noite, ouvira gritar gooool! sem jamais reconhecer a poderosa voz de comando do chefe.
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