sábado, 27 de abril de 2013

Cecília Meireles, poema 36 do livro METAL ROSICLER

36


Não temos bens, não temos terra
e não vemos nenhum parente.
Os amigos já estão na morte
e o resto é incerto e indiferente.
Entre vozes contraditórias,
chama-se Deus onipotente:
Deus respondia, no passado,
mas não responde, no presente.
Por que esperança ou que cegueira
damos um passo para frente?
Desarmados de corpo e alma,
vivendo do que a dor consente,
sonhamos falar -- não falamos;
sonhamos sentir -- ninguém sente;
sonhamos viver -- mas o mundo
desaba inopinadamente.

E marchamos sobre o horizonte:
cinzas no oriente e no ocidente;
e nem chegada nem retorno
para a imensa turba inconsciente.
A vida apenas à nossa alma
brada este aviso imenso e urgente?

Sonhamos ser. Mas ai, quem somos,
entre esta alucinada gente?

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