FERNANDO PESSOA
Deus
criou-me para criança, e deixou-me sempre criança. Mas por que deixou que a
Vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio,
amarrotando com mãos tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas compridas? Se eu
não poderia viver senão acarinhando, por que deitaram fora o meu carinho? Ah,
cada vez que vejo nas ruas uma criança a chorar, uma criança exilada dos
outros, dói-me mais que a tristeza da criança o horror desprevenido do meu
coração exausto. Dôo-me com toda a estatura da vida sentida, e são minhas as
mãos as bocas tortas das lágrimas da vida adulta que passa usam-me como luzes
de fósforos riscados no estofo sensível do meu coração.
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