terça-feira, 1 de julho de 2014

Ferreira Gullar, GALO GALO




GALO GALO

O galo
no saguão quieto.        


Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.


De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.


Mede os passos. Para.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio
-- que faço entre coisas?
-- de que me defendo?


                                      Anda


no saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.


Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e o duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se aposta
tal arquitetura?


Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora?


Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório?


Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto, rubro, escoa.


Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.
Vê-se: o canto é inútil.


O galo permanece – apesar
de todo o seu porte marcial –
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave guerreira!


Outro grito cresce,
agora, no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
              não seria tão rouco
e sangrento.
          
                  Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.


Ferreira Gullar

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