Todo mundo sabe que conheci Gil pela TV. Ele às vezes cantava à tarde. Eu não gostava de televisão, mas gostava muito dele. Nem acreditava que alguém. com tão grande talento vivesse na mesma cidade que eu. Nos conhecemos e nos adoramos. Até hoje é assim. Sei que muitas vezes posso ser um tanto irritante para ele, como ele às vezes o pode ser para mim: quem não sente essas coisas com relação a pessoa que lhe são tão próximas há tanto tempo? O que vale mais, no entanto, é ver meus filhos, apaixonados pela música, pela musicalidade do meu amigo. Gil é um anjo musical. (...)
(...) O violão de Gil é uma das melhores coisas que já aconteceram ao Brasil. Caymmi, e Jorge Ben, e Paulinho da Viola, e João Bosco (que vem de Gil e é como se fosse Gil passado a limpo) são da essência do violão dele. João Gilberto paira acima: vem de Caymmi e produz todos os outros (exceto Paulinho?). Gil sabe tocar batendo as cordas, como os roqueiros,coisa que eu nunca consegui ( e que todo mundo diz que é mais fácil). Tudo o que eu vim a entender de música aprendi com ele. Consegui aprender pouco, mas que é muito para mim. Gil gosta de pensar que está meditando. Mas ele costumava meditar sem pensar, olhando para o teto do quarto. O que sai por entre as notas do seu violão e de sua voz é da mesma natureza que essa meditação. Ele se perde, joga enfeites para todo lado, mas sai um ar puro de música pura por entre os rabiscos de fogos. Gil é excessivo. Propôs o Tropicalismo, com todas as letras, antes que eu pudesse articular um projeto -- e depois diz que só fez o que fez porque eu o levei a fazer. Tem uma memória um pouco criativa e improvisadora. Quando eu me sinto mais próximo da religiosidade, logo suponho que Gil está se afastando dela. Em tudo somos assim. Mas no cotidiano somos parelhos. Eu o admiro demais -- e há tempo demais -- para poder falar dele com justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário