FICA O NÃO DITO POR
DITO
o
poema
antes de escrito
não
é em mim
mais que um aflito
silêncio
ante
a página em branco
ou
melhor
um
rumor
branco
ou um grito
que
estanco
já que
o
poeta
que grita
erra
e
como se sabe
bom poeta (ou cabrito)
não berra
o
poema
antes de escrito
antes
de ser
é a possibilidade
do que não foi dito
do que está
por dizer
e
que
por não ter sido dito
não
tem ser
não
é
senão
possibilidade
de dizer
mas
dizer o quê?
dizer
olor de fruta
cheiro
de jasmim?
mas
como dizê-lo?
Se
a fala não tem cheiro?
por
isso é que
dizê-lo
é não dizê-lo
embora
o diga de algum modo
pois
não calo
por
isso que
embora sem dizê-lo
falo:
falo
do cheiro
da fruta
do cheiro
do cabelo
do
andar
do galo
no quintal
e
os digo
sem dizê-los
bem ou mal
se
a fruta
não
cheira
no poema
nem
do galo
nele
o
cantar se ouve
pode
o leitor
ouvir
(e
ouve)
outro
galo cantar
noutro
quintal
que
houve
(e
que
se eu não dissesse
não ouviria
já
que o poeta diz
o que o leitor
-- se delirasse –
diria)
mas
é que
antes de dizê-lo
não
se sabe
uma
vez que o que é dito
não existia
e
o que diz
pode ser que não diria
e
se
dito não fosse
jamais
se saberá
por
isso
é
correto dizer
que
o poeta
não
revela
o oculto:
inventa
cria
o
que é dito
(o poema
que
por um triz
não nasceria)
mas
porque o que ele disse
não
existia
antes de dizê-lo
não
o sabia
então
ele disse
o que disse
sem
saber o que dizia?
então
ele o sabia sem sabê-lo?
então
só soube ao dizê-lo?
ou
porque se já o soubesse
não o diria?
é
que só o que não se sabe é poesia
assim
o poeta inventa
o que dizer
e
que só
ao dizê-lo
vai saber
o
que
precisava dizer
ou
poderia
pelo que o acaso dite
e
a vida
provisoriamente
permite
Ferreira
Gullar
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