sábado, 16 de junho de 2012

Eliseo Diego, DEBAIXO DOS ASTROS

É assim que a casa desabitada, pela tarde, range de repente como o
cordame de um barco.

Vibram solitários os cristais vazios, a penumbra nos quisera comover,

e o pequeno animal, de de pele lustrosa pelos cantos, trêmulo foge,
como sempre, lá para cima.

É aqui onde dizíamos: que maldito tempo faz debaixo dos álamos,
ainda bem que você veio a tempo, boa-tarde, oh pai,
que noite ruim, que bom-dia sempre.

Aqui, no umbral que os brandos ventos nortes das portas cobrem de
cinza a fina poeira,

algum de nós, os de casa, deve vestir os pesarosos, os escuros trajes
do sacrifício para dizer: aqui esperava, e aqui
costurava mamãe suas misteriosas fazendas brancas,

e aqui entrou naquele dia o tímido lagarto, e aqui a mosca estranha
que zumbia, e aqui a sombra e os talheres, e aqui o
fogo, e aqui a água.

Porque chega uma hora em que todas as casas se esvaziam de seus
ruídos mortais

e as vidraças são frias como esses invernadeiros desolados, lisos olhos
de morto, que ninguém sabe nunca onde ficam,

é preciso que alguém, algum de nós, venha e diga: os talheres da casa,
que fim levaram, alguém sem dúvida os roubou.

Grave silêncio, sobre meu ombro descansas como o peso comovedor
de uma moça soluçante.

É assim que agora tudo falta. Se alguém nos oferecesse um pouco
de café nos salvávamos

porque a casa desabitada é adusta como a justiça do fim e do vento
que passeia lá por cima não é nada mais que o ven-
to, os aposentos não são mais do que os aposentos
da casa vazia

e é como se ninguém houvesse chegado, como se ninguém visse os
recintos do homem, debaixo dos astros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário