sábado, 15 de fevereiro de 2014

Kafka, fábula inédita

Pequena fábula

"Ah!, disse o rato, "o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto a ratoeira para a qual eu corro" -- "Você só precisa mudar de direção", disse o gato e devorou-o.


Explicação do tradutor Modesto Carrone: Basicamente, o texto é um monólogo -- sempre expressão de isolamento -- começa com uma interjeição (Ah!). Essa interjeição, no entanto, é logo absorvida no relato de algo experimentado antes (o mundo era vasto, mais amplo que agora). A repetição da primeira pessoa (eu) e as expressões medo e feliz, que exprimem afetos e se contradizem mutuamente, provocam o leitor a algum tipo de participação. As experiências do rato são apresentadas como sendo ativas só uma vez: "Eu via". As demais são vividas passivamente: o mundo torna-se mais estreito, as paredes convergem uma para a outra, lá no canto fica a ratoeira. Tudo se passa como se o rato se visse num processo que corre com autonomia, de modo natural, sem intervenção do personagem narrador. O resto deve, assim, submeter-se à noção de que a sua situação é sem saída. O rato sempre foi movido -- impulsionado -- pelo medo, é isso que o faz correr para a frente, para o que é amplo e vasto, e perder-se no que é necessariamente estreito.

O fecho lacônico da peça tem uma precisão lógica que não é necessariamente cínica, e aparece sob a forma de um conselho sábio e desinteressado. O verbo devorar (do alemão "fressen", destinado aos animais) assinala um acontecimento esperado, num lugar inesperado, e assume sua força no momento em que alcança uma nova dimensão que parecia faltar ao texto.

O que Kafka pretendia dizer nessa micronarrativa ou miniepopeia? Ele diz, entre outras coisas, que a última saída da razão leva à ruína. Ou que todos os esforços para superar o medo e a derrocada significam apenas graduações da falta de liberdade objetiva do mundo. Para o rato não existe escolha, ou melhor, essa escolha só pode se dar entre as alternativas funestas de submeter-se à violência da ratoeira ou à violência do gato.

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