RETRATO DO MANOEL QUANDO POESIA
Conheço Manoel. Não digo que o conheço bem porque bem nem me conheço. Tomávamos cachaça juntos e ouvíamos o povo antes que o poder o houvesse desinventado. Olhava para ele e pensava: "Este é o sujeito que vê uma letra e a entorta. Depois fica vigiando até descobrir para que ela não serve". E a falta de serventia da letra que Manoel entortou descongela o nosso cérebro, atiça nossa visão, nos redimensiona. Manoel fecha os olhos e inventa uma cor que não existe, coisa que só gente como Homero sabia fazer. Desnoita as caturritas e inventa uma nova musical. Tem com os trovões, ventos e crepúsculos,a intimidade que Drummond tinha com fenômenos urbanos. Manoel é incomparável; está longe dos demais poetas. Mais fácil compará-lo a Picasso e De Kooning, os grandes decompositores de artes plásticas que, como ele, desessencializavam a forma até torná-la pura. Suas metáforas cumprem a função das metáforas expandem nossa imaginação.
Quando lançou o premiado Livro sobre nada, nos contou um segredo: nada existiria mesmo que nada existisse e, consequentemente, era tudo. Agora em seu Retrato do artista quando coisa, não contente em descoisificar o mundo, Manoel se coisifica e de poeta passa a ser, ele mesmo, parte integrante da poesia. Como naquele jogo de descobrir o bicho oculto num desenho, podemos descobrir o Manoel no poema. "Acho que vi o Manoel empedrado ali atrás daquela moita". Ou arvorado por um passarinho enquanto se permite se seu próprio outono.
Outro dia sonhei com Manoel olhando para milhões de cacos brilhantes do que já fora uma urna grega. Antes que os artistas de plantão reclamassem, ele fez um gesto mágico e a urna voltou a ser o que era, como um poema romântico. Fazendeiro, poeta, bicho, copisa e finalmente poesia. Neste livro, a paisagem se manoeliza. Ou é Manoel que se paisageia?
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