Em Compêndio para uso dos pássaros, Manoel de Barros se propunha a desaprnder a língua com as crianças para ficar ainda mais livre.
Gramática expositiva do chão veio seis anos depois. Um voo absolutamente ousado entre os vocábulos, criando um novo espaço cubista surreal na linguagem. Aqui, a poesia de Manoel de Barros busca os resíduos rejeitados pela sociedade de consumo, "o que pode ser carregado como papel de vento". A sua Máquina de Chilrear, título emprestado de um quadro de Paul Klee de 1922, costura tudo o que é julgado imprestável e transforma, em seu uso doméstico, em poesia. Até o caramujo com olhos embaçados de noite. O chão, o inútil, os fragmentos desprezados reunidos em pura poesia. o "dão" desse menino que enlouquece o verbo, a palavra, os verbos e os objetos, fazendo, como ele diz, casamentos anômalos entre os vocábulos, numa brincadeira à vera, afirmando que "a poesia é, antes de tudo, um inutensílio"...
A incomparável originalidade da poesia de Manoel de Barros, o domínio do som, do ritmo, dos sentidos, do inútil, dos arquissemas abaixo da linha do horizonte, chão árvore pedra lesma, se repetem neste homem de lata, contaminado de pássaros, de árvores, de rãs. Que foi feito para ser ninguém e nem nunca, musgo, líquen, limo, folha caída amarelada decomposta que vai virar sapato, se transformar numa árvore. Palavra que faz de conta que é simples, mas, ao contrário, é sofisticada, trabalhada, burilada ao ponto de chão. Domada, montada e submetida pelo poeta, e, por isso, imortal. Manoel de Barros descobriu o milagre da multiplicação das leituras: sua poesia não se esgota, e maravilha sempre quem a lê, com encanto impossível de se acabar. E nos transporta e nos leva por descaminhos únicos, em estado de graça. Amém.
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