"O substrato humano de Carlos Scliar -- se cerca de vinte e cinco anos de convívio episódico mas fraterno que permitem presumir o como de gérmen que se esconde sob a casca --, o substarto de Scliar parece ser a busca do impossível: a busca do simples. Dimples, esse algo que se sonhou estar no início e se complicou depois, perdendo-se; ou esse algo de captação quase inefável que deve de fato a um tempo a essência, existência, vivência, fluência, aparência do esforço de perceber, aprender, entender, compreender o interlocutor -- seja este uma criança, uma mulher, uma coxilha, uma trincheira, um boi, um bule, uma página, um céu, uma água. Tal simples, se atingido é gérmen de tudo, sobretudo da máxima significação sob a capa do máximo despojamento.
Vivendo os anos da atualidade desumanizante, em que se vem cada vez mais deixando de ser, para cada vez mais fazer; a fim de cada vez mais ter, com o risco de cada vez menos estar a negar enfim ser -- Scliar tem conseguido fazer, ter, estar, continuado a ser, e ser presença que revela a ausência buscada, o simples, mesmo que este seja a utopia.
Mas nele, creio, a busca se fez há muito o instável instante permanete da apreensão do simples; no convívio humano, no apoio aos artistas colegas seus aos quais não se impõe mas em que desperta solidário a ascese da indagação metódica daquilo que seja o seu dele ser, na tarefa de plantar raízes de sua mentação factitiva sobre a superfície proposta, no diálogo interior com as coisas e os seres, e nessa invonlutária mas poderosa influência na arte atual brasileira -- se mais não fosse (e o é) pela limpeza integral de sua cozinha.
Pois não se ignora que Scliar (a arte dele, sobretudo) é, de um lado, parte da paisagem simbólica de muitos nós, um ensinador de ver e sentir e perceber e apreender, e é, de outro lado, rejeitado polarmente por uns poucos, porque não captaria a totalidade fugidia.
Sou dos que, no essencial simples tão sofridamente revelado em cada obra de Scliar, vêem também a captação da totalidade não fugidia: e, por isso, convivo com sua arte em dupla operação afetiva: porque amo o miniverso de seus simples, em que, cada um, amo o universo.
E a lição, aliás, que leio na sua presença entre nós.
Amém.
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