"CARTA AO MENINO QUE EU ERA NAQUELE TEMPO
Nós estamos sozinhos, e eu somente,
Eu que posso chamar-te pobre eu mesmo
E porque sinto tudo o que tu sentes
E andei sentindo tudo o que sentiste
E guardo na memória
A memória de todos os teus dias,
E porque sou teu menino e teu espelho e porque trago
Nos lábios a tua sede e porque trago na pele
O talho de todas as tuas dores e no rosto
As tuas cicatrizes...
E porque tenho no sangue os rios arrepiados de tua angústia
E dentro d'alma
O solo vacilante das tuas aventuras...
Eu que vivo o que vives entre a certeza e a dúvida e que sou
Como uma flor sombria do que te lembras: a música
Daquele tempo, numa tarde, e um passeio aos domingos
Nos arredores da cidade, quando o mundo
Era para nós
Como um confrangimento de prazer definitivo.
Eu somente, porque sou tu mesmo,
Embora não podendo pronunciar teu nome,
Nem ser o ombro para a fadiga de tuas tardes,
Posso, te dizendo, ter certeza
E ser tua palavra e tua verdade:
Menino, o tempo não existe.
E quem não for capaz, depois de tudo,
De ser como nós dois os dois num só
Não será grande.".
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