terça-feira, 12 de novembro de 2013

Lêdo Ivo, MORMAÇO -- BALADA DO DESESPERO

BALADA DO DESESPERO

Quem quiser ledo viver
saiba-se desesperar.
d. João de Menezes


Se eu desespero é que ledo
quero viver na alegria
seja tarde ou seja cedo
seja de noite ou de dia.
Desespero mais houvera
eu não desesperaria.
Desesperar é querer
pois quem desespera espera
antes que se ponha o dia
de duas águas de beber.
São águas da mesma fonte
paridas no mesmo monte:
a água clara da alegria
e a água salobra da mágoa
que, de amarga, sabe a lágrima.
Desespero mais houvera
e nele me encontraria
pois somente no desespero
é que está minha alegria
como na fonte dormida
dorme uma água emudecida
à espera de ser bebida.
Desespero mais houvera
minha sede mataria
no poço do desespero
que guarda a minha alegria.
Quem espera, desespera.
E mais desespero houvera
mais esperança haveria
de alcançar desesperado
a esperança e a alegria.
Quanto mais noite anoitece
mais claro se torna o dia.
Quanto mais rosa fenece
e mais floresce o jardim.
Que haja desespero em mim
em todo o meu esperar
para que eu possa ser ledo
e viver sem dor ou medo
de saber desesperar.

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