terça-feira, 30 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 30 de setembro de 2014, quadro abstrato II



quadro abstrato II

A vida toda é feita
De neutros e não-neutros
Da calma e da raiva
Do silêncio e dos gritos
Dos suspiros e dos arrepios
Da ausência e da essência
Então
Um quadro abstrato equilibrado
Precisa desses dois lados da moeda
Para poder agradar

(Um quadro abstrato precisa do equilíbrio inexistente na vida)

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 29 de setembro de 2014, criança esperança



criança esperança

A criança faz
Porque não sabe que não deveria
O palhaço arrelia ria da grita dos adultos das brincadeiras infantis que esqueceram e os definiriam se não tivessem feito questão de esquecer e por temer aborrecer é o verbo por eles preferido queridos pais deixem seus filhos serem crianças eles podem salvar o mundo se acreditarem que podem salvar a esperança

domingo, 28 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 28 de setembro de 2014, arte tecnológica



arte tecnológica

Gosto do medo que sentem
Quando mentem para si o interesse
Grande parte dos que dizem se interessar por arte
Se interessam em dizer se interessar por arte
É como se dissessem para si mesmo: eu sou especial pelo meu interesse
Ora
Se efetivamente gostassem
Se interessariam menos em ir às exposições e museus
E mais em cativar em si uma visão fora do padrão
(se é que a arte hoje em dia ainda inspira o não padrão)
Gostar por gostar podemos gostar de chuchu xuxa picolé de tangerina
Gostar realmente é deixar que aquele tipo de manifestação da angústia humana
Entre e se instale de modo que modifique
Mesmo que minimamente nosso modo de olhar e sentir a vida
De outro modo
É melhor ficar assistindo os comerciais de televisão que quase nos obrigam a ser como os atores sem cérebro tão valorizados justamente por não ter opinião
Característica maior do nosso tempo tecnológico

sábado, 27 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 27 de setembro de 2014, Desconfiomens



Desconfiomens

Muitas vezes um livro é um sacrifício
Pois as pessoas se afastaram das letras
Porque com o tempo aprenderam que as palavras trazem problemas
De entendimento de rendimento de esfacelamento das teorias que aprenderam errado com os pais
Cada um ensina o que aprendeu mas não quer dizer que aquilo seja certo inteiramente
Por isso desconfio dos ditados
Conceitos estratificados às vezes por séculos
Quando o tempo de hoje é muito mais confuso e insincero pela urgência
De sexo drogas e roque em rou

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 26 de setembro de 2014, beijos



beijos

A Jorge Plácido, 74 anos

(pai)
Somos homens feridos
Apenas porque não conseguimos chorar
A dor que sentimos separados quando poderíamos ter nos acariciado juntos
Somos tão parecidos e tão distantes
Somos teimosos, amorosos e rascantes
Envelhecemos juntos e morremos em julho (com menos verdes sentimos a vida)
Um cheiro nos anima a conversar
Mas as brigas aparecem porque amamos brigar juntos
O amor que existe mudo é grande e intenso
Beijos do filho poeta, eu sendo nada Plácido também

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 25 de setembro de 2014, arteplásticos



arteplásticos

Coltrane exala poesia
Davis agonia
monstros da escala sonora
que angustia
que desafia
o som surdo
da afonia
dos sem consideração
melodia do grito
que é massa
nas mãos dos poetas
sejam eles
musicais
gráficos
ou
arteplásticos

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 24 de setembro de 2014, sal



sal

Quando dois olhos olham e não se falam
Agarrando o silêncio como uma vantagem desejada
Algo em algum lugar um voo de pássaro que seja
Vira arte
Da angústia do tempo que não foi
Do beijo que não foi
Do carinho de mãos que se foram...

É de tudo que ficou faltando que se faz um pequeno poema...

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Bruno Giorgi sobre sua arte

"Anárquico é o pensamento e rumo à anarquia marcha a História" -- com esta máxima Malatesta ou Sócrates firmou a longa marcha ideológica em que me envolvi desde criança. Já fui nacionalista, republicano, socialista, comunista e se procurar direitinho ainda hei de achar em alguma gaveta a batina de coroinha. Em arte, começo acadêmico -- cópia rigorosa da Natureza -- a seguir, impressionista a la Rodin, deformação, abstrato, geométrico. Hoje, em política e em arte sou "anarquista graças a Deus", como diz minha amiga Zélia Gattai. Acabaram-se os rigores e os princípios. Posso acordar figurativo e adormecer concretista. Enfim, à minha maneira sou livre e nesta nova dimensão vou vivendo.

José Roberto Teixeira Leite sobre Arquitetura e Escultura

Prima próxima da Arquitetura, era natural que a Escultura vivesse com frequência unida a ela, buscando uma síntese ou uma integração que tem sido a preocupação maior de não poucos grandes artistas. Afinal, uma e outra se desenvolvem no espaço real, equilibrando massas e volumes e contrapondo espaços negativos a positivos; e se a primeira, arte maior, alia à sua condição especificamente estética uma utilidade, é fato que não está muito longe de sua parenta puramente artística, ainda mais quando, como na atualidade, e acompanhando tendência bastante generalizada de interpretação de gêneros e de meios expressivos, existe também uma escultura que se quer arquitetônica.

Bruno Giorgi sobre a abstração

O abstrato tem certos limites que não podemos superar: temos que nos conter dentro deles. Se isto é conseguido a obra fica bonita. Mas, se tentarmos superá-los, a obra enfeita imediatamente. A abstração é a exata proporção entre os elementos que compõem a peça. Mas só depois da obra estar pronta, a gente, examinando bem, pode compará-la a alguma coisa e lhe dar um nome. Às vezes atribuo a ela um nome também abstrato, como tensão. Outras vezes, a tarefa é difícil. Então, chamo meus amigos, para dar uma ajuda.

Bruno Giorgi sobre Carrara e a solidão

Acredite, min ha vida foi um constante processo de isolamento: nada e ninguém solicitava-me o interesse de outrora, até a escultura ia se marginalizando e tomei gosto ao silêncio. A solidão é perigosa pois a gente vai gostando dela cada vez mais. Porém uma série de acontecimentos levou-me a Carrara e mais uma vez foi o trabalho a me acordar. Tomei-me de paixão para o mármore que de todos os materiais é o mais nobre. Nele realizo formas cada vez mais simples onde a luz desliza sobre largas superfícies para se confundir com as sombras que vibram do seu reflexo. Se amiúde lhe falo de minha casa é porque nela haverá aconchego e espaço e mármore.

É uma coisa um pouco sentimental, porque há muitos anos não faço isso. Mas, em Carrara, sonhei com uma bela mulher, na praia, toda branca. De mármore, naturalmente, porque em Carrara só se sonha com mármore. Fiquei impressionado com essa figura, porque estava com aquele fundo azul do mar, num espetáculo muito bonito. Quando acordei, lembrei perfeitamente do que vira e fiz um desenho. Depois uma maqueta.

Bruno Giorgi na visão de Jacob Klintowitz

Este Meteoro é o símbolo visual de Brasília. (...) Esta escultura de Giorgi é feita de ritmos partidos e novamente restabelecidos. Entre seus vários vetores estabelece-se um vazio espacial capaz de conferir dinamismo em toda a escultura. É importante ver o que está desenhado como forma e o que não está desenhado, os vazios, o oco, mas que dá vida ao existente. O que está e o que não está são uma única entidade espiritual...mas é este Meteoro o símbolo, por sua vez, das relações entre a terra e o céu. A pedra sempre foi adorada, em todas as civilizações. Pois, a pedra é o símbolo do que veio do céu e está na terra. veio de Deus e está com o homem. Ela é um elo de união entre o alto e o embaixo, o atemporal e o temporal, entre o Senhor e a sua Criatura. A pedra é um presente dos deuses.


(...) A escultura contém elementos de linguagem ancestral. A escultura é feita de matéria. O homem encontra e revela a significação da matéria. E quando a escultura é capaz de retomar temas essenciais e conferir a eles um valor mítico, nós nos encontramos diante da verdadeira manifestação artística. A emoção e a receptividade das pessoas, mesmo quando isto não está claro no seu espírito, se deve à possibilidade desse encontro. A consciência, a forma e o mito.

è por tratar destas questões essenciais que a obra de Bruno Giorgi pode transitar com facilidade da figura para a abstração e desta para a figura. Não há diferença real. A arte é sempre uma abstração conceitual. O que importa, neste caso, é que o artista permanece coerente e objetivo na explicitação de seus assuntos e temas. E, ressalvando as simples aparências, estes assuntos e temas são sempre os mesmos. Também os materiais, mármores, bronzes, aço, não são capazes de alterar a proposta do artista. Eles se ajustam à sua realidade e nota-se a mesma mão e o mesmo cérebro a inventar essas formas.

365 dias com poesia -- 23 de setembro de 2014, criação II



criação II

Deus precisa do homem?
Sendo Deus ele precisaria criar algo ou alguém?
Ou somos nós que precisamos de tudo?
Inclusive de nos incluirmos no mundo celeste criando um Deus?
Ele do tamanho maior que o todo precisaria de nós?
Nós desse tamanho imenso que achamos que temos conseguiríamos viver sem criá-lo?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Max Bense sobre Bruno Giorgi

(...)

Creio oportuno citar, aqui, algumas frases da Estética de Hegel que me parecem significativas, a propósito das esculturas de Bruno Giorgi. E quem poderia melhor receber Bruno Giorgi em Stuttgart do que Hegel, filho desta cidade. Diz o filósofo: "A beleza só pode residir na forma, uma vez que só ela é a aparência externa..." Com essa frase, Hegel não somente chama a atenção para a condição essencial de toda escultura -- a composição de elementos de caráter geométrico ou orgânico, visando à forma ( o que , aliás, estas figuras tornam especialmente claro) -- como também nos dá a célula mater de uma estética, que se aproxima da estética moderna.

(...)

No Brasil não é o acadêmico que é popular, mas sim a arte moderna, e o próprio Bruno Giorgi costuma frisar, astutamente, que, no seu país, a arte moderna é a arte oficial, a arte estatal. Mas Giorgi não é radical. Ser moderno significa para ele usar das liberdades materiais e construtivas do artista, de modo figurativo, concreto ou abstrato; assim, Giorgi pode ser considerado, de certo modod, como um mediador entre a arte moderna e a clássica.

(...)


Assim, como a arquitetura tem como ponto de partida espiritual a ideia abstrata da casa, assim também a escultura parte da ideia abstrata da figura humana. E na medida em que ambos, arquitetura e escultura, têm a possibilidade de adquirirem caráter urbano ou humano, as altas figuras criados por Bruno Giorgi em Brasília, parecem refletir a ideia urbana da grande praça, enquanto que o que se pode ver nesta casa, destruindo radicalmente a ideia burguesa dos bibêlos sobre a cômoda, demonstram o quanto são compatíveis as ideias de massa e habitabilidade, de humanidade e sociabilidade.

Esse, minhas senhoras e meus senhores, talvez seja o motivo que nos levou a exibir neste saguão as esculturas de Bruno Giorgi -- artista dum país no qual é tão intensa, generosa e social, quanto singular, solitária e perdida em vastos espaços -- saguão onde as esferas urbana e humana aparecem estreitamente ligadas uma à outra, em ambiente movimentado, turístico, vivo e, em todos os sentidos, isento de ranço do museu.

Eu vi as plásticas de Bruno Giorgi em seu ateliê no Rio, em Brasília numa galeria e em outros lugares, mas confesso que o que mais me impressionou foram as sombras das figuras.Essas sombras nas paredes, nos pisos, nas vitrines, me pareciam não somente as projeções materiais como também espirituais, pois deixavam ver claramente que as mensagens artísticas foram demonstradas em um sistema de planos e retas e que podem ser interpretadas tanto abstratas como concretas, tanto figurativas como não-figurativas.

(...)

Iniciando com o reconhecimento das sombras e terminando com o toque dos materiais, vejo então que para a plástica de Bruno Giorgi é o plano e não o corpo o ponto de saída da reflexão, o elemento da criação: modelagem dos planos e trabalho de sobre-planos; fundamento de eventuais volumes, essências de variações fixadas. Uma mão criativa tem seu próprio plano, o plano aberto de sua mão, intermediado tacitamente em uma substância formal e esta a reflete em pedra ou bronze e eu através da inteligência característica brasileira, como nos lindos quadros de Volpi e repetidos nos textos concretos dos seus poetas. Não uma manifestação de espírito que não possuísse a assinatura de sua extensão, de seu prolongamento. Muitas vezes esses esqueletos de Giorgi me fazem lembrar os polígonos esfarrapados ou as hastes tortas das figuras magras de Giacometti: figuras andantes de Giacometti, figuras paradas de Giorgi: demonstram as possibilidades humanas decididas no seu plano, as duas esperanças no espaço diante da solidão, como falou Pascal. Vejo a figura andante e perdida em Paris e a esperada e ereta em Brasília.

365 dias com poesia -- 22 de setembro de 2014, órgão



órgão

não me olhe irônico com um sorriso debaixo dos braços me aperte fundo quase um susto necessitando de compaixão me reconheça nos seus erros que também desconheço mas conheço o limite imposto disposto um encosto em nossos corações odeio falar de coração perdi um irmão por causa dele minha mãe também se foi órgão sem melodias sem harmonia que irá nos deixar na mão a qualquer momento intenso

domingo, 21 de setembro de 2014

Bruno Giorgi sobre ser escultor

O trabalho de um escultor é lento, monótono e não se vê nada. Todo mundo pensa que o artista é um mágico. Ele é um artesão que trabalha duro, dez horas por dia. Exibir-se nessa atividade eu acho demagógico, não interessa ao processo cultural. O resto é poeira e pedregulho. A obra mesmo, que é importante, só aparece depois de meses ou de anos de trabalho.

Moacyr Werneck de Castro dobre Bruno Giorgi

A graça poderosa da escultura de Bruno Giorgi não é um dom divino, ele nasce e se aperfeiçoa constantemente graças ao fecundo contato do artista com as forças vivas de sua época. Se toda a energia de Bruno Giorgi se concentra no seu mundo plástico os elementos de sua inspiração deitam fundas raízes no chão em que se processa a aventura do homem, obedecendo a uma tendência do espírito que o leva a participar apaixonadamente como indivíduo, dessa aventura.

...Bruno Giorgi é sem dúvida uma dos mais intelectuais entre nossos artistas. Sei que essa qualidade parece pejorativa a muitos que prezam só o instinto, força cega. Ela capacita o homem a superar incessantemente os seus próprios recursos, ela dá consciência de sua missão e empresta à obra uma riqueza incomparavelmente maior de conteúdo e expressão. Formulada ou não em termos completos, ela é enfim uma concepção, uma filosofia de vida. Equipado com essa filosofia é que Bruno Giorgi emerge para o domínio das formas, não como um portador de receitas livrescas, mas, ao contrário, como um intérprete vigoroso e consciente que ao transpor a realidade para a obra de arte não deixa perder a seiva da vida presente, que é afinal a única vida eterna.

Antonio Boto, poema sobre Bruno Giorgi

Faz da escultura toda a sua vida.
Da beleza seu pão bem amassado.
E sabe conduzir-se na subida
Para ir ao efeito desejado.
Domínio natural e do mais fino,
Da Grécia usa o senso iluminado,
Bruno Giorgi o artista florentino,
Centelha de cinzel arrebatado.
No ministério da educação
Do Rio vemos tanta claridade,
Em obra original de projeção.
Que Perfeição tem nele o seu escultor
Na interpretação da humanidade,
Cântico vivo ao mundo pelo amor!

Bruno Giorgi, na visão de Geraldo Ferraz

Ao lado da essencialidade da sua escultura, uma tirada de prumo do instante exato em que a forma ganha a consistência giorgiana, por equilíbrio e peso e posição no espaço, tornando-se uma fração exígua do "tempo" em que se faz o flagrante fugitivo ou esquivo da realidade tornada bela, um rêve de pierre, Bruno Giorgi se limita na sua pesquisa muito à linha ideal do corpo humano, estruturando-o, é verdade, com uma concepção quase esquemática na composição de suas figuras, notadamente dos corpos de mulher, em que ele tanto insiste (...) Reconheço ser sem dúvida uma produção quase excepcional na escultura de Bruno Giorgi, em todas as suas fases. Não é porém das de menor valor na formação do artista, e talvez lhe tenha servido para fazer a revisão noutros trabalhos e consolidar o estilo que ele vai construindo.

365 dias com poesia -- 21 de setembro de 2014, percurso



percurso

A dor dói
É a saudade batendo
No fundo do peito
Dizendo: você não foge de mim!

A dor mói
É um cansaço por dentro
No fundo dos pés
Dizendo: você não corre de mim!

A dor sói
É o costume fervendo
No fundo da garganta
Dizendo: você não se cansa de mim!

sábado, 20 de setembro de 2014

Bruno Giorgi, na visão de Lourival Gomes Machado

   Nunca se encontrará o julgamento definitivo de um artista nas perecíveis avaliações da crítica de seu tempo. Incapaz de antecipar-se à história, a crítica contemporânea vale, no entanto, como índice eloquente da correspondência entre o artista, seu tempo e seu meio. Daí a importância de ser Bruno Giorgi, de nossos escultores, o que mais tem atraído a atenção dos intelectuais. Tudo que sobre ele já se escreveu é merecido, sem ser demasiado. Sua escultura, cuja maturação se processou no Brasil, prendeu-se substancialmente à nossa inquietação artística. Do que se pode ler e compendiar sobre Bruno Giorgi, boa parte conflui francamente para dois focos de interesse: os traços de rebeldia que os biógrafos sublinham, e o saber de severa serenidade que os críticos sentem em suas estátuas. Dois termos voltam sempre a reaparecer nas críticas e nos ensaios: revolucionário, clássico...
   Há, sem dúvida, contradição nos qualificativos, mas sendo tão clara e insistente, terá sido adotada por gosto ou não se conseguirá fugir à sua impositividade. Revolucionário e clássico, Bruno Giorgi seria, pois, antítese encarnada, mas, sem desmentir a justeza com que se aplica à pessoa, lembrando-nos de que a antítese é da própria arte, fenômeno de vida que ironiza as distinções politizantes e as classificações historizantes da sabença nacional. Não insistamos, pois, ma compreensão dum Bruno Giorgi revolucionário, ou de um Bruno Giorgi clássico. Impõe-se enfrentá-lo a ambos e transfundi-los na realidade da obra. Porque só na obra, cristal da ação humana, a fecundidade da antítese chega a exprimir-se. Outro não terá sido o pensamento de Mário de Andrade que, interrogando-se sobre se têm validade as soluções de Bruno Giorgi, escreveu: "O beatério artístico da pátria gritará certamente que não. Mas nestas coisas não há não nem sim, há o poder da arte". E esse foi o raciocínio conclusivo do ensaio que, lucidíssimo, começava assim: "Bruno Giorgi chega a um ponto de maturidade em que ele não é mais senão uma teoria escultórica de si mesmo".

Sérgio Milliet sobre Bruno Giorgi

(...) A arte de Bruno Giorgi vive da mais alta moralidade de nosso tempo. Sua escultura representa uma luta incessante para gravar na matéria amorfa o ideal de uma raça de homens melhor sucedidos. É pagão no seu amor pela natureza robusta e exuberante, apolíneo pela preocupação do aqui e agora e o desprezo vago e fantasmal dos românticos e escapistas. Às vezes se entrega a um saborear despreocupado da forma por si, como em alguns dos seus corpos femininos, de um encanto tão envolvente. Mas não creio que o renoirismo escultural constitua o que de maias profundo exista em sua arte e em suas aspirações. Porque ele, além de pagão, é um artista da era post-facista. Criou grandes figuras em movimento, homens e mulheres, que marcham, calma mas decididamente. Seria falso dizer que já realizou o que deseja, nós seus contemporâneos também ainda não o conseguimos, mas sem qualquer desfalecimento nem desespero.

Bandeira sobre Bruno Giorgi

   Tanto se pode dizer que o paulista de Mococa, Bruno Giorgi, é um autêntico toscano, como que o toscano Bruno Giorgi é um autêntico brasileiro de Mococa. Na verdade, ele funde, admiravelmente, na sua arte e na sua sensibilidade, o refinamento espiritual de Florença, seu equilíbrio estético e humano, e todo o acesso de luz, forma, cor e ritmo da natureza e do homem brasileiro.

   Se por um lado, ele é toscano pelo sangue, pelo nobre porte de sua pessoa e, sobretudo, pelo espírito; por outro lado, ele é brasileiro pois na sua arte reflete uma alma brasileira, que não deseja ficar contida nos limites das formas escultóricas. Não, ela rompe os diques e se estampa naqueles corpos nus, naquelas faces mestiças, mesmo, naquela procura de um tipo físico e humano, caracteristicamente brasileiro.

   Estou mesmo inclinado a acreditar que isso só foi e está sendo possível, porque séculos de cultura florentina repousam sobre sua formação artística, por isso, sua sensibilidade, insuflada pela extraordinária riqueza do conteúdo humano barsileiro, pode abrir-se à compreensão e à identificação da nossa melhor tradição.

   Nesse sentido, Bruno Giorgi, artisticamente, é um escultor brasileiro. Suas soluções plásticas, seus temas, sua acentuada exuberância de formas, quase formas tropicais naqueles nus adolescentes, naquelas jovens que dão testemunhos dos flagrantes da generosidade da nossa riqueza humana, nas suas preocupações estéticas, se processaram num ritmo de afirmação inteiramente brasileiro. O seu racionalismo florentino incentivado pela forte luz e pelo calor sensual da nossa paisagem brasileira.

   Sua obra, possui uma unidade sólida, ele é essencialmente um artista fiel a si mesmo, ou antes, como dele disse, com extraordinária propriedade, o nosso grande Mário de Andrade: "Bruno Giorgi não é mais senão a teoria escultórica em si mesmo". E explicava que não há fantasmas refletindo-se nas suas obras. Nem antigos, nem o Renascimento, nem os Modernos, nem Despiau, nem Maiollol. Assim Bruno Giorgi é Bruno Giorgi. Tinha razão Mário de Andrade, pois Bruno Giorgi é um escultor que incessantemente se reproduz nas suas obras, atingindo com elas uma unidade admirável. E isso só pode acontecer porque Bruno Giorgi enriqueceu seu espírito toscano com o contato da alma brasileira. Essa, a unidade sólida, que transforma toda a sua obra, num bloco único de escultura.

   Assim, apesar da diversidade de materiais, de temas, de processos e de tratamentos, todas as suas obras estão unificadas por um toque, uma maneira artística de ser toda especial, bem Bruno Giorgi -- um artista que infiltra o plástico de uma violenta contaminação da vida. Suas formas são animadas por um sopro criador que faz brotar flores -- as árvores da vida -- na dura argila. A sua alma de artista serve-se da seiva da vida e dela se forma, por uma dessas extraordinárias metamorfoses artísticas, um palpitante instrumento. A um gesto seu, mesmo os materiais mais estéreis germinam a vida, a beleza, a arte. Sobretudo, a vida, abeleza e a arte.

   Esse caráter perfeitamente vital, essa como que intromissão da vida, do que no plástico atinge e conquista sua maior grandeza, essa humanização -- tão profundamente brasileira -- que transparece na arte de Bruno Giorgi, parece-se um traço mais característico de sua obra. Daí sua preocupação de fazer esculturas que encontram o seu segredo, mais do que na sua expressão plástica -- que ele não esquece, nem abandona nunca -- no eixo do mundo, força cega da natureza. Por isso, a escultura é para ele, por excelência, uma arte viva, ou melhor, uma arte capaz de se tornar viva e palpitante porque repousa sobre o próprio equilíbrio do mundo.

  

365 dias com poesia -- 20 de setembro de 2014, eco de existência



eco de existência

quando esquecemos que somos parte do todo
nos isolando para nos destacar
esquecemos que uma parte pode ser maior do que o todo tudo pode mudar um instante antes da grande explosão nada existia tudo passou a existir logo depois haviam as moléculas soltas que viraram algo que viraram um ser no mar depois um ser rastejante que virou algo que pensa tendendo a deus que sabe-se lá se sou eu ou você sabe-se se lá se ainda somos ou se já fomos e estamos apenas lembrando...

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 19 de setembro de 2014, orquestra



orquestra

Às vezes me dá um aperto no peito
Com a necessidade da quantidade de mentiras
Fingidas de verdade que as pessoas sorriem sem graça
Teimam em não enxergar
Para não terem que mudar
Na faixa de Gaza se mata menos do que nos morros cariocas
E todos estamos indignados com a guerra externa?
Os mesmos empresários que compram produtos da China são contra o trabalho escravo?
Nos anos 90 quem estava vivo e atento presenciou uma guerra na Europa
E continuamos querendo imitar a educação européia?
Desculpem mas não entendo tanta idiotice (ou hipocrisia) orquestrada!

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 18 de setembro de 2014, madeira



madeira

Difícil manipular um poeta
Porque ele planta a semente
Rega o broto
Colhe o fruto
Arranha a árvore
E se precisar a derruba
Para escrever sobre a dor necessária do grito: Madeira!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 17 de setembro de 2014, lago de chuva



lago de chuva

Temo subir os olhos
Por isso enxergo a lua pelo reflexo
A água sempre me auxilia
Poça de significados lago de cuspe lagoa sutil
Azul de rima fácil...

(quando quero acreditar espero a chuva)

terça-feira, 16 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 16 de setembro de 2014, ventre



ventre

Vendo um quadro que pintei...

Santa de jazz
Saxofone sendo tocado por um toco
Amarelo esmaecido como um sorriso
E no meio de tudo isso estou eu
Criando signos que não sei para que servem
Se é que servem para algo
Algas marinhas que não são azuis nem verdes
Nem sei de que cor pintei um ventre
Que deu a luz a uma dor
Dor de ventre

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 15 de setembro de 2014, outonal



outonal

flor do amor
cor da terra
sorte no sal da pedra
simples soluço do mundo
vento vermelho
veias fervendo jornadas


(vida)

domingo, 14 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 14 de setembro de 2014, medalha de lata



medalha de lata

nosso estilo vem dos nossos erros pois os acertos são parecidos com as medalhas de ouro dos grandes campeões que sofrem sim sofrem para conseguir a vitória mas não sofrem mais do que nós que corremos e nunca cruzamos a linha de chegada em primeiro lugar

sábado, 13 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 13 de setembro de 2014, quixotes



quixotes

Verdadeiros quixotes somos
Os poetas
Que brigamos contra o vento, vosso
Contra o tempo, nosso
Como se pudéssemos vencê-lo
Com lanças-rimas investimos contra o poderoso dragão-realidade
Com a ilusão da ingenuidade
Acreditando piamente
Que um poema-lança desse tamaninho possa derrubar o bicho

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 12 de setembro de 2014, arlequim



arlequim

Alecrim cheiro do
Arlequim
Quinto filho
Numa família de homens tristes
Pinta um sorriso na cara
Para esconder de todos a tosca risada
A farsa de seus pés pequenos em grandes sapatos
Palhaço
Que se perfuma de ilusão para sobreviver

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 11 de setembro de 2014, Fausto



Fausto

A Thomas Mann

Aos vinte e um anos
Escolheu o orgulho o sucesso a qualquer preço
Fez o pacto
Consigo com Ele com a perdição
Da consciência escrevia versos sonoros
Rimas de silêncios
Apaixonado por si sem dó espetava ouvidos
Plantando ressentimentos na solidão
Descobriu-se humano suando carência doença d’alma
Que o levou à loucura da própria cura

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 10 de setembro de 2014, sorriso soul



sorriso soul

A João Rafael Vianna

Fera mantenha a pegada
Pegue o touro à unha
Baixo-antena captando os sentimentos do coração
Suas batidas, signos, são sua emoção
E nos emociona na seqüência cega
Solamente
Solo na mente
Sempre simples e incisivo
Siga sentindo
A solidão do ritmo de menino que trazes num sorriso soul

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre o homem medieval

(...) justamente porque a uniformidade e a homogeneidade espirituais eram de antemão impostas ao homem medieval pela Igreja, como algo perfeitamente natural, desenvolveu ele bem mais fantasia do que o burguês da era individualista e pôde abandonar-se com mito maior segurança e despreocupação à sua imaginação pessoal.

SET LIST do show no Parque das Ruínas

1 -- Contra;

2 -- Complexa Vazão;

3 -- Inútil (Ultraje a Rigor);

4 -- Little Wing (Jimmy Hendrix);

5 -- Rock and Roll Lullaby (B.J.Thomas);

6 -- Sóis;

7 -- Sweet Sina;

8 -- Loucos,

9 -- O Alvo,

10 -- Sim;

11 -- Andarilho;

12 -- Brigas;

13 -- Jack Som;

14 -- Olhos Coloridos (Sandra de Sá);

15 -- Na rua, na chuva, na fazenda (casinha de Sapê, Hyldon);

16 -- Time (Pink Floyd);

17 -- Sombras.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a doença

Não tinha eu razão ao afirmar que no artista os estados de depressão de produtiva euforia, a doença e a saúde, não se opões em nítida separação? Que, pelo contrário, a doença e, em certo sentido, sob a sua proteção, operam elementos da saúde? Que elementos mórbidos entram nas regiões desta última, produzindo o gênio? É mesmo assim. Devo essa percepção a uma amizade que me causou muitas mágoas e grandes terrores, mas também sempre me encheu de orgulho: o gênio é uma forma de energia vital, profundamente conhecedora da doença abeberada na mesma e criativa através dela.

pedaço

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a pequena sereia do conto de Andersen

Desde muito cedo, deixavam que ela fizesse o que quisesse, e depois já não era possível refrear a ânsia pelo histericamente supervalorizado mundo de cima e pela "alma imortal". Uma alma imortal! Para quê? Um desejo completamente tolo! É muito mais tranquilizante saber que depois da morte a gente se tornará espuma do mar, e a isso a pequena por natureza tinha direito.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a diferença entre nações

É terrível cair nas mãos dos estrangeiros -- frequentemente meditei sobre esta expressão e sua amarga verdade, e naqueles dias do colapso e da rendição isso me fez passar por grandes sofrimentos. pois, como homem alemão, e apesar de um matiz universalista, que minha concepção de mundo recebeu da tradição católica, nutro uma afeição viva pelas particularidades nacionais, pela vida própria, característica do país, pela sua ideia, por assim dizer, tal como se afirma numa faceta do humano, em confronto com outras manifestações diferentes, igualmente justificáveis, sem dúvida alguma. Isso pode ocorrer, havendo certa estima exterior e a proteção de um Estado íntegro. O que há de novo e pavorosos numa derrota militar decisiva é o aniquilamento da mencionada ideia, é a refutação física a partir de uma ideologia estrangeira, intrinsecamente associada a outro idioma, do qual, justamente por causa da sua índole alheia, nada de bom pode resultar para nossa própria essência.

Da outra vez, os franceses chegaram a conhecer tal experiência horrorosa, quando seus negociadores, a fim de suavizarem as condições do vencedor, atribuíam um valor muito alto à gloire da entrada de nossa tropas em Paris e o estadista alemão replicava que nem a palavra gloire nem algum equivalente dela existiam no nosso vocabulário.

Disso se falou com espanto e à surdina em 1870 na Câmara francesa, quando os deputados cheios de perplexidade procuravam entender o que significava depender da boa ou má vontade de um adversário que ignorasse o conceito de gloire...

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a 2a guerra mundial

A época na qual escrevo e que tem de me permitir deitar no papel, no meu calmo retiro, estas recordações, traz no seu ventre terrivelmente intumescido uma catástrofe nacional, em comparação com a qual a derrota precedente se afigura um módico infortúnio e a liquidação sensata de um empreendimento malogrado. Até mesmo um fim ignominioso é diferente, é mais normal do que o imenso castigo que atualmente nos aguarda, comparável ao que outrora se abateu sobre Sodoma e Gomorra, e que, da primeira vez, não havíamos provocado assim.

Ele se aproxima; já não pode ser evitado, há muito tempo. Não posso acreditar que ainda exista alguém que tenha a menor dúvida a esse respeito.

Que essa sensação deva permanecer envolta em silêncio é outra circunstância alucinante. Certamente já era sinistro que, em meio a uma enorme multidão de obcecados, uns pouco clarividentes tivessem de viver de lábios selados. Mas o horror se torna total, quando todos, no fundo, já têm conhecimento da situação, e, no entanto, estão coagidos a manter um silêncio coletivo, embora cada um leia a verdade no olhar esquivo ou angustiadamente fixo do vizinho

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

365 dias com poesia -- 09 de setembro de 2014, Companhia do Cais

a emoção do passado no encontro presente de amigo
mestre rindo
Weber
lembranças sonoras
do Companhia do Cais
banda de feras niteroienses
Serginho Eliane Dante Caíque e ele
batera flautista
enigma
que me ensinou: artista é quem passeia onde os loucos vivem...
sim amigo-mestre-irmão:
os que vivem temendo a loucura
depois não entendem porque morrem de amargura...

365 dias com poesia, 08 de setembro de 2014, partidos


como sinto o que sinto as vezes assusta porque muitos escondem de si seus sentimentos sofrem momentos e precisam detestar senti-los somos nossos sentidos sentindo tudo o sol o céu a sombra o assombro somos memórias vivas de nossos sacrifícios e por isso devemos amar o que nos tornamos quando não brigamos com o que a vida fez de nossos olhos remorsos são a verdadeira derrota antes de partimos

domingo, 7 de setembro de 2014

365 dias com poesia, 07 de setembro de 2014, EXTREMOS

queria fazer um poema sem erros
mas a configuraçao do meu computador emprestado nao deixa
queria fazer uma vida sem erros
mas a configuraçao do meu hardware sofisticado nao deixa
sem cometer erros nao sabemos onde ficam os acertos
se conserto ou concerto
minha vida
se hesito excito ou exito
minha existencia
tao acompanhada de vontades e desejos
EXTREMOS

sábado, 6 de setembro de 2014

365 dias com poesia, 06 de setembro de 2014, reaçao

quando bocas calam lagrimas
quando ouvidos fingem não derramar
alguem esta escondendo algo de alguem
de si
provavelmente
mente

escorrendo desculpas
em culpas
se culpa
e não entende o sorriso
sem culpa
não desculpa
a liberdade adquirida
que irrita
que arranha
e desconhece
que o artista
sempre
por defeito
por desejo
quer interferir
e interferindo
reagir




teclado sem configuraçao

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

365 dias com poesia, 05 de setembro de 2014 -- Antipoetando



Antipoetando

A Nicanor Parra, aos 100 anos

Antipoeticamentefalodofalodafaláciadasrugasdasroubadasesperançasperdidas
porquenãoacreditadasfalodetudoqueécomumdoovodagalinhadopintodoquadrodo
picassodotiriricadatiticadepatodepovodedeputadodumavidaassimassimsemação
semgovernosemgovernadorsemuniãodofalaqueeuteescutodoenãofaçonadafalodo
meubemdosmeusbensdomeucéudosmeusceminimogospúblicosprontosparamecriti
carpublicosexoroqueemroucontrarregrasquasetodosadoramregraselesnãofazempe
lasregraseuporcimaeuporbaixoeucomasquatroelesnadameunadamastêmopiniãoso
bretudosobretudosobreaarteniilistadonadatodossãoacimadamédiapoisninguémquer
ficarabaixodoequadorporquedóioratoróiaroupadoreideromaquejánãoexistemaisentão
comquemvamospodercontarnahoradecarregarapedradedrummond?

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

365 dias com poesia, 04 de setembro de 2014 -- Foi um rio que passou em minha vida



Foi um rio que passou em minha vida

A vida não espera nada de ninguém
A natureza segue seu curso como um rio
Desembocando no mar
(no caso na falta de ar)
Se vou tocar flauta sax ou baixo
É um problema meu
Se vou ficar budista vendo a vida passar
A caravana pegar fogo
O edifício ruir é um problema só meu
Então quando percebi que quem tem que fazer para mim
Sou eu mesmo passei a rimar cantar pintar fazer do modo que me percebi sendo não comendo o mingau pelas beiradas comendo do meio com a boca ardendo

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a juventude

Ser jovem quer dizer ser original, quer dizer conservar-se próximo das fontes da vida, quer dizer erguer-se e sacudir as amarras de uma civilização obsoleta; ousar o que os outros não têm coragem de arriscar, e saber voltar a imergir no elementar. O destemor da juventude é o espírito do "Morre e devém" goethiano, é a noção de morte e renascimento.

(...) ...a espontaneidade, a vontade e a faculdade de experimentar e viver com plena vitalidade a parte natural do ser e seu lado demoníaco, assim como os chegamos a conhecer novamente através de Kierkegaard.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre o casamento cristão

Esse homem tinha realmente o direito de pedi-la em matrimônio, o direito de olhá-la, de desejá-la, de desejá-la para sua esposa cristã, como nós, os teólogos, dizemos com o justo orgulho de termos surrupiado ao Diabo a união carnal, convertendo-a num sacramento, no sacramento do casamento cristão. Muito engraçado, no fundo, essa usurpação do ato natural, pecaminoso, que realiza o sacrossanto pelo simples acréscimo da palavra "cristã", que, de resto, não altera nada. E, no entanto, cumpre admitir que a domesticação da malvadez natural, do sexo, mediante o matrimônio cristão, tem sido uma inteligente solução de emergência.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre arte

Na arte, pelo menos, entrelaçam-se os elementos subjetivo e objetivo, a ponto de se tornarem indistinguíveis; um se origina do outro e assume o caráter do outro; o subjetivo concretiza-se sob a forma do objetivo, e o gênio consegue reconduzi-lo à espontaneidade, fala a língua da subjetividade.

A arte progride e o faz por intermédio da personalidade, que é produto e instrumento da época, e na qual fatores objetivos e subjetivos ligam-se até tornarem-se indistinguíveis, assumindo uns a forma de outros. Devido à necessidade da renovação, depende ela do veículo do mais intenso sentimento subjetivo, que acha chochos, inexpressivos e obsoletos os recursos ainda corriqueiros e se serve daquilo que aparentemente não é vital, a saber, da predisposição pessoal da lassidão, do fastio intelectual, do asco que acomete a quem perceba o "segredo do feitio", da maldita inclinação de ver as coisas à luz da sua própria paródia, do "senso cômico". Repito: o desejo de vida e progresso, inerente à arte, põe a máscara dessa tíbias qualidades pessoais, para ssim manifestar-se, objetivar-se, cumprir-se.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre os artistas

Esses artistas prestam pouca atenção à quilo que os rodeia no momento, desde que não se encontre em relação direta à esfera de seu trabalho, na qual decorre sua vida. Para eles, o ambiente não passa de um acessório pouco importante, mais ou menos propício à sua obra.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre as vantagens oferecidas pelo demônio

Pois, oferecemos esse gênero ao máximo: enlevos e iluminações, experiências de desembaraço e desenfreamento, de liberdade, de segurança, facilidade, sensações de poder e triunfo, que fazem o nosso homem perder a fé nos seus próprios sentidos e ainda lhe proporcionam a admiração colossal por suas próprias realizações, que até pode induzi-lo a renunciar de bom grado a qualquer estima que venha de outros e de fora, sob o frêmito do narcisismo e até mesmo o delicioso horror a si, cujo efeito o leva a reputar-se porta-voz da Graça e momento divino.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a doença

A doença, e em especial uma doença escandalosa, discreta, oculta, produz certa oposição crítica ao mundo, à vida mediana, deixa as pessoas revoltadas e irônicas, com relação à ordem burguesa, e faz com que suas vítimas procurem a proteção do espírito livre, de leituras, de pensamentos.

365 dias com poesia, 03 de setembro de 2014 -- sorvete



sorvete

Vendo um quadro que pintei...

Sorvo o sorvete colorido
Que pode ser sorvete planta ou coruja
Pode ser aquilo que você quer ver
Fazendo parte imediata do seu imaginário
Um desenho abstrato passa a ser do dono do olhar
Passa a ser o sonho no olhar
Passa a ser você pintado olhando a possibilidade do sonho te enxergar

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Thomas Mann -- Doutor Fausto, citação

"Alles geben die Götter, die unundlichen,
Ihren Lieblingen ganz:
Alle Freuden, die unendlichen,
Alle Schmerzen, die unendlichen ganz."


Os deuses, os infinitos, dão tudo inteiramente, a seus favoritos: todas as alegrias, as infinitas, todas as dores, as infinitas, inteiramente.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a cultura

A cultura, desde que renegou o culto e se pôs a cultuar-se a si mesma, não passa de um refugo, e depois de meros quinhentos anos de tal situação, todo o mundo está farto e cansado dela, como se tivesse engolido, salva venia, panelas cheias de tal comida...

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a existência

No fundo, existe neste globo somente um único problema, e este se chama: como se abre caminho? como se chega ao ar livre? como se rompe o casulo, para vir a ser borboleta?

(...)

Redenção ou perdição estéticas, eis o destino, que determina a felicidade ou a desventura, a convivência de seres sociáveis na Terra ou o isolamento irremediável, por mais soberbo que este seja. E não é necessário ser filólogo, para saber que a fealdade é odiosa. O afã de abrir caminho, livrando-nos das amarras e do cárcere do feio...talvez vás dizer que debulho a palha vazia, na qual dormíamos, mas sinto, sempre senti e manterei essa minha opinião, apesar de todas as aparências brutais, que esse afã é alemão kat' exochen, é mesmo o que define a germanidade, um estado de alma ameaçado de quimeras, do veneno da solidão, de um provincialismo boçal, de maranhas neuróticas, de silencioso satanismo...

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a Redenção

Redenção?

Uma palavra romântica, e uma palavra de harmonista, a senha da bem-aventurança que a cadência provoca na música harmônica. Não é engraçado que a música, durante algum tempo, tenha acreditado ser um meio de redenção, apesar de ela própria, como qualquer arte, carecer de redenção; redenção de um isolamento solene, que tem sua origem na emancipação da cultura, dessa cultura elevada a substituta da religião; redenção de sua convivência exclusiva com uma elite refinada de "público", e que em breve cessará de existir, de modo que então ela ficará totalmente sozinha, mortalmente sozinha, a não ser que encontre o caminho que a conduza ao "povo", isto é, em termos nada romântico, o caminho aos homens?

Thomas Mann -- Doutor Fausto, sobre a derrota da Alemanha na segunda guerra

A época na qual escrevo e que tem de me permitir deitar no papel, no meu calmo retiro, estas recordações, traz no seu ventre terrivelmente intumescido uma catástrofe nacional, em comparação com a qual a derrota precedente (1a guerra) se afigura um módico infortúnio e a liquidação sensata de um empreendimento malogrado,. Até mesmo um fim ignominiosos é diferente, é mais normal do que o imenso castigo que atualmente nos aguarda, comparável ao que outrora se abateu sobre Sodoma e Gomorra, e que, da primeira vez, não havia nos provocado assim.

Ele se aproxima; já não pode ser evitado, há muito tempo. Não posso acreditar que ainda exista alguém que tenha a menor dúvida a esse respeito.

(...)

Que essa sensação deva permanecer envolta em silêncio é outra circunstância alucinante. Certamente já era sinistro que, em meio a uma enorme multidão de obcecados, uns poucos clarividentes tivessem de viver de lábios selados. Mas o horror se torna total, quando todos, no fundo, já têm conhecimento da situação, e, no entanto, estão coagidos a manter um silêncio coletivo, embora cada um leia a verdade no olhar esquivo ou angustiadamente fixo do vizinho.

Thomas Mann -- Doutor Fausto, palavras esquisitas

occipício -- Termo científico para a porção superior da cabeça;

flajolé -- espécie de flautinha;

balantes -- sons que dão balidos (sons que as ovelhas emitem);

tiple -- tipo de violão colombiano;

sempiterna -- aquela que tem início, meio e fim. Eterna;

polímata -- Homem sábio, que detém conhecimentos sobre muitos campos ou domínios do saber;

apologética -- 
Parte da teologia que tem por objeto a defesa da religião cristã, contra o ataque e objeções de seus adversários;

incubos --  (em latim incubus, de incubare) é um demônio na forma masculina que se encontra com mulheres dormindo, a fim de ter uma relação sexual com elas. O íncubo drena a energia da mulher para se alimentar, e na maioria das vezes deixa-a viva, mas em condições muito frágeis. A versão feminina desse demônio é chamada de súcubo;

exceler -- que supera em qualidade;

imo -- âmago, íntimo;

silesianos --  A Silésia é uma importante zona industrial da Polônia e da República Checa;

ebúrnea -- Alvo e liso como marfim;

lassa -- cansada;

chalrar -- falar à toa e alegremente;

numismata -- especialista  na ciência que tem por objetivo o estudo das moedas e das medalhas;

cápua -- 

olmo --
Botânica. Árvore da família das ulmáceas, que atinge de 20 a 30 m de altura, com folhas recortadas, que fornece madeira sólida e flexível, utilizada em carpintaria e marcenaria. (Sin.: olmeiro.);

comsupção --  Medicina Emagrecimento e deperecimento progressivos do organismo, em especial o humano, em consequência de doença. (Var.: consunção.);

ominosas -- negativas;

obumbradas -- cobrir-se de sombras;

cucharras --  Colher de chifre. Colher, com que se deita polvora na peça de artilharia. (Cast. cuchara);

bajoujice -- o mesmo que bajulação;

monacal -- 
Que se relaciona com o gênero de vida dos monges: hábitos monacais;

estro -- 
Fisiologia. Conjunto de fenômenos e comportamentos que precedem e acompanham a ovulação nos mamíferos de sexo feminino.
Inspiração, veia, engenho poético, imaginação artística: estro poético.
Desejo sexual;

comburido -- comburir é o mesmo que queimar;

mo --

quídam -- pessoa de pouca importância;

pernície -- destruição, ruína;

látego --  Um tipo de chicote. Figurativamente significa castigo, flagelo;

nacela -- cesta do balão;

mouco -- surdo;

suábia --
A Suábia (em alemão Schwaben) é uma região administrativa (Regierungsbezirk) do Estado (Bundesland) alemão da Baviera, cuja capital é a cidade de Augsburgo.1 2
A Suábia é uma região histórica da Alemanha com um dialecto local chamado schwäbisch, ou suábio. O território histórico abrangia grande parte do estado de Baden-Württemberg bem como a região administrativa bávara da Suábia. Na Idade Média, a maioria da actual Suíça e da Alsácia (hoje pertencente à França) também faziam parte da Suábia;

pincenê --  (fr pince-nez) Óculos sem haste, preso ao nariz por uma mola;

dolicocéfalo --  Diz-se de quem tem o crânio oval;

fúmida -- que exala fumo ou vapores;

sicambro --
antigo povo da Germânia, ribeirinho do Reno ou indivíduo desse pov;

baldaquim --  Espécie de pálio ou dossel.
Obra de arquitetura ou de marcenaria, que serve de coroa a um trono, a um altar;


1. Arq. Moldura côncava na base de uma coluna
2. Estrutura que se assemelha a uma barca ou cesta, suspensa de um balão ou situada na parte de baixo de um dirigível, destinada a tripulantes e passageiros
3. Cabina de pequenos aviões destinada esp. ao piloto, mas na qual podem caber outros tripulantes

Disponível em: <http://dicionariocriativo.com.br/significado/nacela>. Acesso em: 02/09/2014.