"...Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa. Pode conceder que essa pessoa seja viva, que sinta e pense como ele; mas haverá sempre um elemento anónimo de diferença, uma desvantagem materializada. Há figuras de tempos idos, imagens espíritos em livros, que são para nós realidades maiores que aquelas indiferenças encarnadas que falam connosco por cima dos balcões, ou nos olham por acaso nos eléctricos, ou nos roçam, transeuntes, no acaso morto das ruas. Os outros não são para nós mais que paisagem, e, quase, sempre, paisagem invisível de rua conhecida.
Tenho por mais minhas, com maior parentesco e intimidade, certas figuras que estão escritas em livros, certas imagens que conheci de estampas, do que muitas pessoas, a que chamam reais, que são dessa inutilidade metafísica chamada carne e osso. E "carne e osso", de facto, as descreve bem: parecem coisas cortadas postas no exterior marmóreo de um talho, mortes sangrando como vidas, pernas e costelas do Destino.
Não me envergonho de sentir assim porque já vi que todos sentem assim...".
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