terça-feira, 2 de julho de 2013

José Casado, jornalista


Atropelados pela História

Colunista analisa onda de protestos em países da América do Sul

As pessoas nas ruas pedem mais investimentos em Saúde, Educação, Saneamento e Transporte. Dilma Rousseff está há uma década no centro do poder, mas nesse período o governo que gerencia não conseguiu sequer gastar seis em cada dez reais separados no Orçamento da União para investimentos em Saúde; cinco em cada dez reais do que foi autorizado para gastos com Saneamento; quatro em cada dez reais previstos para aplicação em Educação e Transportes.
Em resposta às ruas que pedem mais investimentos em Saúde, Educação, Saneamento e Transporte, na semana passada Dilma Rousseff ofereceu, primeiro, uma Constituinte. No dia seguinte, mudou para um plebiscito. E é possível que em mais alguns dias apareça com a ideia de um referendo…
Ao Sul, os panelaços se tornaram rotineiros, indicando insatisfação com o aumento da inflação e a escassez de Saúde, Educação, Saneamento e Transporte.
Em troca, Cristina Kirchner oferece mudar de Buenos Aires para La Plata o monumento a Cristóvão Colombo instalado há 92 anos numa praça atrás do palácio de governo, substituindo-o por uma escultura doada pelo boliviano Evo Morales.
Os protestos por mais e melhor Saúde, Educação, Saneamento e Transporte também fazem parte da paisagem da Bolívia, Chile e Venezuela.
O boliviano Evo Morales oferece, em troca, 1.203 estádios e canchas esportivas a um custo quatro vezes maior que o investimento total previsto em seus 370 projetos de Saneamento. Nos últimos cinco anos, o governo Morales supostamente investiu US$ 439 milhões em um programa de obras. Supostamente porque, além de questões físicas (projetos nunca iniciados ou simplesmente abandonados), há problemas estatísticos e de tesouraria básica - o dinheiro evaporou sem qualquer tipo de controle público, muito menos prestação de contas.
Já o chileno Sebástian Piñera oferece à massa sedenta de Saúde, Educação, Saneamento e Transporte, a “preservação do legado” socioeconômico da era Pinochet - por isso, sugere o voto em seu partido (Alianza) na próxima eleição presidencial. Até lá, vai assistir à gradativa submersão do próprio governo nos jatos d'água disparados diariamente pela polícia contra estudantes rebelados nas ruas.
Na Venezuela é um pouco diferente. Ali, as ansiedades coletivas do momento estão reduzidas à emergência diária da falta de… papel higiênico. Educação, Saúde, Saneamento, Transporte passaram momentaneamente ao segundo plano das preocupações dos venezuelanos, cujo cotidiano já estava dividido entre apagões e a procissão pelos supermercados de prateleiras vazias em busca de comida.
Na semana passada Nicolás Maduro, presidente de questionada legitimidade, destacou um ministro para perguntar às ruas: “Vocês querem Pátria ou papel higiênico?”. Em seguida, saiu em viagem pelo mundo. Do exterior, de vez em quando, manda a todos “um abraço de amor chavista”.
O que move a indignação nas ruas e nas urnas, lembrou o sociólogo catalão Manuel Castells em entrevista ao repórter Maurício Meirelles, "é o ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governo pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seus salários".
A América do Sul, hoje, é caso exemplar. As pessoas continuam precisando de mais investimentos em Saúde, Educação, Saneamento e Transporte. Em alguns casos, até de papel higiênico. Mas nesse pedaço do planeta, governantes atropelados pela História insistem em revogar as leis básicas de Galileu e Copérnico, sobre o sistema heliocêntrico no qual a Terra gira em torno do Sol.
Para eles, o universo é antes de tudo egocêntrico. E a culpa, se e quando existe, é do povo, a quem sempre cabe pagar a conta.

José Casado , O Globo, em 02/07/13.

Nenhum comentário:

Postar um comentário