Atropelados pela História
Colunista analisa onda de protestos em países da
América do Sul
As pessoas nas ruas pedem mais investimentos em Saúde, Educação, Saneamento
e Transporte. Dilma Rousseff está há uma década no centro do poder, mas nesse
período o governo que gerencia não conseguiu sequer gastar seis em cada dez
reais separados no Orçamento da União para investimentos em Saúde; cinco em
cada dez reais do que foi autorizado para gastos com Saneamento; quatro em cada
dez reais previstos para aplicação em Educação e Transportes.Em resposta às ruas que pedem mais investimentos em Saúde, Educação, Saneamento e Transporte, na semana passada Dilma Rousseff ofereceu, primeiro, uma Constituinte. No dia seguinte, mudou para um plebiscito. E é possível que em mais alguns dias apareça com a ideia de um referendo…
Ao Sul, os panelaços se tornaram rotineiros, indicando insatisfação com o aumento da inflação e a escassez de Saúde, Educação, Saneamento e Transporte.
Em troca, Cristina Kirchner oferece mudar de Buenos Aires para La Plata o monumento a Cristóvão Colombo instalado há 92 anos numa praça atrás do palácio de governo, substituindo-o por uma escultura doada pelo boliviano Evo Morales.
Os protestos por mais e melhor Saúde, Educação, Saneamento e Transporte também fazem parte da paisagem da Bolívia, Chile e Venezuela.
O boliviano Evo Morales oferece, em troca, 1.203 estádios e canchas esportivas a um custo quatro vezes maior que o investimento total previsto em seus 370 projetos de Saneamento. Nos últimos cinco anos, o governo Morales supostamente investiu US$ 439 milhões em um programa de obras. Supostamente porque, além de questões físicas (projetos nunca iniciados ou simplesmente abandonados), há problemas estatísticos e de tesouraria básica - o dinheiro evaporou sem qualquer tipo de controle público, muito menos prestação de contas.
Já o chileno Sebástian Piñera oferece à massa sedenta de Saúde, Educação, Saneamento e Transporte, a “preservação do legado” socioeconômico da era Pinochet - por isso, sugere o voto em seu partido (Alianza) na próxima eleição presidencial. Até lá, vai assistir à gradativa submersão do próprio governo nos jatos d'água disparados diariamente pela polícia contra estudantes rebelados nas ruas.
Na Venezuela é um pouco diferente. Ali, as ansiedades coletivas do momento estão reduzidas à emergência diária da falta de… papel higiênico. Educação, Saúde, Saneamento, Transporte passaram momentaneamente ao segundo plano das preocupações dos venezuelanos, cujo cotidiano já estava dividido entre apagões e a procissão pelos supermercados de prateleiras vazias em busca de comida.
Na semana passada Nicolás Maduro, presidente de questionada legitimidade, destacou um ministro para perguntar às ruas: “Vocês querem Pátria ou papel higiênico?”. Em seguida, saiu em viagem pelo mundo. Do exterior, de vez em quando, manda a todos “um abraço de amor chavista”.
O que move a indignação nas ruas e nas urnas, lembrou o sociólogo catalão Manuel Castells em entrevista ao repórter Maurício Meirelles, "é o ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governo pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seus salários".
A América do Sul, hoje, é caso exemplar. As pessoas continuam precisando de mais investimentos em Saúde, Educação, Saneamento e Transporte. Em alguns casos, até de papel higiênico. Mas nesse pedaço do planeta, governantes atropelados pela História insistem em revogar as leis básicas de Galileu e Copérnico, sobre o sistema heliocêntrico no qual a Terra gira em torno do Sol.
Para eles, o universo é antes de tudo egocêntrico. E a culpa, se e quando existe, é do povo, a quem sempre cabe pagar a conta.
José Casado , O Globo, em 02/07/13.
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