sexta-feira, 1 de março de 2013

Cesar Calvo, poeta peruano -- PARA ELSA, POUCO ANTES DE PARTIR

(fragmentos)

Porque escrevo estas linhas não somente com minha vida
mas com o respiro de todos os fantasmas
que me amaram,
de todos os fantasmas que morreram e renasceram
com o rosto voltadop para uma feroz desolação
culpando-me

Porque com culpa escrevo, com o lento rumor
de tuas roupas
caindo na penumbra de Genebra, quando ainda era
tempo
e os relógios ignoravam o perigo, suas agulhas
como o abraço de um náufrago na feliz profundidade,
minha boca perseguindo teu ventre no silêncio
que precede os silêncios
e as almofadas úmidas e os olhos que não verei nunca
mais
girando nos espelhos na noite infinita.
(...)

Já me esquecera de algo tão simples e verdadeiro
como beber um vaso de água, levantar-se na sombra, dos quartos emprestados, deixar correr o tempo
ainda entre sonhos e logo acordar com a sede de
teu pescoço

Eu me esquecera que a vida também está feita de
todos esses ínfimos, esses heróicos acontecimentos
que se cumprem mal sabendo
entre um corpo desnudo e outro corpo desnudo,
entre o leito do rio e o vaso da boca.
(...)

Me esquecera de escrever simplesmente,
como quem bebe
ou ama, sem que o Olimpo me suba à cabeça.

Me esquecera de que um poema se prepara
com minuciosa alegria
como um presente que já ninguém espera,
e se modela com urgência
e violência, com irrepetível, com irremediável
ternura,
como fazer o amor com uma mulher
que vai morrer amanhã.


(Tradução: Thiago de Mello).

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