sábado, 25 de maio de 2013

Rubem Braga, crônica: Da Praia (Fim)

(...)

Assim anda o homem solitário na longa praia. Mas aqui a praia não é deserta. Atrás de nós estão os edifícios fechados, e a cidade que desperta penosamente. Parados entre a solidão do oceano e a solidão urbana, estamos entre o mundo puro e o infinito de sempre e o mundo precário e quadriculado de todo dia. Este é o mundo que nos prende; estamos amarrados a edle pelos fios de mil telefones.

  E ainda somos abençoados, porque vivemos nesta cidade perante o amplo mar. Quando nós, homens, erguemos uma cidade, quantas vezes somos desatentos e pueris! Há cidades entre montanhas, e são tristes; mais tristes são aquelas em que vegetamos no mesquinho plano sem fé, limitados a norte, sul, leste, o este pelo mesmo frio ciemnto que erguemos. Se todas as esquinas são em ângulo reto, que esperança pode haver de clemência e doçura. Apenas o céu nos dá a curva material de que temos sede. Mas o homem, por natureza, pouco olha o céu; é um animal prisioneiro da grosseira força da gravidade: ela puxa nossos olhos para o plano, para o chão. Plantai a vossa povoação junto a um rio, e estareis perdoados; tendes a fluir melancólico das águas para levar as vossas canoas nas monções do sonho.

  Mas deixemos o mar; entremos por esta rua. Estrondam bondes. A lenta maré humana começa a subir. Os açougues mostram a carne vermelha a uma luz cruel; as filas se mexem inquietas, sem avançar, velhas cobras de barriga vazia. Voltemos para casa, e sejamos humildes. O mundo é seco. Não mais sonhar em remover as povoações para beira mar oceano, sem abrir caminhos para a fuga da tristeza humana. Estamos outra vez quadriculados em nosso tédio municipal: a torneira não tem água. Ajoelhemos perante a torneira seca: e, embora sem lágrimas, choremos.

Junho, 1946.

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