MATISSE E PICASSO
(1) O artista japonês Riichiro Kawashima escreveu: "Há muito tempo (1913), quando Picasso morava num ateliê da moda que dava para o cemitério Montparnase (...) eu lhe perguntei: "Você gosta de Matisse?" Ele arregalou os olhos brilhantes e me disse: "Bom, Matisse pinta quadros bonitos e elegantes. Ele é compreensível". (...) Quando visitei Matisse há quatro anos (1929), indaguei: "O que você acha de Picasso?" Depois de um momento de silêncio, ele me respondeu:"Ele é caprichoso e imprevisível, mas compreende as coisas".
(2) "...A explicação habitual -- que Matisse teria "influenciado" Picasso -- não é nada satisfatória. A própria noção de influência, com suas conotações de passividade, não combina com o que sabemos sobre Picasso e sua exploração onívora de todos os estilos, passados e da época dele.(...) muitas coisas estavam em jogo e o verbo compreender (e seus derivados) deve ser levado a sério. Provavelmente não há melhor definição do que a proposta por Mikhail Bakhtin, obstinado em estender a noção de diálogo a todos do fatos socias: "Uma compreensão autêntica, ativa, já contém o esboço de uma resposta.(...) A compreensão é uma forma de diálogo; ele está para a enunciação, como a réplica está para a réplica, no diálogo. Compreender é fazer oposição à palavara do interlocutor com uma contrapalavra".
(3) A compreensão como "resposta", o enunciado como "dirigido a um interlocutor" e a soma dos enunciados como "contexto" são as ferramentas conceituais que o sistema dialógico de Bakhtin nos fornece para desembaraçar o emaranhado complexo e mutante das relações entre Matisse e Picasso. Antes da morte de Matisse, em 1954, a replicação contínua entre os dois artistas se transformou numa troca privilegiada e tingida de nostalgia. "Precisamos conversar muito", dizia Matisse. "Quando um de nós morrer, haverá coisas que o outro nunca mais poderá dizer a ninguém." Aliás Gilot atribuí a mesma frase a Picasso, que acrescenta:"Levando tudo em consideração, só existe Matisse".
(4) "...é preciso notar que o diálogo aqui tratado é, antes de tudo, um diálogo entre obras de arte e não entre indivíduos que as produziram. E, tanto as obras de arte quanto nas conversas da vida cotidiana, uma não-resposta também é uma forma de resposta: durante muitos períodos Matisse e Picasso parecem ignorar completamente um ao outro -- a até de maneira agressiva.""(...) E o que acontece com a incompreensão? Se é evidente que, a longo prazo, toda interação passa por mal-entendidos ocasionais, o que dizer da incompreensão intencional (...) --- que harold Bloom chama de misprision, isto é, menosprezo?"Num conceito psicanalítico, "o filho deve matar o pai", ou seja, o poeta novo normalmente utiliza-se de uma estratégia de incompreensão. Uma "leitura autoritária", má leitura (misreading), erro fundamentla de interpretação , proposital, na base da relação que todo grande poeta (ou artista) mantém com a obra de seus predecessores. Esse mal-entendido inicial com os rivais passados é a precondição da grandeza de um poeta: é o que eventualmente dá possibilidade ao poeta de se libertar da "angústia da influência".
(5) Matisse, não desconhecendo o "fardo do passado", "não se cansava de citar as palavars de Cézanne:"Desconfiem dos mestres influentes" E acrescentava:"Quando se imita um mestre, a habilidade dele inibe o imitador e forma à sua volta uma barreira que o deixa paralisado. Eu não saberia reproduzi-lo" No fim da vida, Matisse se preocupou com o efeito da sua própria arte nos jovens pintores e descobriu, por si mesmo, uma lei que os historiadores da literatura e da arte chamaram de "lei do avô" -- o conceito de que, na busca de uma autoridade, artistas e escritores pulavam uma ou várias gerações, para conseguir se libertar das realizações intimidadoras de seus antecessores imediatos.
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